Yasmina Khadra é, para mim, a grande
revelação de 2012.
Embora já tivesse ouvido falar de alguns
dos seus romances, sobretudo as “Andorinhas de Cabul”, confesso que pouco
interesse me havia despertado os livros deste autor argelino, até que me
deparei com a obra “O que o Dia Deve à Noite” e fiquei rendido à sua escrita
sublime e, principalmente, à sua capacidade de enlevo que apenas os Grandes
Escritores, aqueles que nasceram com o Dom da escrita, possuem.
Cada Dia é Um
Milagre (no original “L'équation africaine”), é o seu mais recente romance e
tem a mão do génio, o enlevo que nos embala por uma narrativa belíssima, mas
igualmente crua e nua que mostra a essência do Continente africano, a violência
do quotidiano que o mestre Yasmina vai pincelando numa tela que os nossos olhos
vão apreciando com horror, hipnotizados pela magia que cada palavra encerra.
E o principal personagem é mesmo
África.
A África de
Yasmina Khadra que nos entra alma dentro ávida de ser ouvida, é como um grito
lancinante de sonhos perdidos, projectos inacabados, de contrastes infames, um
futuro adiado cujos responsáveis são aqueles que juraram governar em nome do
povo mas que fecham os olhos e até contribuem no selvático despojo diário a que
a gente simples, rude do povo está sujeita sem poder reagir, sem qualquer tipo
de defesa do que aquelas ajudas humanitárias que diariamente assistimos pela
televisão no conforto do nosso lar. Uma África onde a vida humana vale tanto
como um grão de areia de qualquer deserto inóspito.
E é isso que Yasmina nos mostra
de uma forma quase surrealista.
Tudo se inicia com
um suicídio que eu considero a própria contra-metáfora do que a partir daí se
vai desenrolar. Mais à frente, o autor cogita sobre o assunto e refere, como é
possível, alguém que tudo tem, um bom marido, dinheiro na conta bancária,
saúde, amigos e família, suicidar-se por uma questão supérflua?
Kurt Krausmann
vê-se num turbilhão de emoções e desgostos. Sem saber bem o que fazer da sua
vida, resolve aceitar o convite do seu amigo de longa data, o milionário e
benfeitor Hans, numa viagem humanitária às Comores.
No entanto e já em
águas internacionais, o veleiro é atacado por piratas e inicia-se aí um
trajecto feito de humilhações e violência, mas igualmente um trajecto de
descoberta de uma África completamente desconhecida, mas também um processo de
autodescoberta que irá mudar para sempre a vida de Kurt.
Embora seja África
o centro do livro, todo o livro acaba por ser também uma intensa reflexão sobre
a natureza humana e a forma como o local e as circunstâncias moldam essa
natureza, a forma impressionante como o ser humano se adapta a qualquer
condição. Ou seja, sobressai que cada ser humano só é diferente entre si pelo
seu passado que lhe moldou as características, pelo meio onde vive e o que
observa. Por outro lado, o livro é também um hino à vida e à importância que
pequenas coisas, que não damos valor, podem ter na nossa vida e o quão
importante se tornam quando não as temos. Isso sente-se de uma forma muito
violenta aquando do suicídio que marca o início do livro e que se vai sentindo
ao longo de toda a obra.
São estes os dois principais
pilares da obra que o autor nunca deixa cair.
No entanto, em
contraposto, o autor também desenvolve uma mensagem de esperança, não só para
África, como também para o género humano que, no fundo, sabe ser generoso, sabe
perdoar e fazer o bem ao seu semelhante. Há um personagem que é a síntese desse
paradigma e, mesmo sendo apresentado aos nossos olhos como o monstro que
exemplifica a violência em África, acaba por se tornar, ele próprio, o exemplo
da moldagem humana segundo as circunstâncias.
Um livro
fascinante que me comoveu pelos seus contrastes e pela forma como me fez
meditar no bem e no mal, no supérfluo e no essencial, na alegria e riqueza de
estar vivo e de saúde num local aprazível que me fornece estabilidade e condições
para viver com dignidade.
Mais uma obra belíssima
e envolvente de um escritor que muito aprecio.
Vive cada manhã como se fosse
a primeira
E deixa ao passado os remorsos
e as más acções,
Vive cada noite como se fosse
a última
Porque ninguém sabe de que
será feito o amanhã
Oi...
ResponderEliminarParece ser muito interessante, principalmente que nos faz pensar no nosso eu.
Vai ser meu próximo livro ;)
Parabéns, pela ótima opinião.
Beijos
Olá Iceman,
ResponderEliminarEstou precisamente a meio do livro. Estou a gostar muito, mas não tanto como o primeiro: "O que o dia deve à noite". Sei que é bastante diferente, aqui pretende-se dar a conhecer África e a sua rudeza... na outra outra obra há um toque mais "quente" a fazer contraste com as injustiças da Argélia Colonial...
Por enquanto é o que me parece :)
Oi.
ResponderEliminarSim, um livro excepcional que nos faz pensar na nossa vida e nas pequenas coisas que a compõem.
Olá Paula!
ResponderEliminarSim, pessoalmente também gostei mais do "O que o dia deve à noite", um livro diferente deste.
Em todo o caso a beleza da escrita, o dom, está lá e achei este livro igualmente excepcional.
Olá Iceman,
ResponderEliminarTerminei de ler o livro há pouco e quase que retiro o que disse anteriormente. "Quase" porque o capitulo dedicado a "blackmoon" eu tinha achado extenso e quase saturante no que respeita a mostrar a rudeza de África, no entanto quando entrei no capitulo "Regressos" rendi-me completamente à escrita e às reflexões!! Achando também que a parte Blackmoon tinha todo o sentido de ser extenso, para assim fazermos o balanço com o personagem do antes e depois! ADOREI!!!
Olá Paula!
ResponderEliminarPercebeste então de onde vinha os excertos. Curioso, não é?
Eu também adorei o livro, pese embora continue a preferir "O que o dia deve à noite", igualmente belo na sua escrita, mas com um tema que me cativou mais.
Este é mais duro.