sábado, 13 de dezembro de 2008

Canção de Tróia (A) - Colleen Mccullough


Baseada em várias fontes, nomeadamente em obras de Virgílio, Sófocles, Heródoto, Píndaro e, claro, na Iliada de Homero, a Canção de Tróia é de facto um excelente livro e uma obra excepcional para a cultura universal.

Afirmo isto porque simplesmente, num só livro, Colleen McCullough conseguiu reunir e unificar, de uma forma muito simples, todo um conjunto de obras de vários autores, elaborando o melhor texto que li sobre a Guerra de Tróiae sobre o relacionamento entre personagens lendárias como Agamémnon, Ulisses, Aquiles, Heitor, Helena, Patrocles, Príamo, Páris, Ájax, Peleu, Briseida, Nestor, Menelau, Eneias e até Hercules, que aparece no início do livro e que, indirectamente, está por detrás da génese da Guerra de Tróia.

Colleen McCullough faz assim um trabalho notável de recriação histórica e mitológica, arrancando do fundo da memória colectiva personagens íntegros, dando-lhes vida, onde a beleza está associada à coragem e à bravura, onde o erotismo anda de mãos dadas com a violência, sim, violência, porque este livro tem tanto de belo como de brutal. E é nessa conjugação que McCullough humaniza os personagens.

A Canção de Tróia começa muito antes da Guerra de Tróia. Começa na véspera do nascimento de Páris, filho de Príamo, rei de Tróia. Nesses dias um acontecimento singular se dá em Tróia que mais tarde estará pode detrás do sucedido com Páris que levará à causa da Guerra.

Num espaço de 30 anos vamos acompanhando o nascimento de personagens e a vida quotidiana de outras e é assim que chegamos a Helena, irmã de Clitemenestra que é, por sua vez, esposa de Agamémnon, rei supremo da Grécia.

Ora bem, Agamémnon casa o seu irmão, Menelau, com Helena, que era, embora ainda muito jovem, uma mulher marcada por aventuras de cariz sexual, num tempo, aliás, onde o relacionamento sexual era visto como profundamente natural e onde os relacionamentos homossexuais não eram escondidos.

Helena era no entanto uma mulher promíscua que não fugia, antes pelo contrário, a aventuras extra-matrimoniais, sendo assim que acaba por se envolver com Páris, quando este está de visita ao reino de Menelau.

E o resto leiam por vós mesmo.

A narrativa é empolgante, sendo curiosa a forma como Colleen narra cada capítulo: todos eles são contados a partir do ponto de vista de vários personagens, logo, tanto ficamos com a perspectiva de A, B ou C, entendem? Isso é muito interessante e dota o livro de um constante refrescar da observação dos acontecimentos.

Depois consegue humanizar todos os personagens. Tirando as batalhas (são violentíssimas), surge-nos um Ulisses extremamente inteligente mas cheio de vícios e defeitos, sobretudo ao nível da ética. Isso é curioso, ainda mais porque se conhece que a ética na guerra era uma das maiores virtudes das civilizações antigas. Aquiles, e é impossível não se gostar de Aquiles, é descrito como um homem atormentado, quase paranóico, mas que se revela o mais feroz dos guerreiros, e nessa conjugação de virtudes e defeitos, acabamos por nos identificar com Aquiles como sendo ele um modelo para nós mesmos. Isso é curioso! E sem querer entrar noutras considerações, pois efectuei uma análise a quase todos os personagens e achei “engraçado” as conclusões que ia retirando, quero apenas referir Ájax, primo de Aquiles, que transpira poder, integridade, lealdade e coragem. Foi o personagem que mais gostei e aquele que considero a minha referência, com que mais me identifico.

Esta é verdadeiramente uma Epopeia. Não tenho pejo nenhum em a considerar, pelos acontecimentos que aborda, superior à Ilíada.

A Ilíada é bela pela forma como está escrita (se puderem leiam-na na sua forma original, ou seja, em poema. Mas eu sou daqueles que considero que a Ilíada não foi escrita por apenas um homem), mas esta Canção de Tróia é um documento histórico que entra nos personagens, revelando-nos a sua mentalidade, o seu dia-a-dia.

Pessoalmente acredito que Ulisses, Aquiles, Ájax, Heitor e todos os outros heróis existiram. Deuses não eram, apenas homens. Mas no livro Aquiles profere uma frase que, quanto a mim, descreve a imortalidade dos heróis que, à medida que os séculos passam, se vão misturando com deuses, tornando-se assim lendas e mitos. ”Se nos lábios das gerações futuras eu puder combater contra Heitor um milhão de vezes, então é porque de facto, nunca terei morrido”. E um milhão de vezes se tem narrado esse combate, um milhão de vezes esta guerra, estes guerreiros que fazem parte do imaginário da raça humana.