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sexta-feira, 25 de abril de 2008

Voz da Terra (A) - Miguel Real


Que grande, grande, grande livro.

Excelente, soberbo, espantoso!

”A Voz a Terra” do prof. Miguel Real (pseudónimo do professor e escritor Luís Martins), é um dos melhores livros que li até à data e, considero, um dos livros mais importantes da literatura portuguesa.

Assente em estudos profundos, o prof. Miguel Real oferece-nos uma obra importantíssima que nos ajuda a compreender, não só a actual mentalidade portuguesa, como também compreender todo um período que marcou a História da Europa, sobretudo uma época onde sucessivos acontecimentos serviram de fronteira entre mentalidades.

Júlio Telles Fernandes, português emigrado no Brasil, regressa a Lisboa tendo em mente duas missões: entregar à judia Violante Dias, prima da sua falecida mulher, um anel que vem passando de geração em geração e, segundo, interceder junto do ministro Sebastião José de Carvalho e Mello (Marquês de Pombal) pela independência de Pernambuco.

O livro começa assim com a entrada do navio na barra de Lisboa e, logo ali, surge-nos um fresco da velha Lisboa oitocentista, no entanto uma visão de alguém que há muito está longe e que vê a cidade de uma forma suja, estrangulada sobre si mesma.

Recebido como um herói, sobretudo porque é tido como um homem rico, sendo viúvo, logo um bom partido, Júlio Telles Fernandes irá iniciar um périplo por toda a cidade de Lisboa, inundando-nos de pormenores e curiosidades deliciosas, descrevendo lugares, modos de vida e mentalidades. Tudo isso nos é narrado até ao surgimento inesperado da Voz da Terra, o terramoto de 02 de Novembro de 1755.

E é precisamente o terramoto o centro da narrativa, o acontecimento para o qual convergem o antes e após, ou seja, o terramoto marca de uma forma inegável a transição de mentalidades, uma oportunidade do governo português para lançar o país rumo ao progresso, ao futuro.

Isso é claro, pois é explorado o antes do terramoto. Um país amorfo, rude, fanático, onde existia mais de 200.000 monges, freiras e padres. Mais de um terço de Portugal pertencia-lhes. 500 conventos, igrejas, capelas, ermidas, mosteiros, nem um vintém de impostos pago para o bem comum, era só receber, sacar subsídios, doações e privilégios. A burguesia e o clero ocupavam os lugares chave no governo e demais instituições e era este o Portugal que existia antes do terramoto e foi este Portugal que desaba com a cidade de Lisboa em 1755, acontecimento que, diga-se, está descrito de uma forma magistral.

Ou seja, se quisermos, e eu fui por aí, o terramoto foi bem real mas é também uma gigantesca metáfora da mudança.

É descrito também a condenação e martírio dos Távoras, duque de Aveiro e do Padre Malagrida. É arrepiante a descrição das torturas e execuções, no entanto é notório o propósito de tais execuções. Não foram meras perseguições. A brutalidade das execuções foram um aviso a quem ousasse criticar a nova política do estado português. Antes que o clero e a nobreza pensasse em qualquer tipo de rebeliões (algo normalíssimo na altura), o estado aproveita uma conspiração mal explicada e urdida para executar duas das famílias mais influentes e executa o padre Malagrida que possuía também um alto grau de influência.

O terramoto é assim o clique para uma mudança que já germinava na cabeça do Marquês do Pombal, sobretudo ao nível das mentalidades, marcando também o surgimento do ensino público, o fim da escolástica em favor da filosofia natural, o experimentalismo e o racionalismo, até pelo facto dos títulos serem agora atribuídos ao esforço e não pelo direito familiar, ou seja, a própria renovação da aristocracia.

Um livro impressionante que, recorde-se, venceu o Prémio Fernando Pessoa 2006.

Acreditem, um romance histórico de valor incalculável no panorama cultural português.

Uma nota também para as várias estampas e gravuras do séc. XVIII relacionadas com o terramoto e com vários episódios que permitiram a Miguel Real efectuar várias das suas descrições.

Por fim deixo esta citação de Júlio já perto do fim que, quanto a mim, marca o livro: ”... Lisboa é uma cidade sitiada, ontem uma febre do Império, da Fé, do Evangelho, hoje é a febre da Europa, do Progresso, do Comércio, da Indústria, tudo é esmagado cruelmente em nome da nova missão de Portugal, ser europeu, quanto Paris, como se o nosso modo de ser não fosse também europeu, e, irado, acrescentou, era preciso esmagar as oito canas dos membros do duque de Aveiro e do marquês de Távora pai?, era preciso martelar-lhes o ventre em vez da arcada do peito, para lhes prolongar a agonia?..., será que o Portugal que Sebastião José de Carvalho e Mello quer vingar é assim tão diferente do Portugal de d. João V), não será o mesmo, as atitudes extremadas, a mesma infinita capacidade de fanatização, o mesmo sentido missionário, antes do Império, hoje na Europa? ..., será que a adoração pelo comércio e pela indústria não vieram substituir a adoração pelas ordens religiosas, Jesuítas e Franciscanos

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Lixo - Irvine Welsh


Imaginem um tipo que é corrupto, violento, sádico, machista, racista, misantropo, alcoólico, consumidor de drogas, apreciador de fast-food (principalmente peixe frito e caril), consumidor dos serviços de prostitutas sem usar protecção, pulha com os amigos que, para além de os enganar, ainda tenta engatar as mulheres deles, adúltero e promíscuo (tudo o que vem à rede é peixe e não tem o mínimo respeito pelas mulheres, todas elas servem para as suas necessidades) e, finalmente, vive atormentado com a puta da lombriga que lhe lixa a porra da vida e que, imagine-se, até tem direito a pensar... a lombriga.

E se vos disser que este tipo, que de certo acharão como um ser repugnante, é um agente da autoridade de Edimburgo, graduado e que até goza do estatuto de excelente pessoa em toda a comunidade, inclusive até entre os colegas?

Lindo, não é?

Pois bem, "Lixo" é o livro mais hilariante que já li e, ao mesmo tempo, um dos livros mais repugnantes, sobretudo por causa de seu personagem principal: O sargento Detective Bruce Robertson.

Irvine Welsh nasceu em Edimburgo, Escócia, em 1961. Autor de pequenos textos que foram sendo declinados por algumas editoras, vê o seu nome catapultado para a fama quando em 1994 consegue publicar o seu primeiro livro: "Trainspotting" que, e como muitos conhecem, narrava as aventuras e principalmente as desventuras de um grupo de amigos que estavam enterrados na droga.

É este o livro que torna então conhecido Welsh, a crítica louvou-lhe a forma irónica e mordaz da sua escrita, sem medos ele denunciava o submundo de Edimburgo, submundo esse, aliás, tão semelhante a tantos outros.

O seu segundo livro, "Ectasy", escrito em 1995, é um conjunto de 3 contos que se vão interligar no fim, no entanto e neste caso, Welsh assume um estilo mais duro, mais sádico e mais radical. Os contos são extremamente violentos, nojentos mesmo, e a sensação que fica é que Welsh terá ficado deslumbrado com o enorme sucesso de "Trainspotting", correndo mesmo o risco de ficar conhecido apenas por esse livro.

Até que em 1998, Irvine Welsh dá a conhecer este "Lixo", livro que, segundo a minha opinião e já li todos os livros dele, é o melhor. A escrita é fluida, parece ser um daqueles livros que nascem num momento de verdadeira inspiração. A história é mordaz, irónica, sádica e constitui uma autêntica pedrada no sistema policial escocês, pois na pele de Bruce Robertson, Welsh caracteriza, não só a sua ideia do polícia escocês, como também de todo o sistema.

Ele então desenha-nos um polícia com todos aqueles defeitos que descrevi no início, um polícia que despreza tudo e todos, negligente com o serviço e até consigo próprio, um homem que não tem qualquer respeito por ninguém.

Bruce Robertson é esse homem. Importunado por uma grande e feliz lombriga, que até nos contempla com pensamentos profundos, Bruce está preocupado com uma promoção que, aparentemente, se destina a ele. No entanto há a hipótese de ser um outro colega, então, nada melhor que lançar maldosos boatos desse colega.

Entretanto, que chatice, sucede um assassinato de um negro, em condições extremamente violenta e sádica, que vai levar com que Bruce tenha, se calhar, de adiar as suas mini férias que já havia marcado para a época natalícia, umas férias de arromba em Amesterdão, cheias de álcool, drogas e sexo.

Que se lixe o gajo assassinado, e lá vai o nosso amigo Bruce, acompanhado de um amigalhaço tótó, para Amesterdão, para uma semana de completa depravação. Todo o livro é irónico e divertido, mas nessa semana, Bruce mostra o quanto asqueroso é pois tudo faz para lixar o amigo: desde roubar-lhe dinheiro e depois emprestar-lhe esse dinheiro; parte-lhe os óculos; faz telefonemas obscenos para a mulher deste; enfim, um animal.

E entretanto quando regressa, já saciado de drogas e semi saciado de sexo...

E não conto mais!

Este é o melhor livro de Welsh, aquele onde ele exprime todo o seu especial talento.

Digo especial porque consegue colocar num só personagem todas as más facetas que um ser humano pode ter, construindo contudo, uma forma de agir que desencadeia em nós toda uma simpatia pelo personagem. Para além disso, é exímio na forma mordaz e irónica como descreve as situações e como vai narrando a história, sempre na primeira pessoa. Sente-se que a história está totalmente controlada, é coerente, tem um princípio, meio e fim, que se encaixam na perfeição.

O personagem Bruce Robertson é repugnante, desafia a própria vida, é malicioso e inteligente, maníaco pelo sexo, drogas e rock-and-roll e, sobretudo, tem imensa piada. Um homem que espelha em si próprio todos os males das sociedades contemporâneas.

Aconselho todos os livros de Irvine Welsh, sobretudo este "lixo" e "Porno" que, muitos desconhecem, é a continuação, dez anos depois, de "Trainspotting".

Penso que este livro não deverá ser muito do agrado das senhoras, dada a forma como Bruce as trata e o modo como ele as vê, mas e apartando-se disso, penso que Welsh é um dos melhores escritores da actualidade.

Meus Problemas (Os) - Miguel Esteves Cardoso



Miguel Esteves Cardoso foi um jornalista que durante os anos 80 e início dos anos 90, teve uma voz activa na vida social portuguesa, quer enquanto simples cronista do “Expresso” e “Público”, quer mesmo, enquanto membro permanente na “Noite da Má Lingua”, onde ele e uns tantos batiam e evidenciam vários “podres” da nossa sociedade.

Dono de uma forma de se expressar extremamente mordaz mas bem objectiva, Esteves Cardoso era bastante corrosivo na forma como elaborava as suas análises, quer aquelas proferidas no programa de tv, quer as outras que foi escrevendo para os jornais.

E são precisamente algumas dessas crónicas, nomeadamente algumas publicadas no “Expresso” entre 1986 e 1987, numa coluna chamada “Os meus problemas”, que compõe este livro que tem tanto de brilhante como de hilariante.

Assim, este livro é simplesmente um conjunto de crónicas onde Esteves Cardoso opina sobre a forma de estar, ver e agir do povo português, evidenciando as suas mais carismáticas manias e fobias, sempre num tom irónico e mordaz.

Começando por “Cartas portuguesas”, as “classes automóveis”, “libertação dos maridos”, “a fogueira do ciúme”, “adeus, ó tchau, vai-te embora”, enfim, acreditem é dos livros mais hilariantes que já li e ao mesmo tempo, um livro que toca em vários defeitos do povo português. Pese embora as distâncias, um género de Woody Allen.

E é curioso constatar que não é necessário escrever-se livros sérios, estudos filosóficos do “ser português”, pois qualquer um em a capacidade de análise e de formar opinião, no entanto, Miguel Esteves Cardoso demonstra uma capacidade de análise que vai além dessa simplicidade, ele, para além de evidenciar alguns dos “nossos” defeitos, demonstra o quão ridículo e caricata são muitas das situações que se sucedem dia após dia e, mais importante, a gravidade e importância que se dão a essas situações.

Não sei se me fiz entender…

Demonstrando que não é necessário ser um génio despótico para se imitir qualquer tipo de análises, Esteves Cardoso lega-nos um conjunto de crónicas extremamente bem elaboradas e com alvos bem definidos.

Grandes gargalhadas que se soltam daquelas páginas.

domingo, 13 de abril de 2008

Pêndulo de Foucault (O) - Umberto Eco



Há livros que a gente lê e logo os arrumamos na prateleira para só voltar a pegar neles apenas para lhes limpar o pó. Outros há que os recomendamos e mostramo-los a toda a gente que lá vai a casa, dizendo: "grande livro, aconselho". Outros há ainda que depois de lidos, são feitos vários projectos de releitura e são constantemente afagados, folheados, sempre recordados como um amigo muito especial. Finalmente existem aqueles que nem sabemos que rótulo lhes dar nem como classificá-los.

Este "Pêndulo de Foucault" é um desses livros que nem sei o que dizer.

Para quem conhece ou já leu algum livro de Umberto Eco, decerto saberá que ler o que ele escreve, torna-se, grosso modo, um exercício difícil. Para além de ter o costume de colocar inúmeras citações em latim e outros idiomas, geralmente consegue criar todo um cenário onde o leitor tem que possuir alguns conhecimentos, alguma cultura, para além de alguma paciência.

Extremamente eruditos, o que por si só já tornam os livros algo complicados de acompanhar, Eco gosta também de brincar com as situações que vai criando e sobretudo expor opiniões e conceitos cientifico e filosóficos, sem falar também na forma exaustiva como descreve algumas situações que, várias vezes, não levam a lado nenhum. Ou seja, tal como dizia uma amiga, é por vezes um chato.

Neste "Pêndulo de Foucault" ele não foge a isso, bem pelo contrário.

Três homens, que não são propriamente amigos, acabam por se unir a uma pequena e estranha editora no sentido de escreverem um livro místico com a intenção de o tornarem um best-seller.

Devido a um igualmente estranho acontecimento, esses três homens começam a colectar dados e factos sobre várias sociedades secretas, sobretudo sobre as suas Histórias, os Homens que estiveram por detrás delas, seus rituais, etc. Assim, acabam por descobrir vários elementos comuns, que os levam a considerar a hipótese da existência de um "Plano" secreto cuja mensagem teria sido criada pelos Templários antes da sua oficial extinção, mas que ainda poderia ser posto em prática nos dias de hoje por eventuais sociedades secretas que se consideravam procedentes dos Templários.

A partir daí há todo um desenrolar de acontecimentos que vão tomando um rumo cada vez mais sério e perigoso, até ao ponto desses três homens sentirem as suas vidas em perigo por alguém que julga ser capaz de avançar com esse "Plano".

Numa prosa altamente erudita, é claríssima a intenção de Eco em parodiar com as teses de conspirações atribuídas a essas sociedade secretas, sobretudo no que diz respeito à numerologia - e nisso existem partes deliciosas -, rituais e outras tradições ocultas.

O nome "Pêndulo de Foucault" é apenas uma metáfora utilizada por Eco no sentido de contrapor a experiência de Michel Foucault a esse hipotético Plano dos Templários. Ou seja, ambos oscilam de uma forma regular ao longo da eternidade, esquerdo - direito, verdade - mentira. Depende sempre do julgamento e das crenças de cada um.

É um livro cheio de curiosidades Históricas, científicas e ocultistas, onde Umberto Eco efectua realmente um bom trabalho de escrita, mas que acaba por sair algo extremamente pesado para um leitor comum, até porque é um livro em constante luta com o leitor, não apenas na sua extensa erudição, como também pondo-nos à prova crenças e teorias.

Não desgostei, mas também não gostei.

Até porque várias vezes tive que voltar atrás para reler certos parágrafos, e simplesmente porque chegou a ser entendiante a narração da história e no final, depois de me aperceber do significado de tudo aquilo, acabei por concluir que foi pouco o prazer que o livro me deu.

Já tenho lido que este é um livro similar ao "Código Da Vinci". Não se iludam, está muito longe de ser um livro do mesmo género, pois abordar os Templários e outras sociedades, não os assemelha. Este livro é muito denso e cansativo, possui uma linha e um objectivo completamente diferente, assim como a própria escrita e coerência entre os escritores são diferentes, mas e neste casos Umberto Eco ganha por k.o. ao nível da informação prestada, pese embora perca ao nível do entretenimento.

sábado, 12 de abril de 2008

Contos - Hans Christian Andersen



Hans Christian Andersen nasceu em Copenhague, Dinamarca, no dia 4 de Agosto de 1805. filho de um sapateiro e de uma lavadeira, Hans teve uma infância muito dura, tendo passado inclusivamente fome, no entanto e em sua casa, o amor nunca faltou.

Desde muito cedo sentiu que o seu destino estava ligado às artes, pois a sua paixão pela música e pela dança levaram-no a pensar que o seu futuro estaria numa dessas duas actividades, mas foram precisamente as dificuldades sentidas na infância, combinada com a humilde profissões dos pais, que lhe moldam o carácter e o levam ao mundo da literatura, poesia e teatro.

Christian Andersen era humilde, honesto e de índole boa, dotado de uma enorme capacidade de observação, apaixonou-se pelos contos tradicionais dinamarqueses, sendo daí que lhe veio a inspiração para criar os seus contos, contos esses que desde essa altura, alimentaram os sonhos de adultos e crianças por todo o mundo.

São muitos os registos que chegaram aos nossos dias sobre a vida deste poeta, principalmente devido ao facto de ele ter sido reconhecido e acarinhado ainda em vida, sendo mesmo visto como um herói nacional.

Sabe-se, por exemplo, que o seu aniversário era festejado em toda a Dinamarca e que até o rei se deslocava a casa de Andersen para o cumprimentar pessoalmente.

Não quero aqui entrar em considerações sobre a vida deste ilustre escritor, simplesmente porque existe muitos textos detalhados sobre a sua vida, uma vida rica que se estendeu por vários países (entre os quais Portugal), para quem esteja interessado, sugiro uma visita a este site: http://purl.pt/768/1/, site que faz uma justa homenagem a Hans Christian Andersen.

Esta obra, ”Contos”, traz a grande maioria dos seus contos. Uns conhecidos e levados à cena de várias formas, outros desconhecidos, mas que nada ficam a dever aos outros.

Quero contudo deixar uma ressalva que raramente vejo comentada.

Hans Christian Andersen escreveu estes contos, mas raramente os fez a pensar nas crianças, aliás, ele quando os escreveu tinha como certo que eles se destinavam mais para as crianças, no entanto, ele achava que as crianças tinham que saber que o mundo não era “cor-de-rosa” e a linguagem utilizada e sobretudo a forma do conto, era nua a crua. Os contos de Andersen são essencialmente morais, todos eles têm uma mensagem subjacente e raros são aqueles que acabam bem, inclusivamente a maior parte deles tem um fim violento.

A edição que possuo é a do “Público”, lançada no ano da comemoração dos 200 anos do nascimento do escritor por ocasião do Natal, edição essa que contém os contos na sua forma original e, para medirem o grau dos contos, apenas dois ou três desses contos posso contá-los à minha filha sem estar a medir as palavras.

Pois bem, quem não conhece curiosidades como o ”O Patinho Feio”, “A Princesa e a Ervilha”, “A sereiazinha”, “A vestimenta do Imperador”, “A polegarzinha”, “A rapariguinha dos fósforos”, “O soldadinho de chumbo”. Ao que junto contos fantásticos como ”A gota de água”, “O Elfo da rosa”, “É absolutamente certo” (este conto é fantástico e o preferido da minha filha), ”Os sapatos vermelhos”, entre outros. Contos simples, entre os fantástico e o realista, escrito em tom poético e sempre tendo como motivo principal a pobreza, a humildade, e os necessitados. E é aqui que os seus contos ganham estatura, pois eles levam os pobres a sonhar e a acreditar que não são menos que ninguém, que a humanidade é igual em qualquer extracto social, e que, se calhar, os pobres e os humildes têm mais do que os ricos: Amor, esperança e compaixão.

Pessoalmente gosto muitos dos contos deste fabuloso poeta, que chegou a passar algum tempo em Portugal, nomeadamente em Sintra, numa pequena casa onde actualmente se encontra uma placa a celebrar o facto. Andersen gostava tanto do nosso país e de Sintra que chegou a escrever um livro com o título: “Viagem a Portugal”.

A escrita é simples e fluída. Os contos são todos muito curtos e é fácil descortinar qual a moralidade do conto.

Aconselho os contos deste grande poeta, sobretudo pela forma como nos faz sonhar e nos liga a outros mundos absolutamente mágicos.

domingo, 6 de abril de 2008

Meridiano de Sangue - Cormac McCarthy

“Meridiano de Sangue” baseia-se em factos verídicos ocorridos em meados do séc. XIX na fronteira entre os Estados Unidos da América e o México.

Embora o livro possua várias personagens que interagem entre si, o personagem principal ou pelo menos aquele que serve como condutor da história, é um rapaz que, desiludido com a vida que leva, foge de casa em busca de aventuras.

Numa América violentíssima, acaba por se juntar a um grupo de foras da lei que deixam um rasto de sangue por onde passam.

Neste grupo há um rol de personagens fascinantes, que quanto a mim são uma das mais valias da obra, encabeçados pelo juiz Holden. Um homem monstruoso, assassino implacável, um ser que parece ser a reencarnação do próprio Satanás, sobretudo porque não mostra qualquer tipo de remorsos e tem uma cultura muito acima da média, parecendo dominar qualquer área que se aborde.

Quanto a mim é esta a principal personagem da obra, até porque é nele que Cormac assenta toda a crueldade e violência da época, desmistificando, de facto, o mito da vitimização dos aborígenes.

Neste livro os índios atacam de uma forma impiedosa e implacável pessoas inocentes, não deixando nada vivo à sua passagem.

Do lado oposto os brancos respondem “dente por dente” às atrocidades cometendo semelhantes atrocidades.

É um livro um pouco difícil de ler, não só devido ao horror de muitas descrições como também ao próprio estilo de Cormac. Porém, conforme também é sua imagem de marca, Cormac tem a capacidade de transmitir sensações, parecendo por vezes que a acção se desenrola à frente dos nossos olhos, algo como um filme, só que com cheiros e sabores.

Um romance com uma força brutal que nos atinge de forma violenta através das percepções sentida página a página.