terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Uma Criança Chamada Coisa - Dave Pelzer



Nunca li nada tão brutal como este livro. A história é algo que ultrapassa o limiar do chocante, é algo verdadeiramente insano, animalesco, um autêntico pesadelo que dói ler.
Uma Criança Chamada “Coisa” é o relato de um dos casos mais graves de maus tratos infantis na História dos Estados Unidos. Eu até arriscava a dizer do Mundo, mas depois de ler as considerações finais do autor, fico estarrecido ao perceber que milhões de crianças são tratadas como “coisas”.

Esta é a história de Dave Pelzer, a criança que foi brutalmente maltratada durante toda a sua infância pelos próprios pais, sobretudo pela mãe. É verdade, é o próprio que descreve os seus maus tratos e meus caros e caras amigas, nem imaginam a brutalidade do cenário que estamos prestes a conhecer.
Volto a repetir, é insano todo o relato. É de doidos os castigos que a própria mãe inflige ao filho diante da aquiescência do pai que, estranhamente por medo da mulher, nada fazia para alterar a situação.

Num verdadeiro grito de revolta e alerta Dave Pelzer dá conta de todo o seu sofrimento, descrevendo os castigos que lhe eram aplicados, do ambiente degradado onde vivia, pois e obviamente os seus pais andavam quase sempre alcoolizados e isso é algo que está por detrás dos maus tratos, mas acreditem que não justificam absolutamente nada. Curiosamente e por muito que sofra, Dave tem sempre a vã esperança que as coisas se alterem, que da parte da mãe venha um gesto de carinho, que seja tratado como um ser humano, que tenha uma família, um lar.

À medida que vamos lendo as poucas páginas deste livro (li-o em cerca de 3 horas), acabamos até por colocar em causa a veracidade do relato, não só pela insanidade das situações como também por emergirem algumas questões que, neste livro, não são respondidas, e questões como: “porquê se eram 4 irmãos, apenas Dave era maltratado?”, “Que fez ele de tão grave para a mãe o odiar assim tanto?”, “Embora tratado abaixo de animal, o certo é que ele vai sempre à escola e, embora vestido de uma forma andrajosa, ninguém o comparava com os outros irmãos, não achando isso estranho?”. Embora desconfie do porquê do ódio da mãe, existem de facto algumas questões que não batem certo com a narração, mas o certo é que a história é real, absurdamente real.

Para além de este ser o primeiro livro de uma trilogia, é importante ressalvar o profundo significado que este livro pode ter na sociedade. Já no fim, Dave faz uma pequena dissertação sobre os maus tratos a crianças, abordando a questão da projecção desses maus tratos no futuro da vítima e dos que o rodeiam. Pessoas que crescem atormentadas e que no futuro têm comportamentos assassinos, outros que estendem as suas frustrações nos filhos, na família, nos colegas, etc.

Este é um problema sério e de todos nós, pois uma criança maltratada no presente pode vir a ser um grande problema para a sociedade no futuro, e não é só isso, é um dever enquanto seres humanos alertar as autoridades sobre maus tratos que possamos ter conhecimento, defender aqueles que não têm força para o fazer.

Este é um livro, acreditem, assustador, macabro, violento, sádico, demente. Mas é um livro que deve ser lido, que deve ser divulgado em prol não só das crianças, como também por nós mesmos enquanto seres humanos.

Para quem quiser, procurem no YouTube acerca do assunto. Há vários videos dedicados a esta história e inclusivamente uma entrevista da Oprah ao próprio Dave.
E a próxima opinião será a continuação do pesadelo de Dave Pelzer no 2º volume: “O rapaz perdido”.


ALGUNS EXCERTOS
(e não daqueles muito insanos)

“A mãe então acendeu os bicos de gás do fogão da cozinha. Disse-me que lera um artigo acerca de uma mãe que obrigara o filho a deitar-se sobre um fogão a escaldar. Eu fiquei imediatamente aterrorizado. O meu cérebro ficou paralisado, e as minhas pernas vacilaram, eu queria desaparecer. Fechei os olhos, desejando que ela estivesse longe. O meu cérebro fechou-se, quando senti a mão da mãe agarrar-me o braço como se estivesse drogada...

“...eu sabia que a mãe tinha qualquer coisa terrível na cabeça. Logo que eles partiram (o pai e os irmãos), trouxe uma das fraldas sujas do Russel (irmão mais novo e ainda bebé). Esfregou-me a fralda na cara. Eu tentei manter-me sentado, perfeitamente quieto. Sabia que se me mexesse, seria pior. Não olhei para cima..., ela ajoelhou-se ao meu lado e, numa voz sarcástica, disse: “come-a”.... comecei a chorar...esfregou-me a cara na fralda de um lado para o outro...”

Embora a mãe nunca mais me tivesse mandado engolir amoníaco (imaginem), fez-me beber colheres de detergente algumas vezes...”

sozinho na garagem, senti que estava a perder o controlo. Ansiava por comida... queria um mínimo de respeito, um pouco de dignidade. Ali sentado sobre as mãos (era outro dos castigos), ouvia os meus irmãos a abrir o frigorífico para tirar a sobremesa, e sentia ódio. Olhei para mim. A minha pele estava amarelada, e os meus músculos enfraquecidos...”


Classificação: 5

11 comentários:

Alice disse...

Credo! Parece horrível..não o livro mas a história em si. Infelizmente não raras vezes já tive contacto com crianças maltratadas e cada historia parece ser pior que a anterior...há gente que é capaz de actos monstruosos para com os próprios filhos. Nunca compreendi isso.

NLivros disse...

Mete incrível nesta história.

É horripilante ler os maus tratos e imaginar como é possível uma mãe fazer aquilo a um filho.

Paula disse...

Só com o teu comentário fiquei impressionada. Infelizmente estas situações existem. É de lamentar...

NLivros disse...

Viva Paula.

Eu tentei na minha opinião demonstrar um pouco da enorme brutalidade do livro. Agora é apenas com as pessoas decidir se quer saber mais ou não.

anaaaatchim! disse...

Não consegui ler o teu post até ao fim... apenas te venho confessar que nunca leria um livro desses, se soubesse de antemão o que me esperava (benditas sinopses)...

...sim sou daquelas pessoas que olha para o lado, suponho que isso faz de mim muito egoísta, mas é a melhor forma que encontrei de lidar com tanta miséria que há no mundo (e não falo só da falta de dinheiro obviamente)...

NLivros disse...

Olha, eu não ando especialmente atrás destes livros. Li este, li o 2º volume e li um outro que, acho, nem opinião escrevi.

Assuntos destes interessam-me, mas interessam-me para perceber e conhecer um pouco do ser humano. E, sabes, considero que o ser humano não nasce mau, mas vai-se moldando à medida que vai crescendo, maturando e considero isso fascinantes.

Este livro é uma lição e uma visão grotesca do que um ser humano pode fazer a outro, ainda mais quando um é mãe e o outro é o seu próprio filho.

Mariana Pinheiro disse...

Boa noite, estava a passear pelo blog das Marias quando reparei nesta referência ao caso de Dave Pelzer. Li os 3 livros e marcaram-me profundamente por me ter apercebido da minha ignorância sobre o tema. Quando ouvia falar de maus tratos sempre imaginei situações de adultos que batiam, em excesso, nas crianças. Em parte, fico feliz por saber que a minha mente não chegou tão longe para imaginar que era possível bem pior do que isso. Colocar a criança numa banheira de água gelada, dar-lhe colheres de amoníaco, comida estragada, queimá-la nos bicos de gás do fogão, dar-lhe a comer os dejectos do cão ... são pormenores que ultrapassam a minha imaginação. Mas que raio aconteceu ao cérebro daquela senhora?
O primeiro livro foi sendo emprestado ao longo de alguns anos a pessoas amigas e amigas dessas mesmas amigas até que ... uma delas me perdeu o livrinho pequenino mas intenso :( livrinho esse que já tinha alguns escritos com as opiniões de quem o lia. Como ainda não comprei outro, deixei de conseguir emprestar e contribuir para que se conheça esta realidade que, também fiquei a saber, não é tão rara quanto gostariamos que fosse.

Cumprimentos
Mariana Pinheiro

NLivros disse...

Olá Mariana.

O teu comentário expressa muito bem o facínio que o livro porpociona a quem o lê.

De facto o descrito no livro vai muito para além do imagnável sobre maus tratos, e já nem digo a crianças, mas sim a qualquer ser.

Estes livros também os li emprestados e, confesso que até hoje nunca tive coragem de os adquirir, pois ao fazê-lo irei de certo relê-los e isso é algo que tenho algum receio.

Pena tenho que esta obra não tesja mais divulgada. Numa sociedade tão egoísta e cínica, faria bem alertar para este género de situações.

Rock In The Attic disse...

Aqui está um livro que gostaria muito de ler. Poderá ser uma próxima compra.

Tens um prémio à tua espera, no meu blogue.

NLivros disse...

Ora viva "Homem do Leme"

Acredita que este livro é um daqueles que deve ser lido, não pela beleza literária em si, mas sobretudo para tomarmos noção da relidade do mundo, mesmo que não a queiramos aceitar.

Obrigado pelo prémio, folgo muito em constatar que o meu blog é dino do teu apreço.

:D

Pedro disse...

Do mesmo autor... Conheço um livro, creio que o mais recentemente publicado... Nunca li, mas desse as opiniões são também positivas. Tal como este, parece que é bastante violento!

Estou algo atraído. Isto já é o Sade a influenciar as minhas leituras, mesmo sem o ter ainda lido! =DD