sábado, 6 de outubro de 2007

Nome da Rosa (O) - Umberto Ecco

Em 1968 foi parar às mãos de Umberto Eco um livro de um tal abade Vallet :"Le Manuscript de Dom Adso de Melk", que afirmava reproduzir fielmente um manuscrito o séc. XIV que havia sido encontrado no mosteiro de Melk. Entusiasmado e intrigado com tal achado, Umberto Eco levou a cabo algumas pesquisas que o levaram a concluir que as memórias de Adso narravam efectivamente acontecimentos reais que estavam envoltos em muitos mistérios, a começar na localização da abadia que Adso nunca revela, no entanto e pelas descrições de Adso, Eco consegue localizar a sua situação geográfica numa zona imprecisa entre Pomposa e Conques, ao longo da cadeia dos Apeninos, entre o Piemonte, a Ligúria e a França.
Assim, tido como verídico, estes acontecimentos datam do ano de 1327, período da idade média conhecido como "período das trevas", dominado pelo Papa João XXI que, anos antes havia-se aliado ao rei de França na acusação que levou à extinção da Ordem dos Templários. Curioso que este Papa foi, em 1322 acusado de herético por Luís, o Bávaro.
É pois nesta Europa atolada em interesses políticos e pela inquisição, completamente dominada por uma igreja corrupta que granjeava inimigos em todos os lados, que Adso, já envelhecido, se propõe a escrever o seu testemunho sobre os admiráveis e terríveis acontecimentos que assistiu na sua juventude.
A história passa-se em apenas sete dias (uma semana) e está dividida nas partes que a igreja usava para rezar: Matinas, Laudes, Primeira, Terceira, Sexta, Nona, Vésperas e Completas.
Itália, 1327, uma estranha e misteriosa morte ocorre num isolado mosteiro. Para desvendar essa morte, é chamado o abade franciscano Guilherme de Baskerville (conhecido pelos seus trabalhos para a santa inquisiçã) que se faz acompanhar pelo seu protegido, o jovem monge beneditino Adso de Melk. Nesse mosteiro, uma espécie de microsociedade medieval, um clima de mistério e medo recebe os nossos protagonistas que logo se deparam com uma cortina de silêncio sobre esta estranha morte. No entanto o pior está para vir, mais mortes acontecem. De uma forma estranha e peculiar, vários abades aparecem mortos e, após observar os cadáveres, Guilherme de Baskerville chega a uma conclusão: as mortes derivam de envenenamento e parecem ter alguma ligação com a biblioteca da abadia, uma biblioteca fascinante construída em forma de labirinto que acaba por ser o centro e o cenário principal deste romance. Ligado à biblioteca, surge o venerável Jorge de Burgos, bibliotecário cego que dirige a biblioteca de uma forma austera (é clara a homenagem a Jorge Luís Borges).
A obra foca intensamente a forma como se vivia num mosteiro medieval. Sobressai a quase ausência de liberdade e principalmente a ausência de liberdade de acesso ao conhecimento. Numa época obscura, onde ainda não existia imprensa, os mosteiros acabavam por ser o albergue de todo o conhecimento. Os livros eram copiados à mão (isso é sublinhado na obra) apenas por monges seleccionados e só apenas alguns tinham acesso aos livros e mediante autorização prévia do venerável Jorge. Algo que também é referido insistentemente no livro é o dogmatismo religioso que encarava o conhecimento como perigoso, assim, este romance tem como papel central um livro de Aristóteles "Poética", supostamente sobre o riso, livro tido como um mito, mas guardado religiosamente na abadia. Importante notar que um livro deste tipo seria sempre visto como muito perigoso. Os monges não podiam demonstrar alegria, Jesus Cristo nunca demonstrou alegria, logo, os servilistas seguidores do Cristo também não podiam sentir qualquer tipo de alegria.
E é neste cenário, assente em pilares históricos muito consistentes que Guilherme de Baskerville vai desenvolver uma investigação fantástica em busca da solução para todas aquelas estranhas mortes.
No entanto nem tudo é positivo neste livro. As expressões em latim são demasiadas, tornando o livro, por vezes, aborrecido sendo que se reflecte no nosso entusiasmo que, por vezes desvanece. O próprio escritor afirma ter sentido a necessidade de não traduzir algumas frases para não retirar alguma da exactidão da obra, no entanto e pessoalmente, achei algo exagerado as inúmeras frases e trechos inteiros em latim, embora também reconheça que dá beleza à narração.
Um excelente livro histórico que merece ser lido e analisado com calma e cuidado.

6 comentários:

Totoia disse...

Curioso, não tinha ideia que O nome da Rosa era baseado em factos veridicos. Já o li há uns anos, na altura tive alguma dificuldade com o latim embora fosse uma das minhas disciplinas no secundário.

Recentemente revi a história em teatro, a companhia Fatias de Cá, em Tomar, tem em cena O Nome da Rosa, a acção é passada no Convento de Cristo e os espectadores percorrem o convento atrás dos personagens, como a peça é longa vão intercalando com refeições "medievais", para quem gostou do livro é muito interessante ver a peça.

NLivros disse...

Olá totoia.

Essa peça em Tomar passou-me completamente ao lado. Se tivesse sabido disso teria ido propósitamente a Tomar ver essa peça, até porque, para além de gostar imenso do Convento, é um tipo de peça que me agrada imenso.

Aqui em Sintra costuma-se fazer algo do género dos jardins da Quinta da Regaleira. Aí já fui assistir a algumas peças de Shakespeare.

Em relação ao livro, sim, é baseado em factos verídicos, assim como muitas das personagens são reais.

Um excelente livro e, na minha opinião, a obra-prima de Ecco.

Bjs.
Nuno

Totoia disse...

A peça continua em cena, a companhia chama-se Fatias de Cá e inclui jantar.

Este ano fiquei muito triste porque não consegui assistir a peça que esteve na Regaleira, mas costumo assitir as peças que por lá se fazem.

NLivros disse...

Excelente, desconhecia.

Já estive no site da companhia e parece-me que irá haver peça no Domingo, 04 de Novembro, que será um dia que estarei por aqueles sítios.

E o preço nem é exagerado. Excelente!

Obrigado pela dica.

Mar disse...

Um livro excelente, sem dúvida! Adorei; já vi o filme e foi uma desilusão...como sempre prefiro o livro ao filme.

NLivros disse...

Eu por acaso gostei do filme, penso que é uma realização que está bem conseguida e que explana bem o ambiente da abadia e do própria tempo.

Porém é inegável que o livro é bem melhor.