quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Perfume (O) - Patrick Suskind

"O perfume", livro de Patrick Suskind editado em 1985, foi um livro que desde logo saltou para os top’s de vendas de qualquer livraria em qualquer parte do mundo, tornando-se num ápice um imenso sucesso editorial.
Aclamado por milhares de leitores e por grande parte dos críticos literários, "O perfume" foi um livro que li em 2001 mas que não me proporcionou qualquer tipo de prazer nem me ensinou nada de especial. No entanto e passados 4 anos resolvi dar-lhe uma segunda chance procedendo a uma segunda leitura, deparando-me então com um imenso mundo de metáforas dentro de uma imensa alegoria. É isso mesmo, este livro tem um significado muito diferente daquele que grande parte dos leitores lhe deu. Este livro não é um simples livro sobre um assassino que se entretém a matar jovens virgens apenas para lhe ficar com o odor delas. Não, este livro é uma imensa alegoria sobre a França do séc. XVIII e fundamentalmente sobre os ideais que originaram a Revolução Francesa.
Surpreendidos?
Mas vamos por partes.
A história
França, 1738. Numa praça imunda, situada no coração de Paris, nasce no meio de sangue, tripas de peixe e restante porcaria, Jean Baptiste Grenouille.
Filho de uma peixeira que o deixa no meio do lixo para morrer e de pai desconhecido, esta criança que logo fica órfão de mãe, acusada de pretender matar o bebé e posteriormente decapitada, é criado por uma ama, paga por frades, que o trata de uma forma indiferente, sem qualquer tipo de afecto.
Crescendo ao "Deus-dará", Grenouille desenvolve um intelecto virado para si próprio, demonstrando um enorme asco às pessoas, aliás, uma completa indiferença em relação aos restantes seres humanos, que também o consideravam um animalzinho insignificante. Porém Grenouille tem algo que o destingue das outras pessoas, tem um sentido olfactivo imensamente apurado, conseguindo detectar cheiros, por muito leves que sejam, a km’s de distância.
Ciente desse dom, Grenouille cresce catalogando cheiros. Ou seja, ele vai definindo cheiros, cataloga-os, elaborando assim no seu cérebro uma imensa biblioteca de cheiros, dando-se mesmo ao luxo de os combinar, criando novos odores.
Mas Grenouille quer ir mais longe, pretende criar perfumes supra-sumos, perfumes dignos do assombro de todos e é quando, através de uma demonstração do seu dom, consegue trabalho como aprendiz na melhor casa de perfumes de Paris. E o mundo irá ficar assombrado com as infinitas criações de Grenouille, embora a fama dessas criações sejam atribuídas ao patrão de Grenouille.
Posteriormente ele abandona a perfumaria e refugia-se numa caverna durante 7 anos, vivendo uma vida em torno de si próprio, uma espécie de introspectiva do seu Eu. Até que, num belo dia, dá-se conta que não tem odor corporal como qualquer ser humano, compreende então o porquê de os outros o repudiarem, de o acharem insignificante.
Começa então a saga dos assassinos em série de jovens virgens. Ele pretende criar o perfume perfeito, o seu próprio odor a partir da essência corporal de jovens mulheres.
Esta é a história de uma forma muito resumida.
Desde o início que me fez confusão as análises simplistas que li sobre a obra. Não fazia sentido, pois é notório que Suskind joga com os odores e com as situações, criando cenários nojentos, horríveis e sem grande sentido. Esta era uma obra que tinha que ter algo por detrás.
Chamou-me então a atenção para a acção temporal. Séc. XVIII, ano onde se inicia o livro: 1738, ano em que termina: 1767.
Depois a situação inicial do livro: o nascimento de Grenouille e a forma violenta e asquerosa como sucede e onde sucede: Paris, capital da França.
Comecei então a efectuar analogias com os tempos conturbados na França do séc. XVIII, sobretudo com os acontecimentos que deram origem à Revolução Francesa. Não esquecendo que nesses tempos a França era uma nação afundada na lama ignóbil da corrupção, governada por burgueses que viam e consideravam o povo como lixo, povo esse que sobrevivia na maior das misérias. E como é que começa o livro, não é na podridão? Não será essa podridão uma alegoria à França e sobretudo a Paris, capital do reino? "… em Paris o fedor era maior…". A França não era uma nação corruptamente podre?
Reparem:
Jean Baptiste Grenouille é um ser diferente dos outros pelo facto de não ter odor corporal. Já pensaram do porquê da obsessão dele em possuir um cheiro pessoal, uma identidade? Não representará ele a imagem do herói (revolução) que parte assim em busca de uma identidade no meio daquela porcaria toda?
A certa altura leio: "Grenouille quer ser um grande alambique que inundasse o mundo inteiro com os perfumes por ele criados…". Aqui fez-se definitivamente luz.
E para o fim está-nos reservado o maravilhoso epílogo. Ele entra num cemitério cheio de mendigos, ladrões, prostituas, aleijados, enfim, tudo que há de mais maldito na sociedade. Antes de entrar no cemitério, ele encharca-se de perfume, o tal perfume feito a partir da essência das virgens, o seu odor, acontecendo então uma chorrilho de acontecimentos verdadeiramente inconcebíveis. Ele é literalmente despedaçado e devorado pelos presentes. Que significado podemos dar a essa situação que tanto detestei há 4 anos?
Sendo Grenouille e o seu perfeito perfume a alegoria do idealismo da Revolução, não nos é licito pensar que aqueles malditos apenas pretenderam nutrir os seus corpos e almas com o perfume de Grenouille, com a sua perfeita essência, logo, não se alimentaram dos ideais da Revolução? Não terá sido Grenouille o tal alambique que inundou o mundo inteiro, ou pelo menos a Europa? A revolução não eclodiu nas ruas de Paris em 1789?
Todos estes factos e outros mais chamou-me a atenção. À medida que os ia colectando, ia construindo todo um painel que me levou a acreditar tratar-se este livro de uma imensa e genial alegoria do idealismo da Revolução Francesa que, como muitos sabem, teve uma grande influência na Europa.
Posteriormente iniciei uma pequena investigação na internet e rapidamente encontrei alguns documentos que corroboravam a minha análise com a particularidade de, pelo menos em duas delas, a análise ser muito mais profunda. Inclusivamente acabei pode descobrir uma pequena entrevista com o escritor, onde ele afirma tratar o "perfume" dos acontecimentos anteriores à Revolução Francesa.
Por isso, experimentem ler o livro com esta perspectiva, vão ver que "O perfume" é uma obra notável.

12 comentários:

Célia disse...

Adorei o Perfume quando o li pela primeira (e até agora, única) vez. Confesso que não fiz as mesmas associações que tu, mas acho-as muito interessantes e plausíveis.
Independentemente da forma como se leia, é sem dúvida um grande livro e está no conjunto dos meus livros preferidos de sempre.

NLivros disse...

Eu considero-o um dos livros da minha vida mas apenas na perspectiva que refiro.

Aliás, é talvez o livro que possui uma melhor construção linguística e metafórica acerca de uma realidade, algo que, a meu ver, só está ao alcance dos grandes escritores.

Totoia disse...

Já o li mas há muito tempo. Vou reler após pensar na tua perspectiva. Interessante.

NLivros disse...

Ora viva.
Eu já li este livro por duas vezes e apenas na 2ª vez me apercebi dos factos que refiro.

Por acaso pretendo ler este livro mais uma vez (algo que faço com os títulos que mais gosto), no entanto ainda tenho muito vivo o enredo do livro e do filme, que aproveito para dizer que está genial, penso mesmo que o realizador conseguiu transmitir a verdadeira intenção de Suskind.

azuki disse...

Não gosto de sentir que estou no “mainstream” literário (forma eufemística de dizer que abomino “best-sellers”) mas há livros que me obrigam a rever o assumido preconceito. “O Perfume” é um desses livros: sorrio sempre que o trago à memória.

Muito interessante, esta tua análise.

PS: sobre o filme, a escolha do actor não podia ter sido melhor...

NLivros disse...

Sim, partilho um pouco da tua opinião acerca dos "best-sellers", costumo mesmo dizer que best-seller, principalmente em Portugal, é sinónimo de, para mim, um livro algo pueril, vazio... se é se me faço entender.

Mas este "Perfume", assim como alguns outros (também não vou generalizar) é uma obra à parte e acho curioso que as pessoas gostam dele por causa do enredo simples que absorvem, longe de imaginarem que aquilo esconde mais qualquer coisa. Pessoalmente é esta literatura que me dá mais gozo, no entanto admito que nem sempre é fácil "ver" o que está por detrás do pano, até porque em muitos casos é necessário ter-se outros conhecimentos.

O filme está excelente, em todos os sentidos.

Claudia Sousa Dias disse...

Fiz há alguns dias uma análise, em consequência da minha apresentação e discussão do livro no Cineliterário;mas mais na perspectiva dos factores sociais - e não só - que estão na base da construção da personalidade...

Beijinho


CSD

Mónica disse...

Li este livro à muitos anos atrás aquando da sua primeira edição em Portugal, emprestado por um amigo.
Achei-o absolutamente brilhante, foi completamente devorado num ápice.
Quanto a essas associações que fazes confesso que não as fiz mas adorei e parece-me bastante lógico essa analogia.

NLivros disse...

Honestamente o livro, para mim, só faz sentido se analisado nessa vertente. E isso não fui eu que criei, mas sim o próprio autor que, numa entrevista levantava um pouco o véu sobre a metáfora que estava por detrás da história.

Confesso que foi essa entrevista que me levou a empreender nova leitura e, de facto, constatei da enorme metáfora e das inúmeras analogias por detrás daquela estranha história.

Miguel Pestana disse...

Um livro e um autor da minha preferências.

O perfume, o filme, é muito bom também. Quase taõ bom como o livro.Quase.

Nhandjir Tambuzinde disse...

Li primeiro o livro, fiquei maravilhado com a estoria, e um dos melhores livros que ja li, anos depois da minha leitura, a televisao passava o filme foi vendo o desenrolar da estoria, confesso, fiquei aborrecido pela pelos cenarios, a forma de andar da personagem. nao gostei, foi como se a adaptcao, destruisse todo o amor que eu criei pela estoria. por isso abandonei o filme para poder melhor preservar o melhor do livro. confesso, fui cobarde. por isso desde aquele dia, criei fobia das adapcoes para filme dos livros ja lidos.talvez ciume.

Anabela Risso disse...

Nunca teria feito as mesmas associações que tu, mas é um ponto de vista bastante interessante sim. E a ser mesmo isso, só torna o escritor ainda mais brilhante.