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segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Livros dos Mosquetes (O) – Emílio Miranda


Uma crónica japonesa (crónica do mosquete ou Teppo-ki) refere que no dia 23 de Setembro de 1543 um junco chinês com três marinheiros portugueses, que se dirigia para Liampo, sofreu uma violenta tempestade e foi parar à ilha de Tanegashima no Sul do Japão. Na altura os portugueses já mantinham um intenso contacto comercial com a China e julga-se que tinham já conhecimento da existência dessa ilha a que davam o nome de Cipongo, até porque há muito que os chineses e coreanos mantinham trocas comerciais com o Japão.

Em todo o caso, pode não ter sido bem como a crónica de Teppo-ki menciona, pois há provas que apontam para a chegada de três naus portuguesas, efectivamente em Setembro, comandadas por António Peixoto, António da Mota e Francisco Zeimoto que desde logo encetaram contactos com as autoridades locais com o objectivo de comércio.

Ou seja, duas histórias distintas. Uma mais aventureira e a outra mais real que se coaduna mais na forma como os navegadores portugueses agiam.

O Livro dos Mosquetes pretende dar-nos uma visão da chegada dos portugueses e das percepções e considerações de ambos os lados, sobretudo no que respeita aos usos e costumes dos japoneses e da terrível invenção que os portugueses dão a conhecer: o mosquete.

E o livro surpreendeu-me pela sua qualidade.

Numa escrita fluída e intervalada por capítulos muito curtos, o autor vai construindo um trama que se inicia com o naufrágio do junco e da chegada a terra da sua tripulação. Nos dias em que esse junco se encontra em reparações, João Boavida enceta os primeiros contactos com aquele estranho povo e decide, com a autorização do seu capitão, permanecer junto desse povo até ao regresso dos portugueses. O objectivo é de estabelecer contactos comerciais e políticos com a autoridade (Daímo), aprender os costumes e hábitos enquanto vai espalhando a sua cultura europeia.

Para o poderoso Daímo (senhor feudal) é uma honra hospedar um estrangeiro, ainda mais porque compreende que aquela arma lhe pode via a ser muito útil e dessa forma ganhar mais poder juntos dos outros daímos. De notar que o Japão estava organizado numa sociedade milenar, de hábitos e regras muito rígidas que estipulavam o direito à vida e à morte dos senhores feudais sobre o povo. Samurais orgulhosos da sua descendência compunham a elite social e a preparação para a guerra era uma constante, aliás, a guerra era quase o único objectivo de um samurai.

É nesse contexto que João se vai confrontar e daí surgem contraste enormes, não só de costumes culturais, como e principalmente, de filosofias de ser e estar. Nesse sentido adorei o livro e a forma como o autor conseguiu explorar e evidenciar esses contrastes. Por um lado temos um representante de um povo que andava a desbravar mares e a descobrir outros povos. Do outro, um povo que vivia isolado mas que possuía um enorme apreço pela sua cultura milenar. O português representava um povo que, preso pelas agrilhoas da religião, desprezava o corpo (por exemplo) e que tinha uma perspectiva arrogante e até pesada face a várias questões. Os japoneses retiravam prazer de pequenas coisas, eram limpos e organizados e tinham um enorme respeito pelos seus deuses mas sem caírem na idolatria que, por exemplo, os bárbaros do sul, conforme chamavam aos portugueses, se atolavam.

Para mim essa é a principal virtude do romance. O contraste entre culturas e a curiosidade em perceber que, de facto, o ser humano a tudo se adapta, sobretudo quando se apercebe que o local onde vive lhe moldou o caracter e que agora é uma pessoa melhor.

Curiosas as considerações e as ilacções que Boavida vai tirando de tudo o que observa e vive. Fica assombrado pela forma livre e despudorada como os japoneses vêm o sexo que, conforme João refere a certa altura, seriam considerados heréticos e indignos na Europa, no entanto João percebe que o sexo é algo natural, uma necessidade para o corpo e para o espírito que permite às pessoas sentirem-se plenas e felizes.

Gostei muito do livro e surpreendeu-me a qualidade da escrita e a forma clara e honesta como o autor expõe um conjunto de factos que ajudam a compreender o estabelecimento de relações entre os portugueses e os japoneses. A forma como descreve o impacto de uma cultura completamente oposta é algo que muito me agradou e que tornam o livro, a meu ver, um bom veículo cultural.

Altamente aconselhável!

3 comentários:

  1. Dá ideia que é um Xógum à portuguesa. :D

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  2. Olha, sim é um pouco isso. Só que aqui o protagonista é português.
    Mas sim, é bem observado!

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  3. Não conhecia o livro, mas fiquei curiosa. Para mim, os pormenores da narrativa determinam a sua qualidade :)
    Boas leituras!

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