Ferreira de Castro era um homem que gostava de conhecer o ser humano em todas as suas vicissitudes, um estudioso das questões sociais, utilizando as suas observações para a realização da maioria dos seus livros.
“Terra Fria” é um dos romances onde ele aplica o fruto das suas longas observações, traçando-nos um retracto da vida do povo do nordeste transmontano, evidenciando o sofrimento, a luta quotidiana e o modo de vida quase medieval que se fazia sentir nos início dos anos 30 do século passado.
E, para mim, é aqui que reside a principal beleza deste romance. Escrito em 1934, Ferreira de Castro pretendeu transmitir a imagem da vida nessa região. Hoje em dia, 80 anos depois, esse cenário desapareceu ou poucos vestígios existem, pelo que é nas páginas de “Terra Fria” que descobrimos esse passado e que faz deste livro uma espécie de romance histórico.
Aldeia de Padornelos, Montalegre. Leonardo luta dia a dia pelo sustento da sua família. Ele a mulher, ainda sem filhos, procura em trabalhos esporádicos e principalmente no contrabando, ganhar algum dinheiro enquanto sonha em se estabelecer por conta própria com uma venda (espécie de mercearia que ainda conheci no Alentejo nos anos 80).
É neste contexto que Ferreira de Castro nos descreve a actividade do contrabando, tão em voga nessa altura. Mas o autor vai mais longe.
Volta a Padornelos um homem que havia estado emigrado nos Estados Unidos e, como era apanágio, fica conhecido pelo “americano”. Depressa dá mostras da sua riqueza que o leva a ser considerado um dos homens mais importantes e influentes da aldeia e é ele que dá origem ao drama que irá assolar a aldeia.
É um romance que nos faz sentir uma constante solidão. Somos assaltados por imagens de uma terra desoladora, fria, onde a pobreza é a única condição conhecida e onde o rico julga ter todo o poder sobre o pobre. A meu ver, Ferreira de Castro para além de evidenciar a pobreza do Portugal profundo, nesse caso em Trás-os-Monte, lança aqui uma crítica feroz ao abuso de poder do regime caracterizado no “americano” e a sua forma de agir.
Acabo de encomendar este livro que há tanto anos ando para ler. Um livro com um peso especial já que ele foi escrito em casa do meu bisavô,em Padornelos. :)
ResponderEliminarTambém foi realizado um filme baseado na obra. Muitos conhecidos participaram como figurantes mas nunca cheguei a ver. Ando à procura dele...
Boas
ResponderEliminarRefere-se à casa onde está a lápide?
Ele passou lá uns tempos mas não escreveu o romance ali.
O filme é uma raridade..só está disponível na cinemateca nacional. Talvez a bibioteca de Montalegre o tenha na sua videoteca.
O romance é bom e Padornelos é uma terra extraordinária.
Penso que o romance não tem rigorosamente nada a ver com o regime. Alias é uma enorme tristeza ver que em Portugal depois do 25 de abril tudo é crítica ao regime...
ResponderEliminarSe for ao Barroso constatará que o dito regime goza de folgada popularidade. Além do mais o "regime" havia sido institucionalizado em 1933, e "Terra Fria" foi escrito entre 1934 e 1935..demasiado em cima do acontecimento e no momento em que o regime mais gozava de popularidade.
Vai um pouco atrasado, este comentário, mas espero que ainda vá a tempo.
ResponderEliminarContrariamente ao que diz o autor do texto, o romance não se desenrola no nordeste transmontano, mas sim no noroeste transmontano.
Cumprimentos.