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domingo, 31 de maio de 2009

Tigre Branco (O) – Aravind Adiga




Ao longo de sete noites, Balram Halwai (ele próprio o Tigre Branco), através de cartas por ele escritas ao Primeiro Ministro chinês Wen Jiabao que se prepara para visitar a Índia, empreende uma narrativa da sociedade indiana, de uma Índia desconhecida, atolada em desigualdades que, como ele refere, se divide em duas: a da Luz e uma outra, denominada de Escuridão.

Assim, num monólogo ou diálogo imaginário, Balram começa por narrar a sua infância marcada pela extrema pobreza e condições verdadeiramente sobre-humanas que lhe começam a moldar o carácter. Nascido numa das castas mais baixas (isso das castas é chocante), expõe de uma forma nua e crua uma Índia violenta, cheia de preconceitos, onde os pobres são sempre pobres, tratados como animais, criados e onde tudo é corrompido, literalmente tudo, sobretudo no campo político.

Nesta brutal obra, Aravind foca os grandes e eternos problemas da Índia. Sob o manto fictício da modernidade, do milagre económico, pinta-nos um retracto assombroso e medonho de um país profundamente desigual, dividido por tradições xenófobas que ninguém sabe a sua origem e por um sistema político corrupto que pisa tudo e todos, que não age em defesa do povo mas sim dos seus interesses pessoais.

É um livro corrosivo. A realidade é-nos disposta à frente sem dó nem piedade. Acham que a Índia é aquele país dos filmes de Bollywood? Essa Índia existe de facto, mas a Índia profunda, a Índia onde vive e sobrevive a maioria do seu povo, é uma Índia monstruosa, assustadoramente monstruosa.

Até o Rio Ganges é aqui desmistificado “sr. Jiabao, eu aconselho-o a não mergulhar no Ganges, a menos que queira ficar com a boca cheia de fezes, de palha, de bocados encharcados de cadáveres humanos, de carne putrefacta de búfalo, para além de sete tipos diferentes de ácidos industriais”.

O tom irónico, mordaz e corrosivo como toda a narrativa é conduzida, demonstra um profundo desencanto e desilusão de Aravind. Diria que este livro é quase um grito de desespero ao mundo e note-se que não é por acaso que é referido inúmeras vezes, de uma forma lírica, Mahatma Gandhi, homem que procurou lutar contra um sistema que, ao contrário que muitos defendem, não mudou em nada.

Um livro que me chocou dada a brutalidade daquela sociedade desigual. Desconhecia essa realidade, porém, confesso que me senti incomodado quando me deparei com o sistema corrupto, pois e pelo que sabemos da sociedade portuguesa, sobretudo ao nível dos meandros do futebol, se calhar “somos” mais parecidos com os indianos do que propriamente com os europeus.

Um livro soberbo, poderoso, a par de "A Estrada", é o melhor que li nesta década e que, afirmo eu, está destinado a ser um clássico da literatura.

Um livro que a par do filme “Slumdog Millionaire” deve ser um incómodo para o governo e outras estruturas políticas e sociais da Índia.


Classificação: 6

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Saga de um Pensador (A) – Augusto Cury




Um livro belíssimo, fascinante.

Na sala de anatomia, um grupo de caloiros fica chocado quando, na sua primeira aula, se depara com um conjunto de corpos sem identificação prontos para serem estudados por esses futuros médicos. Estes corpos são de ninguém, sem abrigos, indigentes da sociedade, corpos sem história, corpos sem interesse.

Mas será mesmo assim?

Um dos estudantes, Marco Pólo, questiona, sob gozo geral, inclusive dos professores, a identidade daquelas pessoas que ali jazem no mármore. Quem são essas pessoas, que histórias têm para contar, quem amaram, tiveram família?

Esta é a premissa para uma saga fascinante que nos faz reflectir sobre a simplicidade da vida e das relações humanas sempre tão pouco valorizadas, mas que nos permitem uma riqueza interior muito mais valiosa do qualquer riqueza material.

Um jovem sonhador que se torna um pensador, um “vendedor de sonhos”. Marco Pólo vai dissertando sobre saúde mental, acerca dos normais e anormais da sociedade, solidariedade, compreensão, amor, fé e tolerância. O livro é atravessado, do início ao fim, por uma corrente positiva que nos faz acreditar, aliás, que nos faz ter a certeza da capacidade do ser humano e no porquê de grande parte das pessoas não viverem felizes.

Uma obra que questiona o sentido da vida e a sua qualidade, que questiona e demonstra a hipocrisia da sociedade e a insistência desta em criar máscaras sociais que aprisionam as pessoas, impedindo-as de serem elas.

Um hino à sabedoria que está inserida em todos os seres humanos, mas que, infelizmente, poucos se apercebem.

Todos somos caminhantes da vida, todos temos um caminho a percorrer.

Curioso o Princípio da Co-Responsabilidade Inevitável que faz todo o sentido. Cada ser humano influencia e é influenciado… descubra este principio, é genial, maravilhoso.

Um livro que considero de leitura obrigatória.

Se não brincares com a vida, a vida zangar-se-à contigo”.

Um dia a maioria das pessoas têm de juntar os seus pedaços e reescrever a sua história. Pois muitos passam pela existência sem nunca percorrer as avenidas do seu próprio ser

A maioria das pessoas vive porque respira. Já não perguntam quem são e o que são. Estão entorpecidas pelo sistema”.



Classificação: 5

Fantástica Aventura dos Anões da Lua (A) – Catarina Coelho



Uma vez mais confesso que o género fantasia não é, de todo, o meu género predilecto, nem sequer é um género que procure ler. E digo mais, geralmente só pelo facto de o livro ser de fantasia, é o bastante para não lhe tocar.

Este “A Fantástica Aventura dos Anões da Lua” foi-me simpaticamente oferecido pela sua autora, ilustre Membro do Fórum “Estante de Livros”, fórum onde orgulhosamente participo.

Posto isto, por respeito e consideração à autora, empreendi a leitura do livro com toda a boa vontade, tentando, dessa forma, apreciar a leitura, a escrita e, sem simultâneo, efectuar a análise da obra.

Era uma vez uma comunidade de anões que viviam em harmonia. Desconhecendo o mundo que os rodeava, essa comunidade vivia num micro mundo que foi violentamente invadido por alguns homens com o sentido de raptarem o feiticeiro da comunidade a fim de obterem a magia dos anões.

Aterrados por tal ataque e, sobretudo, pela visão de estranhos objectos que tinham o poder de magoar (armas), os anões nem se defendem, deixando assim o seu feiticeiro ser sequestrado.

Decidem então nomear um conjunto de anões a fim de libertar o seu feiticeiro, iniciando-se uma perigosa viagem que os irá colocar frente a curiosos e grotescos seres, assim como, por situações radicais.

Na minha opinião, são claras as semelhanças e influências, ao longo de todo o livro, de alguns autores que conheço: A viagem e até a comunidade fez-me recordar a saga do “Senhor dos Anéis” e, muitos factos, “Harry Potter”. No entanto, à parte dessas influências, este livro é nitidamente uma obra de índole juvenil, pois é mais um género de conto de fadas, cheio de seres fantásticos.

A eterna luta entre o bem e o mal, a suprema certeza ou, diria, a insistência em demonstrar aspectos morais acerca da verdade, da amizade, companheirismo, coragem e amor. Tudo isso é perceptível, penso mesmo que a intenção da autora foi essa, demonstrar ao seu público alvo que, mesmo diante do mal, das dificuldades, há sempre lugar para valores éticos e morais onde, obviamente, o bem acaba por vencer.

Algo de muito positivo que destaco é o mundo criado pela Catarina. Quase de raiz. A maior parte dos seres, a alimentação e até alguma linguagem (expressões). Aí o trabalho criativo é excelente.

Como aspectos negativos, sobressaem os monstros. Corpo de Urso, Cabeça de Crocodilo e Cauda de Escorpião… e ainda por cima com o cérebro de um dos anões… enfim, pode ser que os amantes do género apreciem, mas eu não consigo visualizar semelhantes monstros, não lhes consigo dar credibilidade. Outro aspecto é a escrita por vezes ingénua, um pouco superficial, parecendo preocupada em explicar, á luz das nossas expressões e cultura, o significado de expressões criadas. Compreendo essa escrita face ao publico a quem se destina, no entanto não deixa de ser estranho.

Em suma, este é um livro destinado a um público juvenil, mas que se lê bem, porém admito que os amantes do género fantástico possam apreciá-lo melhor do que eu, pois, uma vez mais, não é sequer um género que leie amiúdas vezes, razão pela qual, também, atribuo uma nota de apenas Razoável.

Classificação: 3

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Pequenas Memórias (As) - José Saramago


Em as “Pequenas Memórias”, o “nosso” Nobel da Literatura faz desfilar de uma forma séria, mas e ao mesmo tempo humorística, sempre num tom melancólico que é ditado pela saudade e também por alguns fantasmas que, note-se, Saramago vai exorcizando, as suas memórias, mas memórias da sua infância, particularidade que é responsável pelo título da obra: “pequenas”, porque são memórias de quando foi criança.

Situando-se nas décadas de 20 e 30, ora na Azinhaga, a aldeia onde nasceu, ora em Lisboa, para onde veio viver com os pais ainda bebé, vamos conhecendo o lado humano do escritor, as suas raízes e vivências, as suas mais profundas recordações, traumas e até aventuras e desventuras de um menino igual a tantos outros que, ele próprio o admite, teve uma infância feliz.

Mas é inegável o acerto de contas com algumas das suas memórias, sobretudo no que respeita a memórias familiares.

Este é um livro que, admito, deve interessar mais aos “amantes” de José Saramago como é o meu caso. O estilo está lá todo, assim como os jogos de analogias que ele tanto aprecia (eu também), sempre mordaz, irónico, por vezes bruto, mas transpirando amor e uma imensa saudade. Bem pode desmentir isso, mas é notória a saudade por um tempo há muito guardado na sua mente.

Não sei se ele projecta uma continuação, mas e pessoalmente adoraria. Até figo mais, Saramago deveria escrever as suas memórias, todas, ou pelo menos a que entender.


Classificação: 4