Páginas

domingo, 30 de novembro de 2008

Máscaras de Salazar - Fernando Dacosta




Para quem se interesse por História, nomeadamente pela nossa História, eis um livro fabuloso que aborda, como o nome deixa adivinhar, todo o Estado Novo na figura do seu Presidente do Conselho: António de Oliveira Salazar.

Antes de abordar o livro, quero realçar a enorme surpresa que foi para mim a escrita de Fernando Dacosta, romancista, dramaturgo e jornalista, autor de várias obras, mas que nunca me despertou o interesse. No entanto surpreendeu-me a enorme simplicidade e objectividade da sua escrita, a clareza de raciocínio, a forma poética que emprega ao texto, ainda por mais sendo este uma narrativa e o tom neutro como aborda toda a obra, nunca julgando, nunca comentado, apresentando apenas factos.

Em as “Máscaras de Salazar”, Dacosta apresenta-nos o homem por detrás do político, aquela figura austera que ficou para a História. Salazar enquanto jovem estudante, a forma como entra na política, os seus anseios e desejos, o que o move, as suas ideologias, a forma de estar e ver a vida.

Salazar surge no comando do governo sem que ele saiba bem como e vê nisso um género de demanda, um sinal. É ele a salvação do país, por isso resolve consagrar e sacrificar a sua vida pessoal em prol de uma nação, de um império.

Surge-nos assim um homem com defeitos e virtudes, um homem que acredita no esoterismo, na astrologia, pouco religioso (achei isso curiosíssimo) embora tenha em Cerejeira um dos seus amigos e confidentes mais próximos, um homem que não apreciava jantares, ajuntamentos, que apreciava coisas simples e que, inclusive, pagava a renda de S.Bento com o seu próprio dinheiro. Uma figura muito distante do Salazar figura do regime.

Importa aqui referir que conheço pouco de Salazar e da sua obra. Ele é sempre apresentado como um ditador que, escondido em S.Bento, construiu toda uma rede tal Big Brother que a todos vigiava.

Isso até pode ter muito de verdade e Dacosta não o sonega, mas há de realçar que existiu também o homem Salazar, que tinha sentimentos, gostos, humores. Um ser humano e este livro não só o faz como ainda vai mais longe, ouve, osculta aqueles que mais próximo estiveram de Salazar: amigos de infância, políticos, simples pessoas que o conheceram e sobretudo D. Maria, a governanta que sempre o acompanhou.

Dacosta aborda assim os cerca de 40 anos do seu governo, as guerras que assolaram esse período, os interesses com as outras nações, a P.I.D.E., a oposição e a forma como sempre procurou defender os interesses de Portugal, indo até contra os interesses do Vaticano. Sobre o Vaticano é interessante o desvendar do 3º segredo de Fátima, segredo esse que provavelmente até tem a ver com Portugal. A forma como se relacionava com outros políticos e figuras que se cruzaram com ele, tanto política, como cultural e socialmente: Júlio Dantas, Gen. Costa Gomes, Ge, Humberto Delgado, Amélia Rey Colaço, Natália Correia, Salgado Zenha, Mário Soares, Aquilino Ribeiro, Duarte Pacheco e tantos outros.

E, entre várias curiosidades, ouve uma que me chamou especial atenção. Salazar, que tinha na sua governanta uma amiga e uma confidente (más línguas diziam que até algo mais), confidencia-lhe por várias vezes do porquê da necessidade de defender os territórios ultramarinos. Ele achava que Portugal sem esses territórios ficaria um país minúsculo e sem qualquer tipo de influência, um país que ficava assim sujeito a outras nações acabando por morrer. Ele tinha esse receio e, digo eu, era um visionário.

Um homem que não gostava do comunismo nem dos americanos que, dizia ele serem apologistas de uma política que visava o domínio das outras nações, muito pior que o próprio comunismo... e isso proferia ele na década de 60.

Em suma, um pequeno livro que se revelou numa obra de uma enorme extensão sobre Salazar, o seu regime e Portugal.

Rubicão - Steven Saylor


Embora seja uma amante de História e um grande apreciador de romances históricos, confesso que possuo uma relação de amor-ódio com o império romano e tudo o que lhe diga respeito, ou seja, sei perfeitamente da sua importância e influência nas sociedades ocidentais, que foi o império que mais durou, mas cada vez que leio alguma coisa sobre eles... enfim, é cá um fastio.

No entanto há ocasiões em que me apetece ler algo sobre eles e, devido a isso, lá acabo por me deparar com alguns “livrecos” interessantes e outros nem tanto, sendo que e neste caso, acabei por me deparar com algo que, enfim, lê-se.

Steven Saylor é licenciado em História e perito em política e cultura romanas.

Penso que isso é um excelente cartão de visita, ainda mais quando se junta o facto de ele ser fascinado por culturas clássicas, logo podemos estar certos que o descrito nas suas obras está de acordo com a época em causa.

Ora bem, não belisco minimamente a veracidade dos pormenores da época, até porque este “Rubicão” é o segundo livro do autor que leio e o outro, “Sangue Romano”, até me agradou, but este “Rubicão” é assim o sexto livro de uma série iniciada com o tal “Sangue Romano”, intitulada, a série, de “Roma Sub-Rosa”, Saylor, servindo-se do personagem Giordiano, que é um género de detective independente, aborda a vida social, cultural e política de Roma com todos os seus jogos de interesses políticos, cujas vidas dependiam de quem estava no poder e de quem apoiasse quem, tudo o que me aborrece.

Este livro descreve quando Júlio César resolve tomar o poder e guiar as suas tropas de volta a Roma, fazendo Pompeu, o seu rival e imperador, fugir com as suas tropas leias rumo ao sul, deixando Roma mergulhada no caos.

É neste contexto que Numérico Pompeu, sobrinho do imperador, é assassinado no jardim de Giordano que, face à terrivel situação e exigência de Pompeu, empreende uma investigação do crime.

Obviamente que as situações vão ocorrendo e no fim temos o nome do assassino e o porquê do acto. Mas, e honestamente, como policial não me convenceu, sobretudo porque fui capaz de descobrir o assassino muito cedo, porém, como documento histórico, é de facto um bom livro.

Todos os acontecimentos que levaram Júlio César ao poder estão descritos no livro, os jogos políticos e a forma como as peças se iam movendo faz-nos sentir o ambiente de Roma e a tensão que se sentia.

O livro, quanto a mim, vale por isso e para quem tem curiosidade sobre este grande império, então aconselho o livro.

domingo, 16 de novembro de 2008

A Profissão de Carrasco - Jacques Delarue



Há livros que nos vêm parar às mãos um pouco por acaso, sem que estejamos à procura deles ou mesmo que o conheçamos, eis que de repente nos deparamos com esse tal livros nas mãos, a creditando tratar-se de um achado.

Este livro que me proponho aqui comentar foi um desses casos que achei há uns anos numa daquelas feiras do livro manhosas dos hipermercados. Havia um receptáculo de plástico com centenas de livros a 0,50€ e, no meio de tanta palha, surge-me este livro rosa choque com este título sugestivo.

Li a sinopse e logo me dei conta que não se tratava de nenhum romance, mas sim de um estudo Histórico deste tema tão desprezível mas que, quer queiramos quer não, tem uma História e que, por acaso, até achei que podia ser interessante.

O autor, Jacques Delarue, nascido em 1919, desconheço se possuiu alguma actividade académica, mas sei que o mesmo foi polícia e comparticipou na resistência francesa. Dessa vivência acabou por escrever “História da Gestapo” e “Tráficos e crimes durante a ocupação”, títulos que desconheço, mas que tendo em conta o livro “Profissão de Carrasco”, devem ser muito interessantes.

Ora bem, enquanto polícia, Delarue foi colectando material histórico sobre a pena de morte e o trabalho daqueles que tinham que levar a cabo a condenação: os carrascos.

Obviamente que Delarue incide sobretudo na história dos carrascos franceses, até porque a profissão ainda estava no activo no século XX e ainda estão vivos os últimos da espécie, mas ele vai narrando como é que a profissão nasceu, da forma maldita como eles eram vistos, rejeitados pela sociedade que se esquecia que por detrás do carrasco havia um homem com família que apenas tinha tido a má sorte de sujar as mãos com sangue dos condenados que essa mesma sociedade mandara sangrar.

Aborda também o contexto psicológico e humano. O testemunho de vários deles assim como a linhagem dos carrascos mais famosos, pois era uma profissão que passava de pais para filhos, um filho de carrasco não era bem aceite, tinha imensa dificuldades para arranjar casamento, o mesmo se passava com as filhas.

O livro segue sempre a um bom ritmo, cheio de interesse, embora existam muitas descrições horríveis, macabras. Os objectos e máquinas de tortura e execução são descritos, a sua criação e como actuavam... macabro.

Um excelente documento histórico que admito não ser fácil encontrar no mercado. Após uma breve investigação, constatei apenas o site da livraria Byblos possuir tal livro, embora a editora em Portugal seja a Livros do Brasil.

domingo, 9 de novembro de 2008

Vida num Sopro (A) - José Rodrigues dos Santos



A acção temporal tem apenas dez anos, mas dez anos onde acontecimentos determinantes sucederam tendo do um impacto determinante a nível nacional e internacional.

1929-1939, dez anos.

Dez anos onde ventos de mudança sopram. Assiste-se ao nascimento do Estado Novo num Portugal assustado, rude, inseguro, só o facto desse regime trazer ordem e segurança foi o bastante para o mesmo originar a simpatia pela larga maioria do povo.

1929-1939, dez anos onde nasce, decorre e finda a Guerra Civil de Espanha (1936-1939). Uma guerra entre Nacionalistas e a Frente Popular, apelidados de blancos e Rojos, estes compostos pela esquerda (comunistas, anarquistas e também o governo eleito liberal-democrático). Uma guerra onde atrocidades são cometidas de uma forma arbitrária, sendo este conflito um laboratório de experiências para o conflito mundial que estava prestes a rebentar. Curioso o que está por detrás da ajuda camuflada do regime português aos nacionalistas.

1929-1939, dez anos onde o regime do Estado Novo ganha força e cria um sistema de informação acerca dos cidadãos tidos como ameaça para a nação (regime) e, mais grave, um sistema onde qualquer pessoa podia ser informador, bufo, e assim atraiçoar o melhor amigo ou qualquer familiar que tivesse a ousadia de proferir qualquer frase contra o regime. Ou seja, a imposição do regime do medo que, até hoje, nunca nos conseguimos apartar. Por detrás desse sistema a PVDE (Polícia de Vigilância Do Estado) ou a Pevide, como era conhecida pelo povo.

Neste livro são estes os três pontos principais da narrativa.

Como pano de fundo, interligando estes acontecimentos que nos colocam no cerne desses três pontos, uma história de amor. Uma simples, singela e trágica história de amor entre Luís Afonso e Amélia Rodrigues.

Passado entre Bragança-Lisboa-Penafiel-Vinhais, esta história é o elo condutor entre a vida e mentalidade rural e citadina. A mudança de mentalidades e a forma como se sente a diferença das mesmas de local para local não passa aqui despercebida.

Um livro apaixonante que narra acontecimentos importantes que estiveram por detrás da longevidade desse regime. Facilmente entendemos do porquê do surgimento do regime, do porquê de tão facilmente ter sido acolhido e do porquê de ter durado tantos anos. Quanto a mim o livro vale por isso.

A escrita é simples.

Aflorada por frases poéticas, José Rodrigues dos Santos não se perde em devaneios tão comum na maioria dos autores portugueses. Os diálogos são simples e directos, caracterizando a época com termos locais não faltando mesmo o castelhano e o galego.

É um livro na mesma linha da “Filha do Capitão”. Na minha opinião não se podem comparar devido aos temas que um e outro trata, no entanto o estilo é o mesmo mas confesso que este “A Vida num Sopro” apaixonou-me menos, no entanto sublinho que considero a “Filha do Capitão” um dos grandes livros da literatura universal, logo, será extremamente difícil JRS fazer melhor.

Este “A Vida num Sopro” é muito bom. Lê-se num fôlego, num sopro e facilmente nos apaixonamos pelos personagens, até porque, como é costume nos seus livros, JRS tem a capacidade de criar personagens do povo, gente como nós que facilmente incorporam se não nós mesmos, pelo menos, nossos antepassados.