quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Pequeno Livro do Grande Terramoto (O) - Rui Tavares



Considerado como o melhor ensaio de 2005 pelos leitores do destacável “Mil Folhas” do jornal “O Público”, e consagrado no programa da RTPN “Livro Aberto”, “O pequeno livro do Grande Terramoto” de Rui Tavares, escritor e historiador, efectua de uma forma simples e objectiva, uma análise ao terramoto de 1755 e o impacto que o mesmo teve, não só na vida social e cultural portuguesa, como também, e demonstrando uma grande capacidade de análise, em todo o mundo.

Mas Rui Tavares vai muito mais longe.

Inicialmente empreende uma comparação entre várias catástrofes naturais que, segundo ele, ficaram como marcos da humanidade. Assim, salta dos atentados às twin towers no 11 de Setembro de 2001, para o incêndio de Roma de 64 d.C., passando pelo tsunami de 2004 e acabando no terramoto de 1755, o verdadeiro objectivo do livro.

Achei isso deveras interessante, até porque ele aborda o impacto que esses desastres tiveram na mentalidade e o quanto o seu não acontecimento, ou seja, se não tivessem ocorrido, contribuiria para mudar, ou não, o curso da História, até porque a mentalidade da época estava muito encarcerada pela religião e isso é muito importante, se não mesmo vital, para se entender esse curso. E interessante também a forma como ele consegue interligar esses desastres dentro de vários denominadores comuns.

Depois Rui Tavares entra mais densamente na catástrofe de Novembro de 1755. Aí descreve os meses anteriores ao acontecimento, a disposição arquitectónica, a vida social dos habitantes e da côrte.

Mostrando várias figuras da época, vamo-nos apercebendo que Lisboa era uma cidade decadente, extremamente mal organizada ao nível arquitectónico, com ruas muito estreitas e escuras. Isso é alvo de análise, o terramoto veio quase fazer o que o Homem não tinha tido coragem para o fazer: destruir para erigir uma cidade mais moderna. Curioso constatar a enorme e obtusa religiosidade dos habitantes alfacinhas. No entanto, e isso foi alvo de uma profunda questão na época, Lisboa possuía dezenas de igrejas. Umas das razões apontadas à ocorrência do terramoto foi o de ser um castigo de Deus, pois várias dessas igrejas ruíram com centenas de pessoas que estavam na altura na missa, no entanto quem era adepto dessa explicação metafísica ficou extremamente incomodado quando se deparou com a zona de prostituição completamente incólume, enquanto que quase tudo o resto foi arrasado.

É de facto um excelente ensaio que analisa várias perspectivas dessa célebre catástrofe, focando também várias “vozes” que se ouviram do estrangeiro, assim como as influências que o terramoto de Lisboa de 1755 teve na arte, música, literatura e até na mentalidade de todo o mundo.

domingo, 19 de outubro de 2008

Dissolução - C.J Sansom


1531, Henrique VIII, soberano inglês, apaixona-se por Ana Bolena e, sendo este casado com Catarina de Aragão, resolve solicitar ao Papa a anulação deste casamento para assim poder desposar Bolena. Porém, o Papa recusa e Henrique VIII, numa atitude insólita de revolta contra a igreja papista, faz-se proclamar Protector da igreja inglesa. Em 1534 anuncia o “acto da supremacia” que faz saber aos súbitos que se devem submeter a essa nova ordem ou então seriam excomungados e perseguidos, ou seja, quem fosse papista teria os dias contados. Nasce assim a Reforma religiosa na Inglaterra.

A partir de 1535, é eleito como vigário-geral Thomas Cromwell, um homem que havia subido na cadeira do poder como apoiante de Ana Bolena e que é precisamente ele o responsável principal pela acusação de adultério que a levará ao cadafalso, mas Thomas Cromwell empreende uma política conhecida como a dissolução de mosteiros que continuavam a seguir a doutrina católica de veneração a santos e relíquias, algo que a reforma considerava absoleta e anti-reformista. Porém não se pense que não havia outros e maiores interesses, os mosteiros possuíam tesouros incalculáveis, para além de terras que o rei queria para ele.

É pois este o cenário do livro que me proponho aqui alvitrar. Um livro que considero excelente , escrito por C.J. Sansom, um jovem advogado que tem aqui o seu baptismo.

“Dissolução”, como a palavra deixa entender, é um romance policial-histórico sobre um processo de dissolução de um mosteiro, com o fim de extinguir e pilhar todos os bens do mesmo, no entanto esse trabalho teria sempre que ser realizado de uma forma segura e cuidadosa, pois caso contrário e como na época a reforma ainda estava em fase de implementação junto do povo, poderia desencadear uma revolta popular que nem o rei nem Cromwell pretendiam, pese embora e isso é um facto histórico, os mosteiros e os abades residentes terem má reputação junto dos vilões e aldeões.

É pois num mosteiro de Scarnsae, na costa sul de Inglaterra, que vem a notícia do homicídio brutal de um dos comissário do rei. Cromwell convoca então Matthew Shardlake, um conhecido e reputado advogado, entregando-lhe a incumbência de investigar e descobrir o assassino e, ao mesmo tempo, fazer tudo para levar o abade do mosteiro a assinar a carta de capitulação e assim ter motivos para encerrar o mosteiro.

Quando Shardlake e o seu jovem ajudante chegam a Scarnsea, descobrem um local pouco religioso, cheio de vícios e de condutas menos próprias para abades...

Através deste breve texto, facilmente poderá constatar que “Dissolução” tem um argumento muito semelhante ao “Nome da Rosa”, não só enquanto romance histórico mas e principalmente, como tendo como cenário um mosteiro e um crime aí praticado. Porém são épocas completamente distintas e não tenho dúvidas em afirmar que com “Dissolução” se aprende mais sobre a época em causa.

Obviamente e isso para mim foi claro, que o escritor se baseou um pouco no “Nome da Rosa”. Há toda uma variedade de situações que na verdade fazem lembrar o romance de Eco, no entanto não se julgue que “Dissolução” se trata de um pseudo-plágio do romance de Eco, não, este “Dissolução” é muito bom porque não só nos descreve uma época turbulenta, como também é, enquanto policial, cativante, com situações de suspense bem conseguidas, personagens sólidas e descrições vivas e bem reais.

É também um romance leve, com capítulos curtos e concisos, nunca é maçudo e nunca cai, mesmo quando o escritor explica a época e a situação política e religiosa, numa madorra erudita, algo que torna o “Nome da Rosa” num excelente livro, é um facto, mas de difícil leitura. Este não, é um excelente livro.

domingo, 12 de outubro de 2008

Trilogia Suja de Havana - Pedro Juan Gutiérrez

Pedro Juan Gutiérrez, ex-jornalista desiludido e ex-uma-série-de-profissões ainda mais desiludido, resolve enveredar pelo campo das letras e contar ao mundo a verdadeira face da Cuba socialista de Fidel Castro, e o resultado é uma profusão de pequenos textos verdadeiramente geniais e consideravelmente chocantes.

E mais chocantes se podem considerar quando sabemos, e é o próprio que afirma, que esses textos não são puramente ficcionais. Todos eles têm uma base, uma sustentação bem real que ou foi directamente vivida por Pedro Juan, ou então por alguém da seu circulo de amigos. E é com base nesta afirmação que esta "Trilogia Suja de Havana" se torna numa verdadeira catarse do autor, uma série de contos nitidamente autobiográficos.

Como o nome indica, esta trilogia é composta por três títulos: "Ancorado em Terra de Ninguém", "Nada que Fazer" e "Sabor a mí", que servem de apoio para algumas dezenas de outros pequenos contos que se interligam entre si, contos esses passados na década de 90, década em que uma grave crise assolou Cuba. Das várias personagens que vão surgindo e desaparecendo, há uma que assume o papel principal na esmagadora maioria dos contos: Pedro Juan, ele próprio.

Assim o universo de Pedro Juan é a velha e bela ilha de Cuba. Uma Cuba mágica para os turistas, mas uma outra Cuba para os seus habitantes.

Sobrevivendo num país praticamente destruído, o escritor vai-nos narrando, de uma forma extremamente cruel e violenta, o dia-a-dia daqueles que vivem em condições paupérrimas e que lutam por um simples naco de pão e por meia dúzia de pesos (moeda cubana) ou então que sonham com dólares norte-americanos. No entanto essa forma violenta de narrar tem a capacidade de nos mostrar a verdadeira Cuba, sobretudo a face de uma sociedade sem escrúpulos, totalmente dominada por um pretenso e oprimido desejo capitalista e por uma febre debochada de sexo, rum e charutos.

É nesta Cuba escondida dos turistas, numa Cuba fétida alheada do resto do mundo, que ele nos descreve a enorme promiscuidade sexual. Mas não são meras descrições de encontros sexuais. Não! Pouco tem de erótico, as mesmas assumem uma dimensão grotesca numa linguagem vernácula e sem quaisquer cuidados estéticos. Segundo Pedro Juan, o sexo é uma troca de fluídos, e nessa troca vale tudo, o limite conta-se pelo número de orgasmos, palavrões e violência física e psicológica. Mas ao mesmo tempo essa troca de fluídos, que por vezes nos parecem transportar para um mero conto pornográfico de baixa qualidade, têm o condão de expressar ainda mais a decrépita qualidade de vida daquelas pessoas que, por nada fazerem (desemprego e prisão) e pelo clima dos trópicos, acabam por se entreterem neste tipo de acções.

Numa escrita despretensiosa - o que não é alheia o facto de ele ter sido jornalista durante tantos anos (ganhava 3 dólares por mês) -, Pedro Juan Gutiérrez demonstra o seu enorme desencanto e descrença pelo falso sistema socialista cubano que advém da Revolução de Fidel Castro. Embora contenha toda uma descrição violenta, ele tem a capacidade de salpicar com grandes doses de humor toda uma narrativa que é uma autêntica flecha apontada ao seio do governo de Fidel.

Sempre duro e implacável, Pedro Juan Gutiérrez é uma voz incómoda que se levanta e um pertinaz cronista da sua amada Cuba, e é também um escritor genial que consegue criar, num mesmo texto, sentimentos tão dispares como: paixão, repulsa, compaixão, nojo, amor, ódio, excitação e boa-disposição.

Um escritor que já me tinham aconselhado e uma muito agradável surpresa.

Altamente aconselhável!







domingo, 5 de outubro de 2008

Roma - Steven Saylor



Steven Saylor, especialista da civilização romana e autor da célebre série “Roma sub-rosa”, tem com este épico o seu maior desafio e o resultado é simplesmente portentoso.

A intenção, segundo o próprio autor, era simples: construir um romance onde a principal figura seria a cidade de Roma e o império que deu origem. Como fio condutor, duas famílias e um estranho talismã que irá ser o elo de ligação dos primeiros mil anos da História da cidade e, principalmente, da sua fundação ao estabelecimento enquanto potência dominadora.

A esta história, eis que toma parte duas famílias ligadas por laços familiares: os clãs Potício e Pinário.

Desde a Rota do Sal (1.000 a.C.) é-nos narrado as suas aventuras e desventuras que, obviamente, coincidem com os acontecimentos que originaram mitos, alguns deles que ainda hoje fazem parte da tradição ocidental, muitos transportados para a religião originados festas e festejos.

Rómulo e Remo, que são descritos como simples rapazes órfãos e que, face à sua condição, sobem a pulso destacando-se dos outros pela sua visão chegando de facto a reis de Roma, e é de facto a partir deles que Roma começa a crescer enquanto cidade.

Os conceitos por detrás da República, as primeiras conquistas, os ditadores, os enredos pelo poder, a glória de uns e a aniquilação de muitos, fazem deste épico um romance histórico muito para além do mero romance, pois Saylor ressuscitando e dando voz a personagens reais, consegue transportar até nós não só esses conturbados tempos como também demonstrar a importância desses personagens e dos seus actos.

Pessoalmente nunca fui um grande simpatizante do Império Romano. Sempre o vi como um Império importante, sem dúvida, mas mesquinho, cheio de jogos políticos, lutas pelo poder, interesses pessoais e traições.

Enquanto leitor de romances históricos, agradam-se aqueles que dão mais ênfase ao lado bélico e à descrição das sociedade e ao seu modo de vida e o que havia lido até à data, no que respeita ao império romano, praticamente todos se debruçaram pelos jogos políticos e pelas tricas no seu seio colocando sempre em plano inferior, por vezes até nem falando dele, as questões militares e as suas conquistas.

Este “Roma” também não se aventura muito nessas questões, no entanto conta-nos como nasceu o império, a sua essência e é precisamente esse essência que nos assombra pois constatamos que uns meros mercadores de sal deram origem ao maior império de sempre cuja influência é patente na actual civilização ocidental.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Codex 632 (O) - José Rodrigues dos Santos

O ”Codex 632”, escrito entre 2004 e 2005, tenta ser um livro desmistificador da vida de Cristóvão Colombo, pelo menos numa perspectiva de lhe dar uma nacionalidade e, sobretudo, um objectivo.
Cristóvão Colombo nunca foi, para mim, uma personagem digna de especial relevo.

Para qualquer interessado em História, facilmente constata que Colombo não foi o primeiro a chegar à América, pois, e está mais do que comprovado, centenas de anos antes já lá “passeavam” feníncios, vikings e, soube-se à pouco tempo, até chineses já lá tinham aportado. Logo essa história de ter sido Cristóvão Colombo o primeiro a chegar à América, à muito que está ultrapassada.

Agora o que desconhecia é a história que está por detrás do homem.

Quem foi realmente Colombo? Qual a sua nacionalidade? O que o moveu nesse empreendimento e, chamava-se realmente Cristóvão Colombo?

Pois bem, neste “Codex 632”, José Rodrigues dos Santos, assente em documentos genuínos, apresenta-nos muitos factos e dá também muitas respostas, porém e na minha opinião, comete um erro: não assume essas teorias, deixa antever que ali há muita coisa romanceada, sem contudo separar os factos reais dos dissimulados, e isso desvaloriza o livro.

Antes de abordar a história do livro expresso a minha profunda admiração pelo trabalho de JRS, sobretudo ao nível literário. O seu romance anterior, “A Filha do Capitão”, é uma pérola da literatura portuguesa e não só. Ele escreve bem, tem sensibilidade, não complica, nem entra em desnecessárias descrições ou devaneios. A escrita dele é simples, fluída e o ritmo que emprega, faz com que o livro se leia num ápice. “A Filha do Capitão” foi assim, e este “Codex 632” também. Porém, dificilmente ele escreverá um outro romance que bata, em Qualidade e sensibilidade, a “Filha do Capitão”.

Este “Codex” é um romance histórico, na linha de Dan Brown. Pois é meu caro Rodrigues dos Santos, por muito que teime, é difícil desmentir tais semelhanças. A estrutura é muito semelhante. Concordo que o curso da história e os personagens e alguns outros pormenores sejam diferentes, mas os objectivos, o porquê da história é semelhante entre os dois livros: “Código Da Vinci” e “Codex 632”.

Tomás Noronha é um professor de História da Universidade Nova de Lisboa e perito em Criptanálise e Línguas Antigas que recebe uma proposta de um organismo norte-americano no sentido de descodificar uma cifra que seria a chave para entrar no trabalho de investigação que um outro professor havia feito, trabalho esse que havia ficado sem quaisquer conclusões conhecidas, pois esse investigador havia falecido sem divulgar as suas conclusões...

Homem estudioso, Tomás vive uma época muito conturbada da sua vida ao nível familiar, problemas esses que necessitam de dinheiro para serem solucionados, e é precisamente por essa necessidade que Tomás resolve aceitar a incumbência que lhe propõem, acabando assim por empreender uma aventura cheia de códigos, mistérios, enigmas e muitos segredos. Ao princípio Tomás tem como objectivo investigar as notas desse tal falecido investigador, notas essas que alegadamente seriam sobre os Descobrimentos Portugueses, porém depressa Tomas começa a juntar uma série de peças que lhe dão a visão clara de muitos factos do séc. XIV e XV, factos esses que influenciam não só a actual perspectiva dos Descobrimentos, como também a visão dos jogos políticos que estiveram por detrás dos mesmos. E é por aí que Tomás chega a Cristóvão Colombo, e o papel que ele desempenhou naquele cenário.

Embora este seja um livro repleto de aventuras, volto a repetir, na mesma linha de “Código Da Vinci”, é também, e isso é indesmentível, um rico manancial de História dos Descobrimentos.
Rodrigues dos Santos leva a cabo uma investigação minuciosa da época, dos objectivos, da política, dos interesses e – e para mim foi uma surpresa -, o que está por detrás dos Descobrimentos, como começaram, quem os impulsionou e que objectivos tinham. E mais uma vez surgem os Templários, com a sua Ordem de Cristo legalmente formalizada em Portugal.

De resto é necessário referir que JRS não descobriu a pólvora. Ele limitou-se a usar velhas teorias.

Já em 1992 o Prof. Augusto Mascarenhas Barreto publicava, fruto de 20anos de investigação, “Cristóvão Colombo – Agente Secreto de El Rei D. João II”, e em 1997, “Colombo Português: provas Documentais”.

Nesses trabalhos, AMB conclui que Colombo não era genovês, mas sim judeu português, natural de Cuba, Alentejo. Conclui também que havia um complôt entre D. João II e Colombo, no sentido de iludir a atenção dos Reis Católicos de Espanha, entre outras interessantes conclusões que Rodrigues dos Santos aproveita para escrever o “Codex 632”.

O livro está bem conseguido, isso é um facto. No entanto há partes que não gostei e acho até que estão mal exploradas e até mal escritas. A vida familiar de Tomás é desenvolvida de uma forma paralela à história da investigação, no entanto nunca se percebe bem qual a finalidade. Para além de ser muito piegas, JRS usa e abusa de lugares-comuns, dando a sensação que grande parte é escrita apenas para ocupar espaço. Bem sei que a vida familiar de Tomás está por detrás do motivo de ele aceitar esse encargo de descodificar aquelas cifras, mas depois disso...

Depois há as situações sexuais, e aí, enfim, que dizer?

Na minha humilde opinião estão muito mal conseguidas. Nada excitantes ou provocatórias, quase todas as situações são ridículas e sem ponta de sensualidade. Lê-se coisas como ”fazer sopa de peixe com o leite das minhas mamas”, entre outras frase muito fraquinhas.

Mas pronto, de resto gostei bastante do livro.

Descobri muitos factos novos e interessantes e diverti-me imenso, só é pena JRS não encarar de frente esses Históricos factos.