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segunda-feira, 30 de junho de 2008

Clã do Urso das Cavernas (O) - Jean M. Auel

Este é um dos melhores livros que li até à data. Para além da história cheia de pormenores e excelentemente bem narrada por Jean Auel, a mesma é enriquecida por toda uma arquitectura fortemente alicerçada em factos Históricos e Geológicos reais.

Jean M. Auel aquando da preparação deste notável romance histórico, efectuou vários e apurados estudos da época retractada - chegando mesmo a acampar durante uma noite num abrigo construído "à moda" pré-histórica e em condições extremamente duras - assim como acerca dos homínideos caracterizados: Homem de Cro-Magnon e Homem de Neanderthal.

Há 25.000 anos o planeta Terra era um "local" ainda em construção, habitado aqui e ali por estranhos animais que viviam sobretudo da caça. Uma época algo perdida na História, mas uma época onde se sabe que o Homem começa a ter alguma "atitude" artística e religiosa.

Algures no continente asiático, um violento abalo sísmico devasta todo um acampamento de uma tribo de Cro-Magnon, no entanto e por se encontrar fora do espaço da aldeia, acaba por sobreviver a esse forte abalo uma menina de uns 5 anos (Ayla), que se vê, de um momento para o outro, sozinha num mundo assustador e inóspito.

Obrigada a vaguear pelas frias estepes asiáticas, acaba por ser vencida pelo cansaço, soçobrando, destinada, quiça, a servir de alimento para terríveis felinos.

É encontrada então por um grupo de viajantes Neanderthalenses que, com pena daquele frágil ser, a acabam por adoptar, nascendo aí toda uma história que irá pôr em foco as diferenças entre essas duas raças e sobretudo uma curiosa comparação e estudo entre as mesmas.

É um texto imponente onde é evidente o porquê do fim do Homem de Neanderthal. Extremamente atractivo ao nível das peripécias narradas, é também ele constantemente salpicado por factos sórdidos de cariz sexual, revelando, como é compreensível, uma bestialidade insana, mesmo grotesca.

Brilhantemente adaptado ao cinema em 1986 por Michael Chapman e tendo como principal actriz a bela Daryl Hannah, este é um livro riquíssimo ao nível Histórico e deveras aliciante e excitante na forma como o enredo é construído.

Altamente recomendado.





domingo, 29 de junho de 2008

Perfumista (O) - Joaquim Mestre

O Perfumista tem como pano de fundo a 1ª Guerra Mundial e a Pneumática que devastou milhares de vidas na Península Ibérica após 1918.

Tem também como pano de fundo a arte de perfumista, criador das mais variantes aromas que enlouquecem homens e mulheres. Um artificie que tem tanto de antigo como de misterioso.

Toda a acção passa-se no Alentejo, num Portugal rural, supersticioso, pouco desenvolvido e ainda agarrado aos ideais monárquicos.

Numa determinada região alentejana, um homem apaixona-se por uma mulher. Em busca de uma vida melhor, este homem emigra para a grande cidade no sentido de aprender uma profissão que muito tem a ver com ele: Perfumista.

Anos depois regressa á vila e aí desposa essa mulher ficando ambos a viver, na companhia da mãe dela, numa grande casa onde aí montam um negócio de perfumista que lhes irá trazer fama.

Pouco tempo depois este homem é incorporado no corpo expedicionário português e é enviado a combater em França, na terríveis trincheiras.

Por essa altura surge, tal como um furacão, a Pneumática que arrasa milhares de famílias, ao mesmo tempo que o Corpo Expedicionário é arrasado em La Lys.

Gostei muito deste romance.

É um romance onírico, cheio de magia que se assemelham ao mundo mágico de Marquez. É inegável a semelhança de estilo de Marquez (esta vila faz lembrar a aldeia dos Buéndia), notando-se também fortes semelhanças com o estilo de Saramago não faltando, na história, um descendente de Baltazar Sete-Sóis.

Foi um livro que me deu muito prazer ler. A história é terna, dura e tomada por aromas díspares que se soltam página a página, palavra a palavra.

Considero este livro um dos excelentes livros da nossa literatura dos últimos anos.

domingo, 22 de junho de 2008

Número de Deus (O) - José Luis Corral


José Luis Coral é o autor espanhol de mais êxito no género do romance histórico. Professor de História medieval, é conhecido por ser o autor de várias obras, onde se incluem livros, artigos, guiões para tv e inclusivamente foi assessor histórico do filme “1492 – Cristóvão Colombo”. As suas obras demonstram sempre um grande rigor histórico, não descura pormenores, nem de linguagem nem dos usos e costumes da época e este “Número de Deus” vem mostrar não apenas isso, como também, uma grande capacidade, que nem todos os escritos do género têm, de colocar no mesmo livro, uma época e toda a sua mentalidade, a evolução da mesma, misturado com os acontecimentos que marcaram a época.

Confusos?

O livro inicia-se no séc. XI (1212) com o nascimento em Burgos de Teresa Rendol, filha única do mestre pintor de frescos Arnal Rendol. A história vai-se dividindo entre vários reinos (França, Leão e Castela). Nesses anos reinava em Castela Henrique I e em Leão Afonso IX. Época marcada por constantes desavenças entre estes dois reinos irmãos, irá ser o filho de Afonso IX, Fernando III, que irá reunificar os reinos, sendo também que ficará para a História como um dos Maiores reis de sempre, sendo considerado pela igreja católica como santo e posteriormente canonizado.

A história passa-se maioritariamente no reinado de D. Fernando III, época onde reinava um fervor religioso enorme, mas também uma época onde se respeitava o génio humano e havia espaço para o mesmo ser posto ao serviço de Deus para construir grandes obras, entre as quais, catedrais.

Embora o livro trate em específico desse trabalho, a da construção de catedrais onde trabalhavam grandes Mestres de vários ofícios sempre em busca da perfeição, José Luis Corral vai abordando também a mentalidade e a evolução, em pouquíssimo tempo, da mesma. Uma época cheia de acontecimentos, onde a guerra com os mouros era constante, vamos assistindo à imposição da igreja na sociedade, à perseguição dos Cátaros e ao surgimento de novas teorias acerca do mundo e da sociedade, principalmente no acolhimento, por interesse próprio, das teorias de Aristóteles em prejuízo das de Platão, pois era Aristóteles que defendia que a mulher era inferior ao homem. Vai nascendo assim uma outra concepção da natureza que irá ter repercussões nos séculos vindoiros. E Corral, numa linguagem simples e correcta, explica isso, encaixando de uma forma brilhante na história que é de várias histórias interligadas.

Quanto a mim o livro vale por essa questão. Pessoalmente desconhecia como havia nascido essa mentalidade que jogou a Europa em centenas de anos de obscuridade, assim como achei estupenda a narração da situação geopolítica dos vários Estados, inclusivamente vai-se, aqui e ali, abordando o reino de Portugal. E sobre o reino de Portugal constatei que uma das razões que nunca houve grandes planos para o tomarem, foi de que os reis portugueses sempre foram bastante inteligentes, pois faziam vários acordos com o Papa e casamentos estratégicos com várias casas reais.

É um excelente livro que aborda uma época que me apaixona e que demonstra o quão maléfico foi a igreja católica que atrasou séculos de evolução, tanto espiritual, como intelectual.

domingo, 15 de junho de 2008

Guerra dos Tronos (A) - R.R. Martin


Não sendo um apreciador do género fantástico, opiniões muito favoráveis fizeram-me despertar o interesse por esta saga composta, segundo consta, por 14 volumes (!!!), sendo que metade deles ainda está por escrever.

Obviamente que a extensão desta obra pode ser desajustada, no entanto, dada a subjectividade, o melhor é analisar volume a volume, perceber, ou tentar, a objectividade do autor e o interesse, a chama, que o mesmo despertará nos volumes subsequentes.

Foi pois com alguma expectativa que peguei neste “A Guerra dos Tronos”, livro Um da saga “As Crónicas de Gelo e Fogo”.

Eddard Stark, lorde dos domínios de Winterfell, recebe a inesperada visita do Rei Robert Baratheon, algo como um Rei Supremo, e da sua comitiva.

Desde logo é perfeitamente perceptível a intimidade e amizade que existe entre estes dois homens.

A intenção do Rei Robert é convidar Eddard para ser o seu “Mão-do-Rei”, o cargo mais importante da corte, algo como um Primeiro Ministro.

Desconfiado, mesmo percebendo as razões do rei, Eddard aceita e conjuntamente com duas filhas, uma delas prometida ao filho mais velho de Robert, parte para Sul para os domínio reais.

E aí depara-se com uma corte fustigada pelas intrigas e invejas, onde a maldade impera e onde os inimigos espreitam a cada esquina.

Em simultâneo, outras prestigiadas famílias também com interesses vários, agem num intrincado e promíscuo tabuleiro estratégico de forma a ganharem poder e vantagem sobre as outras, e curioso constatar que todas as famílias estão unidas por casamentos, mas mesmo assim fomentam o mal das outras.

Sendo uma obra classificada como fantástica, pensei que me ia deparar com dragões, duendes, elfos e afins, no entanto e para além de alguns pormenores realmente fantásticos, fiquei agradavelmente surpreendido com a pouca fantasia deste 1º volume.

A acção pode-se classificar como sendo da idade medieval. Em termos geográficos e embora as descrições, os nomes e até o mapa nos faça recordar a Grã-Bretanha, as semelhanças ficam-se apenas por aí, pois a descrição do clima e sobretudo a variante meteorológica de Norte para Sul é tão elevada e radical que fazem-nos perceber que aquele mundo não existe, que de facto foi criado por Martin.

É interessante e deveras agradável a simbiose que o autor efectua entre o género fantástico e o histórico. As descrições dos costumes e usos são, sem dúvidas, os medievais, assim como medievais até a forma dos diálogos e o vestuário, no entanto, aqui e ali, lá vai surgindo pitadas leves de fantasia, seja no surgimento de lobos gigantes, seja na floresta Assombrada que supostamente contém criaturas perigosas e espantosas.

Com vários capítulos, todos eles nomeados com o nome dos vários personagens (é desta forma que acompanhamos todos em simultâneo), o autor consegue criar um trama interessante e que tem tudo para se desenvolver nos volumes sequentes, porém nem tudo é positivo neste volume, neste início de saga.

Talvez porque o autor tem consciência que a dimensão prometida poderá levá-lo a becos sem saída, a história ou, se quiserem, o trama, tem pouco desenvolvimento para as suas 360 páginas. Durante todo esse “tempo”, o período temporal é curto e a descrição do passado, que é sempre um trunfo para a moenga de histórias, é pouco explorado. Tenho consciência que o autor irá explorar precisamente isso ao longo dos volumes, no entanto fiquei com uma sensação de insatisfação acerca da história e sobretudo acerca de alguns personagens que são apenas aflorados e depois abandonados.

Mas não escondo que a obra me agradou e que fiquei interessado no 2º volume: “A Muralha de Gelo”. A escrita é simples, objectiva e eficaz. O autor é claro e parco nas suas descrições, mas, repito, dada o tamanho da obra, temo que o autor vá desenvolvendo a um ritmo lento, correndo o perigo de retirar interesse aos leitores.

Dou o benefício da dúvida e vou continuar a leitura da saga.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Oliver Twist - Charles Dickens

Charles Dickens foi um dos grandes escritores do Séc. XIX e, na minha opinião, um dos mais talentosos escritores de todos os tempos.

Sofrendo na pele as agruras da vida na infância, Dickens cresceu sensível aos problemas da sociedade inglesa, sobretudo sensível com a pobreza e opressão que essa sociedade aplicava aqueles que tinham tido o azar de nascer pobres, ao ostracismo que esses pobres estavam sujeitos, sendo vistos como lixo, como animais.

Escritor diligente , Dickens, que começou a trabalhar numa fábrica aos 12 anos, consegue por mérito próprio aprender estenografia, profissão essa que o leva a entrar no mundo do jornalismo, sendo aí que toma o gosto pela escrita.

Nunca esquecendo as suas raízes e as dificuldades da infância, inclusive sempre teve a preocupação de editar as suas obras em folhetins a preços muito baixos (algumas dessas edições foram pagas pelo seu próprio bolso), mas nunca esquecendo essas dificuldades de infância, Dickens empreende a escrita de uma série de romances marcadamente sociais, romances onde a crítica à hipocrisia da sociedade é constante e facilmente perceptível e onde, em todas as suas histórias, descreve o modo de vida difícil dessa gente pobre e as fracas condições de vida a que essas pessoas estavam sujeitas.

No entanto e mais do que essas descrições, Dickens sempre tomou como “objecto” principal as crianças, eram elas que mais tocavam o coração de Dickens, pois são elas que contém em si, a nobreza, humildade e a inocência.

E são quase sempre as crianças as heroínas dos seus livros. A pobreza, misérias, maus tratos, morte e infelicidade.

Oliver Twist”, escrito em 1837, foi um dos primeiros livros de Dickens e narra a história de uma criança que nasce num orfanato e aí é criado até aos 10 anos de idade, sempre sujeito à fome e maus tratos.

Essa fase da vida de Oliver é descrito de uma forma nua e crua. Dickens pretende, e consegue, evidenciar as más condições dos orfanatos ingleses, sobretudo a forma sobre-humana como as crianças órfãs eram tratadas.

Quando Oliver tem 10 anos, é vendido a um cangalheiro que o leva para a sua oficina de modo a aprender essa mórbida profissão. No entanto e como o menino não tinha ninguém no mundo, os maus tratos continuam, agora, para além de levar porrada e de ser injuriado, é alimentado com a comida que os cães declinam.

Farto de tanto sofrimento, Oliver, que tem um coração bondoso e um carácter nobre, empreende uma fuga a pé até Londre, cidade onde conhece um outro menino da sua idade que o faz entrar no mundo do crime quando o apresenta a Fagin, o Judeu, homem espúrio que comanda um bando de crianças que roubam para ele.

Começa então aí um novo capítulo da vida de Oliver que o leva a conhecer o mundo do crime e, também, o lado bom do ser humano...

Oliver Twist” é uma história belíssima sobre a capacidade do ser humano em suprimir as dificuldades da vida, no entanto é também uma história que demonstra as piores facetas do ser mesmo e o quão maléfico pode ser feito para prejudicar o próximo.

Por outro lado, e talvez porque esta foi uma obra escrita na fase inicial da sua carreira, a história, embora demonstre uma grande consistência e solidez, falha nos últimos capítulos no aspecto estrutural, ou seja, existem demasiadas coincidência que tiram alguma da coerência, tudo encaixa muito facilmente. Porém é necessário não esquecer que este livro foi escrito em 1837 e destinava-se a esse tal público oprimido, um público que certamente se revia na personagem de Oliver e que, certamente, lhe agradou imenso o fim e a forma como é construído.

Dickens foi um génio da literatura. Para além de escrever muito bem, tem uma forma de descrever paisagens e situações que roça a poesia e, mais importante, é exímio na forma como transmite sensações, pois e num mesmo parágrafo, é capaz de nos comover como, de seguida, nos fazer rir.

Um clássico riquíssimo que deve ser saboreado.












domingo, 1 de junho de 2008

Processo das Bruxas de Salem (O) - Ann Rinaldi



FACTOS HISTÓRICOS

Em Janeiro de 1692, na comunidade puritana de Salém, Nova Inglaterra, Elisabeth Parris de nove anos e Abigail Williams de onze, começaram a exibir comportamentos menos próprios. Numa comunidade onde às crianças não era permitido ter infância, onde os problemas próprios da adolescência não era tolerado nem compreendido, estas duas crianças, de um momento para o outro, começaram a apresentar desvios comportamentais preocupantes e chocantes. Blasfemavam, tinham ataques apoplécticos convulsivos, gritavam histericamente e, aparentemente, entravam em estados de transe profundos, tendo também visões de seres diabólicos. Logo, uma série de meninas, com idades diferentes mas todas com menos de vinte anos, começaram a apresentar comportamentos semelhantes, deixando aquela estranha e fechada comunidade em pânico.

Não me cabe aqui apresentar explicações para esses comportamentos, mas é importante referir que Salém, enquanto comunidade puritana com uma série de costumes que faz lembrar os Mórmons, deixava um papel social aos jovens muito diminuto, pois e imagine-se, nem era permitido às crianças brincar, uma criança que brincasse com bonecas era alvo de suspeita de praticar artes proibidas.

No entanto e na altura esse comportamento não foi alvo de qualquer estudo sociológico, aliás, apercebi-me que esse problema mal saiu daquele circulo de Salém, então, incapazes de determinar qualquer causa física para os sintomas e comportamentos das crianças, os médicos concluíram que as crianças estavam sob a influência de Satanás, estavam possessas.

Os puritanos acreditavam em poderes místicos e, de facto, a explicação mais plausível na altura, era que os ataques vinham do próprio demónio que, e eles acreditavam piamente nisso, errava pelos campos tentando encontrar forma de corromper as puras almas cristãs e o reino de Deus.

Muito importante também registar os enormes problemas sociais que lavrava nesse tempo. Os vizinhos suspeitavam-se mutuamente, havia famílias inteiras a ódio com antigas rixas por resolver, enfim, um ambiente propício para criar um clima de medo e terror que nasceu em Janeiro de 1692.

Assim, e como era tradição, orações e jejuns foram organizados pelo Reverendo Samuel Parris, pai de Betty e tio de Abigail. Para descobrir a identidade das bruxas as crianças foram pressionadas para dizer nomes, e assim começaram por nomear três mulheres: Títuba, escrava do Reverendo Parris, Sarah Good e Sarah Osborne, todas elas mulheres pobres e mal vistas na comunidade.

E então essas meninas tomaram o gosto pelas denúncias.

A princípio apenas as mulheres desprotegidas eram nomeadas, mas a partir de um determinado momento, a escalada de loucura ficou descontrolada, atingindo qualquer pessoa, quer seja mulher ou homem, no entanto, é curioso verificar que, de todos os acusados, pelo menos aqueles que foram executados, todos eles tinham um factor comum com as suas acusadoras…

LIVRO

Ann Rinaldi, escritora norte-americana, efectuou um brilhante trabalho de investigação para tentar recriar todo aquele ambiente e cenário de Salém de 1692.

E é brilhante essa recriação.

De todos os personagens criados, apenas dois ou três são fictícios e todos eles sem expressão na história.

O personagem central é Susanna English, filha mais nova de Philip English, homem rico e importante de Salém, que não vivia propriamente em Salém Village, mas sim nos arredores, numa casa grande, luxuosa e cheia de criados.

É esta a personagem que nos vai narrar o que aconteceu naquele estranho ano. Como começaram as acusações, o que estava por detrás dessas acusações, estariam essas crianças realmente possuídas ou tudo não passou de uma invenção?

Assente em dados históricos rigorosamente investigados e verídicos, Rinaldi consegue transmitir-nos muitas das percepções e do clima da altura, sendo fácil perceber a enorme tensão social e religiosa que devastava aquela comunidade.

Pessoalmente, gostei imenso do livro e foi também uma agradável surpresa.

Isso porque o tema nunca me havia despertado o interesse e depois porque o próprio livro é curto e muito fácil de ler. Pensei assim que a história seria muito abreviada, porém está lá tudo, inclusivamente as últimas páginas são notas da escritora a fundamentar o romance.

Mais do que um simples romance histórico, este livro é um manual sobre a onda de intolerância e fanatismo religioso que conduziram a uma autêntica caça às bruxas em 1692 em Salém.

Quem se interessar pelo tema, e embora existam alguns livros que analisam o caso, este ”Processo das Bruxas de Salém”, revela-se um instrumento útil e simples sobre o caso e os interesses ou questões que estiveram por detrás dessas terríveis acusações.

Uma Campanha Alegre - Eça de Queirós

Em 1871, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão formavam uma dupla que “arremessava” farpas a vários sectores da sociedade portuguesa, estas eram publicadas em jornais e em jeito de folhetins.

Durante dois anos, e segundo o próprio Eça, decidiram ”farpear até à morte a alimária pesada e temerosa”, no auge da juventude, das suas capacidades e cientes do seu já importante papel no meio intelectual, não cessaram de escrever textos irónicos e alegres sobre o estado de Portugal.

Esses textos, levados e tomados por uma campanha alegre, pretendiam mostrar o quão ridículo era o comportamento de certos sectores, assim como servir a justiça e a verdade, demolindo a acerba, má educação, má formação e interesses instalados.

Honestamente desconheço se esses irónicos textos tiveram algum impacto ou algum papel preponderante, ou mesmo se os alvos escolhidos se sentiram, no entanto o que sei é que esta campanha alegre é um riquíssimo fresco da sociedade portuguesa da 2ª metade do século XIX, servindo para o actual leitor se aperceber o estado do país e, curioso, constatar as imensas semelhanças entre essa sociedade e a actual, ou seja, não se aprende rigorosamente nada.

Eça de Queirós resolveu publicar essas farpas vinte anos depois. E fê-lo porque o seu camarada Ortigão publicou a sua obra “Farpas”, incentivando Eça a fazê-lo também, pois e segundo Ortigão, umas complementavam as outras.

E é assim, numa intrépida alegria, num riso que peleja contra a Tolice e a ignorância, que Eça desata a “bater” nos males da douta e fastidiosa sociedade portuguesa, cheia de bem e tradições falsas de cavalheirismo bacoco e manhoso.

Dividido em dois volumes, pelo menos a edição que possuo, o primeiro volume tem 34 “farpas” e o segundo possui 35.

De toda esta parafernália de textos cáusticos, poderia aqui destacar uns tantos que assentam como uma luva na nossa podre sociedade, no entanto não o farei porque e embora sejam crónicas soltas, todas elas têm uma lógica e uma interligação que faz com que esta ”Campanha Alegre” seja um género de edifício em que cada farpa significa um tijolo.

Alguns dirão que alguns destes textos carecem de actualidade. É um facto! Mas para se perceber do porquê do actual estado do país, seria bom as pessoas se debruçarem sobre o passado e deixarem, de uma vez por todas, a imbecilidade e obtusismo que graça em todos os sectores da vida portuguesa, pois e acreditem, até ler sobre o estado do exército português de 1871 tem interesse.

Porém, se estiver a borrifar para a História, se se interessar apenas pelo dia de hoje, então esqueça esta obra, pois é uma tremenda perca de tempo e qualquer joguito de futebol ou uma qualquer novela com actores fanhosos, é muito mais interessante.