29 de Novembro de 1807, D. João VI, acompanhado por 10.000 a 15.000 pessoas, todas elas, obviamente, ricas famílias e membros do clero e da casa real, foge de Portugal rumo ao Brasil, no que foi a maior e, penso, a única transladação de uma corte, fugindo e abandonando um povo ao “Deus dará” para procurar refúgio no desconhecido mas que, sabia esse reizinho, refúgio num local bem longe da confusão.
Confesso que D. João VI sempre me meteu nojo e, depois de ler este livro, mais nojo me mete e, refiro aqui, devia ser um personagem apagado da História de Portugal, pois nem merece a referência numa única linha da nossa História. Porém e isso é caricato, são os brasileiros que lhe devem alguma reverencia, pois e mesmo que continuem a ironizar e achincalhar com a sua personagem, a ele devem o país que hoje são e a sua identidade.
Não acreditam? Este livro prova-a de uma forma inequívoca.
Em fins de Novembro, D. João VI pira-se para o Brasil com toda a chusma de gentalha vampírica que foi chupar o erário público. Nada do que não acontece hoje em dia, sabemos. Deixaram para trás um povo atónito que, abandonado à sua sorte, se viu sob o domínio dos franceses enquanto esse rei javardo se banqueteava com a sua horripilante a deficiente mulher em terras de Vera Cruz. Claro que muitos acharam uma honra receber a corte no outro lado do oceano. Pouco depois, eram os ingleses que chegavam a Portugal e que, com a ajuda do próprio povo, defendiam o território luso enquanto esse reizinho cobarde engordava e descansava.
Laurentino Gomes traça todo esse panorama. Desde a partida cobarde e apressada até ao infeliz regresso. Nos entretantos, são aqui dessecados os 11 anos que a corte se manteve no Brasil e, sobretudo, da imensa importância que essa fuga teve para a criação da identidade brasileira e da própria independência ocorrida dois anos após o regresso da corte a Portugal.
Confesso que a grande maioria dos factos aqui narrados, não eram do meu conhecimento. Achei irónico constatar que D. João VI foi uma personagem de facto muito importante da época e, mesmo a História referindo que foi o único que enganou Napoleão, o mesmo ter ficado como alguém que, com a sua política medrosa, fez edificar e unir um país que, sem esse acontecimento, hoje em dia, seria um conjunto de pequenos países independentes tendo apenas por base a mesma língua, como acontece com os países de expressão castelhana na América latina e do Sul.
Li o 1808 ha uns anos e ainda nao tenho bem a certeza do que achar. Esta' bem escrito mas achei-o um bocado tendencioso contra Portugal. E' sempre complicado aceitar alguem nao-Portugues a criticar-nos, mas houve partes em que achei que o problema nao era mesmo meu.
ResponderEliminarEscrevi a minha mini-review em Ingles (http://thesleeplessreader.com/2010/08/01/holiday-reading-overview-im-back/). Mas um highlight:
The book gave me lots of food thought and a sort of split personality disorder between me the “objective” reader and me the Portuguese reader. (...) I don’t know enough about the events to doubt the historical facts presented, but it was clear that Gomes meant to pass on a very distinct image of the two countries: Portugal represented the old world – decadent, corrupt, stagnated and fearful, while by contrast Brazil was the new world, beautiful, fresh, a land of adventures, riches and possibilities.
I guess my biggest resentment with 1808 was that Gomes built this feeling of pride through an extremely negative comparison with Portugal. Even though Napoleon called our King “The only one who fooled me”, and the fact that this is also a story of survival and liberation for Portugal (the flight to Rio kick-started the end of the Portuguese absolute monarchy), a Portuguese reader is left with only a feeling of shame and slight irritation.
(e depois dei alguns exemplos)
Desculpa estar em Ingles, mas nao me estava mesmo a apetecer traduzir :) Ainda bem que encontro alguem a "blogar" sobre este livro, lembro-me que quando o li andei 'a procura de outras opinioes de Portugueses, para saber se era mesmo so' eu a sentir a picada.
Na tua review tambem es' bastante critico das decisioes do João VI, mas pareceu-me que o 1808 estava bastante tendencioso. Foi uma decisao cobarde? Talvez (e definitivamente a fuga foi muito mal organizada). Mas a verdade e' que nessa altura eles nao tinham como lutar e ao fugir evitaram ter de abdicar ou partilhar o poder (o que aconteceu em Espanha). Portugal era o único porto na Europa não controlado pelos Franceses, e foi por ele que entraram as tropas Inglesas que depois foram avançando pela Europa.
Anywhoo... grande testamento! Acho este debate super interessante e nao discutido o suficiente em Portugal.
Olá Alex!
ResponderEliminarSim, eu sou muito crítico em relação à política e governo de D. João VI, porque não suporto alguém que supostamente é o comandante abandonar o “barco” deixando os seus passageiros (povo) entregue ao destino. E foi isso que D. João VI fez, levando atrás dele todos os tesouros do país e a escumalha que, tal como hoje, se inseria no seio da corte para dela viver.
Independentemente de acharmos que D. João fez a única coisa que lhe podia ter feito manter o império, o certo é que correu o sério risco de perder Portugal. Ou seja, ele preferiu fugir do que defender o seu território que lhe foi legado por gerações de Grandes Reis e onde, para o manter, morreram milhares de pessoas sucedendo o mesmo na defesa da nação contra as tropas de Napoleão.
Sinceramente não achei o livro tendencioso, até pelo contrário, o autor até é bastante generoso com D. João e a sua corte, ao ponto de nos dar provas que foi essa fuga que permitiu ao Brasil ser o país que é hoje em dia. Repara que a figura de D. João VI e da Carlota Joaquina é autenticamente gozada e caricaturada no Brasil. O autor mostra que é uma injustiça.
Pessoalmente acho que se D. João ficasse, teria todas as hipóteses de defender o país e até sair vencedor. Foi o que aconteceu, mas não foi devido a ele mas sim, e isso é verdade, aos interesses dos ingleses. Mas pronto, o que eu não perdoo é a falta de consideração e imensa cobardia desse rei. Nota que a pressa foi tanta, que deixaram em terra caixas e caixas contendo tesouros, alguns deles confiscados pelos franceses e que perdemos para sempre.
Iceman,
ResponderEliminarnunca tinha pensado o suficiente nesse triste episódio da História portuguesa para formar uma opinião fundamentada. Ao ler o teu asco pela atitude cobarde da corte portuguesa fiquei completamente de acordo com os teus argumentos.
Esta é uma temática muito interessante.
Gostei da tua opinião e do teu ponto de vista.
Abraço.
Um Rei e' mais do que o capitao de um navio, e' supostamente o simbolo de um Pais soberano e independente.
ResponderEliminarUma coisa e' certa: era impossivel manter um trono/pais independente ficando em Lisboa, por isso as opcoes eram: fugir ou perder "o seu território que lhe foi legado por gerações de Grandes Reis". Tendo estas opcoes, ele tomou a decisao que numerosos chefes de Estado antes e deppis dele tomaram: fugir. O Rei da Suecia fugiu para o UK durante a invasao Nazi, o movimento de resistencia Frances (de Gaulle) tambem trabalhou a partir de Londres. Alias, havia uns 20 governos a trabalhar a partir de Londres durante a 2a Guerra Mundial.
O povo sofreu (como sempre acontece em guerras) mas teria sofrido menos caso a família real tivesse permanecido?
Expemplo do que aconteceu em Espanha: aliou-se 'a Franca depois da ascensao de Napoleao, mas em 1808, obrigaram o Rei Carlos IV a abdicar a favor do filho, Fernado VII, que mais tarde foi deposto (e preso), e no trono foi colocado Jose I, irmao de Napoleao, que ficou lá ate 1813. Foi so' uma decada de reinado Frances em Espanha, mas nessa altura eles nao poderiam saber quao permanente o dominio ia ser, certo? E estamos a falar de um pais muito mais poderoso do que Portugal.
Discussao interessate!
Olá Alex.
ResponderEliminarSim, de acordo que o rei é mais do que um capitão, mas penso que a analogia foi a que melhor descreve o que eu penso.
Eu não discuto a estratégica política de D. João VI, no entanto não vamos agora escamotear ou maquilhar essa fuga que de heróica não teve rigorosamente nada. Eu tenho conhecimento dos interesses que, nesse tempo, minavam a forma como o governo português se movimentava. Sei dos interesses britânicos e dos jogos estratégicos e da forma como o rei tentou negociar com os franceses e com os britânicos. Porém, sabemos também que D. João VI, pela forma como agiu, pensou logo, assim que os problemas surgiram, em fugir para o Brasil e foi o que fez, de uma forma super apressada assim que chegaram as notícias que o exercito francês estava a cruzar a fronteira.
Vergonhoso, é sabermos também que diante desse exercito vinha um general sem grande experiência e que até tinha fama de péssimo estratega. Um conjunto de soldados quase todos imberbes e esfarrapados. Ou seja, um exercito português formado com brio e com a antecipação que D. João VI teve, teria feito frente e, muito provavelmente, vencido esse exercito francês. Mas Napoleão sabia da cobardia desse rei e enviou a reserva da reserva francesa e, mais humilhante, chegam a Portugal e tomam o exercito português e mandam-no, ao serviço de Napoleão, morrer na Rússia, pois decerto deves ter conhecimento que para lá foram enviados milhares de soldados portugueses comandados por Pedro de Portugal e que a sua grande maioria morreram ao serviço do invasor.
E é isso que interessa analisar, o resto são ses.
Facto indesmentível é que ele fugiu. Não perdeu Portugal, o tal território legado por gerações de Grandes Reis porque simplesmente não calhou e porque teve a sorte de milhares de portugueses se rebelarem com a ajuda dos britânicos. Facto indesmentível é que a sua fuga para o Brasil a fim de não o perder, não lhe serviu de grande coisa, porque dois anos após o seu regresso, 1822, o Brasil tornou-se independente.
É curioso constatar que foi ele o grande responsável pela independência do Brasil. No entanto foi também ele o grande responsável por um ideal uno brasileiro. Ou seja, a meu ver, esse rei em nada beneficiou Portugal, apenas o prejudicou.
Acho que este e' um dos casos em que vamos ter que amigavelmente concordar em discordar. Eu nao vejo a decisao de fugir assim tao a preto e branco. Acho que tudo se resume 'a nossa opiniao individual em relacao a "lutar pela honra da nacao, mesmo quando as hipoteses estao contra nos!" ou, como Fernando Pessoa diria, "Tudo vale a pena se a alma nao e' pequena", que soa lindamente, mas nao foi ele que sofreu de escorbuto numa caravela a caminho da India, certo? :P
ResponderEliminarAte que ponto o preco da honra e' demasiado caro? Discusao que vai existir indefinidamente.
Uns ultimos comentarios, e tambem a entrar no Reino dos Ses, como tu muito bem disseste:
- "um exercito português formado com brio e com a antecipação que D. João VI teve, teria feito frente e, muito provavelmente, vencido esse exercito francês" - isto e' um GRANDE Se.
D. João VI teria de ter a ilusao de um D. Sebastiao* para pensar, naquela altura, que o exercito Portugues poderia alguma vez derrotar os Franceses!
- "Mas Napoleão sabia da cobardia desse rei e enviou a reserva da reserva francesa" - Se o nosso Rei fosse corajoso e Napoleao o soubesse, entao mandava um exercito mais forte, o que ia dar ao mesmo ou pior.
- Nao fazia ideia que houve militares Portugueses a lutar na Russia! Ainda andei 'a procura na net e nao encontrei nenhuma informacao. Podes dar-me alguns links?
* Qual a tua opiniao sobre o D. Sebastiao, esse grande heroi Portugues, que pela Patria e Igreja quis conquistar os mouros. Bravura ou Loucura?
Links desconheço, mas sobre os batalhões portugueses na Rússia ao serviço de Napoleão, tens informação no livro: O Último Távora de José Norton (http://nlivros.blogspot.com/2007/12/ltimo-tvora-jos-norton.html)
ResponderEliminarEncontras também uma referência que, inclusivé, até fala em números neste próprio 1808. E, de uma forma muito leve, no livro "Marquesa de Alorna" de Maria João lopo de Carvalho, pois Leonor de Almeida Portugal era irmã de Pedro de Portugal.
Agora sobre D. Sebastião, enfim, aí confesso que não tenho conhecimentos suficientes para ter uma opinião clara. Sei que foi educado por jesuítas e que cresceu embuido nos valores de cavalaria que o levaram a Alcacer-Quibir de uma forma lunática. Para ajudar, tinha uma corte sirvilista e que lhe fazia todas as vontades. Essa campanha levou o país à ruína que, quiça, nunca mais recuperou e, não podemos equiparar D. Sebastião a outro qualquer.
Vejo D. Sebastião como uma espécie de D. Quixote e digo-te mais, não me admirava nada que Cervantes se tivesse inspirado em D. Sebastião, que desaparece em 1578, para criar a personagem de D. Quixote, publicado em 1605 quando o autor contava 58 anos.