O Iluminismo ficou marcado pelo “Principio da Razão Suficiente” de Leibniz que considerava as “coisas são como são e não podem ser de outra maneira”. Esta corrente significava que o mundo real é o melhor dos mundos possíveis, logo, não aceitar o que o mundo nos dá é ir contra o poder criativo de Deus.
Em “Cândido”, Voltaire destrói esse principio, expondo-o ao ridículo e aqueles que acreditavam nesse principio ou dele se serviam.
Todo o livro é um ataque cerrado não só a essa corrente, como também a todos os que se serviam do poder para dele abusarem.
Inicia-se com um simples e cândido beijo e a consequente expulsão de Cândido do castelo onde vivia. Começa aí um périplo que o levará a conhecer praticamente todo o mundo civilizado conhecido, sofrendo desgostos, perdas e acidentes, enquanto que à volta dele a natureza se rebela ou o homem se rebela por ela…
É também visível a imensa desilusão com o ser humano. A certa altura, diz Cândido: “julgam possível que os homens sempre se hajam mutuamente massacrados, como o fazem agora e que sempre tenham sido mentirosos, velhacos, pérfidos, ingratos, salteadores, fracos, levianos, cobardes, invejosos, gulosos, bêbados, avaros, ambiciosos, sanguinários, caluniadores, debochados, fanáticos, hipócritas e idiotas?”
Mas a paródia continua implacável.
Os países que na altura dominavam o mundo são descritos de uma forma extremamente negativa. Para além de estarem mergulhados no fanatismo religioso, em todos eles sobressai a hipocrisia, a intolerância e a maldade. Portugal é visto como um país onde só se sabe queimar pessoas por tudo e por nada, ao ponto de Cândido se arrepiar quando, mais tarde, navega ao largo da costa portuguesa.
Até a literatura é ferozmente criticada e Voltaire tem a coragem de abordar alguns clássicos da Antiguidade classificando-os como aborrecidos e lixo.
Uma obra monumental, extremamente actual, que sublinha as doenças sociais do ser humano e onde, sinceramente, não vejo grandes diferenças do tempo de Voltaire com o actual. Ou seja, passados quase 300 anos, tudo está na mesma e quer-me parecer que daqui a 2000 anos nada se tenha alterado, pois e conforme se destaca na obra, a natureza humana não presta.
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