domingo, 30 de dezembro de 2007

Livros lidos em 2007

No ano que agora finda li 47 livros (contabilizo apenas aqueles que li da primeira à última página pois há outros que desisti a meio), número dentro de uma média anual mantida há uns dez anos.

Dessa lista pretendo aqui referir os dez que mais gostei.

- “A Estrada” de Cormac McCarthy
- “1984” de George Orwell
- “Cruz de Portugal” de José Sequeira Gonçalves
- “A Sombra do Vento” de Carlos Ruiz Zafón
- “A Odisseis dos Dez Mil” de Michael Curtis Ford
- “Filipa de Lencastre de Isabel Stilwell
- “O Canto dos Pássaros de Sebastian Faulks
- “A Voz dos Deuses” de João Aguiar
- “Predadores” de Pepetela
- “A Voz da Terra de Miguel Real

Sem nenhuma ordem de preferência destaco, contudo, “A Estrada” como o livro que mais me marcou, diria mesmo que foi um dos melhores livros que li até à data e “A Voz da Terra”, um livro que merece o rótulo de obra-prima da literatura portuguesa.

Destaco também um livro que reli pela 4ª vez: “A Filha do Capitão” de José Rodrigues dos Santos.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Sombra do Vento (A) - Carlos Ruiz Zafón

Grande sucesso em Espanha e praticamente em todos os países onde foi publicada, “A sombra do vento” é um livro que fala de livros e da influência que os mesmos podem ter na vida daqueles que os lêem.

A acção situa-se em Barcelona em meados da década de 40 (século XX) onde ainda se vive sob o espectro da guerra civil que assolou toda a Espanha e sob a ditadura de Franco.

Daniel Sempere, o principal personagem e narrador da história, de mão dado com o pai é levado à descoberta de um local mágico e misterioso: O cemitério dos livros esquecidos. Gigantesca e labiríntica biblioteca onde são guardados os livros saídos de circulação e há muito esquecidos pela sociedade.

Logo aqui há uma clara referência à estrutura labiríntica imagina por Umberto Eco no seu livro “O nome da Rosa” e, na minha perspectiva, uma crítica à sociedade pela forma como trata os seus livros, para além de ele próprio fomentar a idéia da importância de todos os livros como veículo de cultura.

Esta cena inicial torna-se assim na premissa para todo o enredo que irá rodar sob o livro que Daniel escolhe do Cemitério dos livros esquecidos: A Sombra do Vento, escrito pelo enigmático e obscuro Julián Carax.

Apaixonado pela história contida no livro, Daniel empreende uma busca por mais livros deste autor, acabando por entrar numa intrincada teia de ódios, assassinatos, paixões e amizades que vão para além do imaginado e que se situam muitos anos antes do nascimento de Daniel.

Zafón é muito inteligente na forma como cria o enredo e, sobretudo, na forma como liga vários pormenores e personagens de outros autores da literatura e isso é algo que mais me surpreendeu e me fez apaixonar pelo livro.

Como história em si, posso afirmar, segundo a minha opinião, que não é uma grande história, já tenho lido muito melhor, porém uma das mais valias deste livro é a influência de outros autores e dos seus gêneros. É nítida a influência do gótico de Egdar Allan Poe. O inspector Fumero, até na descrição do seu aspecto físico, é quase um clone do inspector Javert nos “Miseráveis” e até no seu relacionamento com Fermín, um dos personagens mais fascinantes, faz lembrar as situações com Jean Valjean no referido título.

Achei curiosa a forma como o autor consegue jogar com vários estilos literários, quase que altera os estilos de página a página. Ora cria um clima de autêntico romance psicológico ao estilo de um Dostoeivsky, como passa para um policial, um thriller povoado de imagens e situações góticas e sobrenaturais, acabando num estilo histórico e até de costumes.

É claro que isso é intencional e dá ao romance algo de inédito, até porque é também uma forma do autor homenagear escritores universais e gêneros.

Bela é também a sua escrita e as metáforas criadas. Facilmente descreve situações de uma forma poética, de uma profundidade emocional e intelectual superior.

Não é de forma nenhuma um livro difícil de ler, é sim um livro belíssimo que fala de outros livros e das capacidades humanas em todas as suas vertentes, tendo também a capacidade de analisar a História e o peso que a mesma tem com comportamento do ser humano enquanto individualidade e em grupo.

Último Távora (O) - José Norton

Pedro de Almeida Portugal, 3.º marquês de Alorna e 6.º conde de Assumar, nascido em Lisboa em 1754, viu toda a sua família ser quase toda eliminada em 1759 por ocasião do célebre processo dos Távoras. No entanto esse processo decretou a prisão do seu pai, mãe e irmãs durante 18 anos, tempo em que Pedro foi criado sob a protecção daquele que esteve por detrás de todo o processo: Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal.

Descendente da uma família maldita, Pedro irá sentir toda a vida a perseguição de inimigos invisíveis que, na sombra, desenvolvem acções que minam a reputação que Pedro consegue conquistar.

Marquês da Alorna (embora descendente dos Távora, era-o por parte da mãe, pelo que herdou o título do pai, no entanto isso está muito bem explicado neste livro), título da velha aristocracia, os Alorna ocuparam durante várias gerações lugares de destaque em vários sectores do reino, lugares que trouxeram prestígio e riqueza à sua casa, mantida também com casamentos com outras casas nobres, construindo assim uma forte rede de interesses e influências que abarcavam todo o império português.

Filho de D. João de Alorna e de D. Leonor de Távora, uma das filha dos marqueses de Távora, Pedro, como primogênito, logo ficou com o futuro definido.

Estava destinado a altos postos ao serviço do rei. No entanto os acontecimentos posteriores ao Terramoto de 1755 iriam alterar esse destino.

Terá assim uma vida rica em acontecimentos que o levam a manter relações muito próximas com o príncipe D. João. Através desses contactos, D. Pedro vai ocupando lugares de liderança no exército português até às invasões francesas em 1808 quando é nomeado como um dos comandantes das forças portuguesas. A partir dessa data inicia um novo capítulo da sua vida que o irá levar a conhecer pessoalmente Napoleão e comandar nove batalhões portugueses nessa terrível e famosa campanha.

Pessoalmente desconhecia a presença de tantos soldados portugueses na campanha da Rússia de 1812, mas o autor descreve minuciosamente todo o processo de envolvimento dos batalhões portugueses e dos seus comandantes, dos quais fazia parte o Marquês de Alorna. E aqui faço a ressalva para a forma como os portugueses eram vistos e tidos pelos fanceses: Soldados de coragem e bravura. Napoleão sobre isso escrevia na sua proclamação de 7 de Setembro diz, referindo-se a Borodino: “Que a posteridade mais remota cite com orgulho a vossa conduta neste dia.”

Este livro surpreendeu-me bastante.

Antes de mais é um excelente documento histórico. Para além da enorme capacidade narrativa demonstrado pelo autor, é-nos oferecido um documento Histórico que abrange 50 anos de uma época importantíssima na Europa.

Começa por nos situar na época descrevendo o processo dos Távoras e o porquê do mesmo.

Achei também curioso e imensamente interessante a forma narrativa do autor.

Na prática torna-se um documento de pura História onde o autor descreve o sucedido, porém nunca se coíbe em colocar diálogos entre os personagens, ou seja, este livro é uma mescla brilhante entre documento Histórico e romance.

Surpreendeu-me também pelas várias histórias. As ligações familiares, as intrigas políticas, as mesquinhices do Portugal setecentista. O porquê das invasões francesas, a intervenção de soldados portugueses em várias campanhas de Napoleão, etc.

É um livro belíssimo sobre um homem e uma época. Uma época que marca a Europa e que traz ventos de mudança, e um homem que viveu com uma cruz. Lutou imenso e tentou sempre elevar a condição da sua casa: os Alorna.