Romance polémico, considerado a grande obra prima de Flaubert, Madame Bovary é uma espécie de radiografia de uma sociedade (francesa) que sofre de uma profunda crise moral. A forma como Flaubert escreve todo o trama, não só tocou num fenómeno (não digo qual para não desvendar o fim) que muita agitação criou naquela altura, dando azo inclusivamente a estudo sociológicos, como também deu origem a um processo movido contra Flaubert pelo Ministério Público por ofensa à moral pública e religiosa, embora esse processo fosse devido ao livro e aos vários temas abordados.
Ema é a personagem central do romance. Filha de um abastado camponês, sente-se infeliz e só na companhia do seu pai com quem ainda vive. Essa solidão é atenuada com leituras compulsivas de romances românticos que faz nascer, na sua imaginação, todo um mundo, um ideal romântico que simplesmente não existe. A literatura torna-se assim um refúgio, através da qual a personagem procura fugir da mediocridade da sua vida.
Charles Bovary, personagem que acompanhamos desde a infância, é um homem medíocre, fraco mas de boa índole, que acaba por tirar o curso de medicina e, já viúvo de um casamento arranjado com uma mulher mais velha, acaba por desposar Ema, que vê nele a sua oportunidade de mudar de vida, de ter acesso à alta sociedade.
Antes do casamento, Ema acredita que ama verdadeiramente Charles. Vê nele aquele ideal de homem que havia conhecido nos vários romances que leu. No entanto à medida que o tempo passa, alguma coisa a faz afastar-se dele, alguma coisa a faz sentir repulsa pelo marido. Para Ema, aquela não era a vida que ela havia desejado. No entanto acaba por engravidar e mesmo depois do nascimento da criança a rotina acaba por se instalar, sempre a rotina, tudo é fastidioso, ela sente-se presa, atrofiada, muito infeliz.
É devido a essa infelicidade e por acreditar na felicidade e no ideal dos romances construído na sua mente que Ema acaba por se envolver com um nobre que vive nos arredores da aldeia. Um aventureiro que vê em Ema apenas mais uma conquista, algo para usar e deitar fora. De notar que Ema vive realmente a ilusão de uma paixão desenfreada, ela acredita que esse ideal criado na sua imaginação é real e que ela é a encarnação dessas heroinas romanticas.
Madame Bovary é uma obra tida como realista e que pretende caracterizar a sociedade francesa tocando num assunto ainda hoje tabu: o adultério. A obra, embora tenha criado um grande celeuma na altura, decepcionou-me bastante. É algo enfadonha, as situações chegam-se a arrastar de um modo cansativo, apenas ganhando interesse devido à forma irónica como Flaubert descreve todas as acções dos personagens. Contudo achei interessante a forma como Flaubert caracteriza os vários tipos sociais: o homem conformista, a nobreza decadente, a pequena burguesia que almeja a ser grande, os grandes burgueses e a ostentação da sua riqueza e até a falta de moral religiosa que, parece-me, estava em voga naquela altura. Todas estas personagens compõem o cenário da vida medíocre e cheia de intrigas e hipocrisias.
Estava realmente à espera de muito mais e melhor dada a fama que precede a obra. Muitíssimo bem escrito, com uma construção narrativa muito cuidada, o livro torna-se monótono e muito honestamente se não fosse a ânsia de saber qual o destino de Ema e dos personagens, provavelmente não o leria até ao fim, no entanto, o fim revela-se uma surpresa. Embora já estivesse à espera de algo semelhante, dada a sua previsibilidade, pois a o caminho que Flaubert constrói torna-se num caminho tortuoso e sem regresso, mas a forma fria e crua como Flaubert descreve os acontecimentos, criaram em mim um sentimento de angústia e tristeza. Fiquei verdadeiramente triste com o fim.
Por último não compreendo o porquê do alvoroço que esta obra criou. As descrições não são nada de especial, aliás, bem vistas as coisas nem existem descrições dos encontros sexuais de Ema. A forma como ela se comporta é realmente leviana, demonstrado também total desrespeito pela sua família e até por ela própria. Flaubert também tece algumas considerações nada abonatória contra a igreja e mesmo a forma leviana como ele aborda o grande fenómeno social da época é também chocante. No entanto seria isto motivo para essa grande algazarra que levou o Ministério Público a processá-lo por ofensa á moral pública e religiosa?
A minha mãe leu e não gostou. Achou muito enfadonho, monótono demais.
ResponderEliminarAinda não li, mas tenho alguma curiosidade, principalmente depois de ler a opinião da Isabel Maia: http://nacompanhiadoslivros.blogspot.com/2010/01/madame-bovary.html
Depois vim aqui ver se já o tinhas lido.
E até acho que vou gostar. Por muito monótono que seja, uma boa escrita é uma mais valia grande. Só receio que as divagações e objecções do autor à sociedade se tornem demasiado cansativas, talvez demasiado descritivas para meu gosto... Assim também perde a graça.
Eu tenho quase a certeza que vais gostar, sabes porquê? Porque irás sentir a sociedade portuguesa ali descrita.
ResponderEliminarNa altura todos tentavam copiar a sociedade francesa descrita por Flaubert e os salões portugueses não fugiam à regra.
Depois a escrita é deliciosa.