sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Suttree - Cormac McCarthy


Nas páginas de Suttree abunda água fétida, esgotos coalhados, detritos, escória e porcaria.

Suttree move-se por entre lixo juntamente com alguns companheiros, a maioria alienados da sociedade, perdidos para a vida que exalam um cheiro corrupto a podridão moral, mas que tentam apenas sobreviver.

O olhar de Cormac é profundamente mordaz, frio, arguto, implacável nas descrições do quotidiano, dos gostos banais de uma sociedade à margem.

Sabe-se que Cormac conhece profundamente o meio. Não é por acaso que a acção temporal se passa aquando da sua infância. O próprio admite ser este o seu romance mais autobiográfico. Pelas descrições, sente-se que Cormac fala a viva voz, ele conheceu o lado que descreve, o lado das escarretas como era conhecido na gíria. Sítios e estabelecimentos reais são aqui mencionados por Cormac. Este romance é uma espécie de exorcismo de parte da sua infância, parte essa que teve uma grande influência no seu estilo literário, a meu ver, único.

Todo o romance de Cormac é assim uma espécie de caleidoscópio das suas memórias, de uma cidade real mas que Cormac tem a capacidade de recriar quase de raiz, ou seja, a Knoxville descrita por Cormac não é a Knoxville existente ao tempo. Ele cria um mundo arcaico, ocultamente na escuridão, cheio de demónios corruptos da moral, do vício.

É notório, uma vez mais, o anti-religiosismo de Cormac. De uma forma directa, por vezes nas entrelinhas, dá agulhadas na religião, sátira, expõe o ridículo.

No entanto no meio do lixo, da escória, há uma dignidade que persiste, uma humanidade que resiste, que se recusa a cair. Por muito lixo que exista, Cormac dá-nos alento, não nos deixa perder a esperança.

Suttree passa todo o romance numa busca que Cormac nunca quantifica. Sobressai de uma forma atroz, magoa, uma imensa solidão. Uma solidão angustiante como se o mundo estivesse personificado em Knoxville e na sua sociedade de indigentes.

Um romance pungente de um homem em busca de algo e em simultâneo de nada, numa constante fuga. Suttree é boa pessoa, amigos dos seus amigos e sempre pronto a ajudar, sempre tocado por uma nobreza que é afinal, uma das grandes mensagens deste excelente obra.

“Suttree entre iguais, tristes filhos do destino cujo lar é o mundo, todos aqui reunidos durante breves momentos para protelar a ida para o além”

Classificação: 5

1 comentário:

GONIO disse...

Que blogue interessante!
O "Palavras Impressas", blogue sobre livros em parceria com uma amiga, é quase uma criança quando comparado com a envergadura deste N Livros.
Parabéns!