Eu: “Chaval,
acabei de ler um livro brutal, poderoso, espantoso!”
O
Outro: “Bah, não gosto de livros, aborrecem-me, fazem-me sono!”
Eu: “Não
sejas ignorante chaval, em vez de passares o tempo a olhar para a bosta do
telemóvel e a ver vídeos ou a jogar, experimenta passar esse tempo a ler um
livro, vais ver que ficas menos ignorante…”
O
Outro: “Para quê que eu quero ser menos ignorante?”
Eu: “Olha,
por exemplo, para saberes responder a algumas perguntas daqueles concursos
televisivos que tanto gostas. Assim, pelo menos até podes ficar a saber que o
Vesúvio é um vulcão, por exemplo”.
O
Outro: “Bah, tretas!”
Eu: “Pois
é chaval, já vi que a ignorância é um estado de espírito”
O
Outro: “Um quê?”
Eu: “Deixa.
Mas posso pelo menos contar-te um pouco do livro que acabei de ler e que se
tornou um dos meus preferidos?”
O
Outro responde com cara de enfado sacando da bosta do telemóvel de 500€, “Ok,
conta lá!”
Eu: “As
andorinhas de Cabul, de Yasmina Kahdra. Um livro muito fininho, que se lá num
ápice, eu demorei umas 5 horas a lê-lo, mas que possui várias e poderosas
mensagens, sobretudo uma narrativa pungente sobre uma país que durante algum
tempo teve sob o domínio do fundamentalismo religioso que, muito em voga está
nos nossos dias devido a essa praga do estado islâmico”.
O
Outro: “Hum, hum…”, disse sem tirar os olhos da porcaria do telemóvel.
Eu,
continuei: “Em menos de 200 páginas, Yasmina, que é um dos grandes escritores,
narra a história de quatro personagens que vivem Cabul sob o regime de terror
dos Talibans, sobretudo o romance centra-se na horrível vida da mulher afegã
que, ostracizada por um regime violento e fundamentalista, tenta sobreviver e
manter um pouco de dignidade. No entanto, ao longo da obra, Kahdra, vai-nos
dando uma perspectiva da realidade e deparamo-nos com algo que está muito além
do que era noticiado na altura, pois a “pedra de toque” dessa sociedade é logo
sublinhada no início quando uma mulher é publicamente apedrejada até à morte
porque cometeu adultério. Não se sabe bem se ela foi a adultera ou se o
adultero foi o homem que foi descansado à sua vida, mas aqui, quem sofre as
consequências é a mulher, assim como consequências de tudo. Uma parte que me impressionou,
é quando um dos protagonistas consegue convencer a sua inteligente e
intelectual mulher, que ele efectivamente ama, a dar um passeio com ele. Ela resiste,
pois antes do aparecimento do regime Taliban, ela havia sido uma brilhante
advogada e agora estava condenada à vida doméstica e a andar obrigatoriamente de
Burka sempre que saísse, algo que ela se recusava. Mas enfim, o marido insiste,
insiste e ela lá acede. No entanto a meio caminho, eles são mandados parar por
um Taliban que obriga o marido a ir para uma mesquita ouvir a prelecção de um lidei
religioso qualquer, enquanto a mulher fica à espera dele sob um sol escaldante
e sob uma temperatura de mais de 40ºC. Bom, é arrepiante a descrição que se
segue e dá bem a representação da violência e da forma inumana como as mulheres
e inclusive os homens eram tratados."
O
Outro: “Hum, hum…”, disse sem tirar os olhos da bosta do telemóvel.
Eu: “Embora
o título seja uma analogia às mulheres afegãs, que ocultadas atrás das burkas
que as condenam a viver como Nuvens de Andorinhas, penso que o autor vai muito
mais longe e isso é algo que ressalta nas últimas páginas, quando um desvairado
Atiq, procura por toda a Cabul a esposa, ela própria entretanto executada no
estádio diante de centenas de pessoas que lá se dirigem como se fossem a um
espectáculo desportivo. Outro drama que o autor expõe é, quando logo a seguir a
essa execução, narra, como se fosse algo normalíssimo, um grupo de crianças que
se entretém simulando as execuções diante do beneplácito e sorridente grupo de
pessoas que assistem enlevados…” continuei: “Em suma, Yasmina Kadra, expõe de
uma forma clara e lúcida a tragédia de uma sociedade dominada pelo
fundamentalismo religioso que esmaga o próprio povo em prol de algo complemente
insano que eles próprios não conseguem explicar, pois aqui e ali o autor vai
pintando algumas considerações que nos permitem retirar essas conclusões."
O
Outro: “Brutal…”
Eu: “Sem
dúvida, um livro brutal, pungente e trágico que aconselho a todos que gostem de
um bom livro.”
O
Outro: “Não pah, brutal porque já saiu uma actualização desta app”, disse
virando o excremental aparelho para mim.
Eu,
de boca aberta, disse: “Vai-te catar, ignorante”
Ele
riu-se e lá continuou a dança dos polegares.
“…
Esse nunca vai saber que o Vesúvio é um vulcão, muito menos onde fica…”, pensei, abandonando o local e deixando-o entregue ao vício insciente da sociedade
ocidental.
Como sabes gosto da escrita de Yasmina, vou ver se encontro esse livro para ler ^_^
ResponderEliminarOlá Paula!
ResponderEliminarOlha, este livro, estranhamente, há muito tempo que se encontra esgotado na editora sem reedição planeada.
Lá o consegui arranjar na biblioteca. Talvez te safes por essa via.