Para 2012 prometi a mesmo mim voltar aos clássicos. Não ler unicamente clássicos, mas ler clássicos que ainda não li e, quiçá, reler alguns que me marcaram e que há muito tenciono reler.
Dessa forma, foi propositado que o primeiro livro lido em 2012 fosse precisamente de um dos meus escritores preferidos, alguém que tão bem soube caracterizar a sua sociedade e o próprio ser humano, alguém que pouco oiço mencionar pelos vários blogs que frequento e muito menos leio opiniões sobre as suas obras. Um escritor impar, para mim, um escritor que irá figurar sempre nos melhores escritores de sempre: Leon Tolstói.
A Felicidade Conjugal, escrito em 1858, é o livro que podemos considerar que prefigura o portentoso “Ana Karenina” ou, se quisermos e pessoalmente assim o considero, o livro que serve de preparação a Karenina, uma espécie de ensaio a uma das obras maiores da literatura universal.
Refiro isso porque são perfeitamente perceptíveis as semelhanças entre as duas obras. Não só no aspecto narrativo, o que é normal, mas e principalmente, no aspecto de análise e do próprio contexto e da abordagem temática.
María Alexandrovna acaba de ficar órfã e vê entrar na sua vida, Serguei Mikhailovitch, o administrador da família que havia sido um grande amigo do seu pai e que a tinha visto crescer. Vivendo com Kátia, sua perceptora e Sónia sua irmã mais nova, as três levam uma vida isolada numa enorme casa algures numa aldeia russa, longe da civilização, longe de tudo.
É nesse contexto que entra nas suas vidas Serguei que, como administrador, toma conta dos negócios da família e começa a visitá-las amiúde. De início apenas para as colocar a par do estado do património da família, para depois começar a visitá-las como outro interesse: Maria.
Neste ponto Tolstói mostra o seu génio. Não esqueçamos o contexto, uma Rússia rural em finais da década de 50 do século XIX. Um país a lamber as feridas da Guerra da Crimeia que iriam manter-se por muitas décadas e que estariam no embrião da Revolução Russa. Longe de pensar na Revolução, Tolstoi consegue transmitir a imensa tristeza de um país que tentava erguer-se. Como? Utilizando um cenário macambúzio, cheio de imagens cinzentas, iniciando o romance com uma morte e com duas órfãs que ficam um pouco por sua conta, um género de metáfora à Mãe Russa que ficou mortalmente ferida na Guerra da Crimeia.
Mas o romance persegue.
Maria Alexandrovna vive numa espécie de Alegoria da Caverna que Tolstói persegue e tenta explorar.
Serguei Mikhailovitch é o único homem que Maria conhece e por ele começa a ter sentimentos que uma jovem é normal ter. Apaixona-se e sonha por uma vida edílica, cheia de amor ao lado de Serguei. No entanto, ele é bem mais velho e, ao se aperceber dos sentimentos de Maria, tem algumas reservas porque, sendo mais experiente, se apercebe que aquela pode ser um sentimento nascido da solidão e por não conhecer mais homem nenhum. Em todo o caso acabam-se por casar e inicia-se aí a segunda parte da obra.
A história é curta mas muita rica em termos narrativos e na abordagem a várias temáticas que, hoje em dia, são perfeitamente actuais.
O amor inicial, que se tem por fogoso, intenso e até feroz, vai-se transformando num amor mais sólido, mais pacífico e suave, muitas vezes até confundido com amizade. Tolstói explora isso e acerta na mouche. À medida que o romance avança, vamos observando que Seguei se transforma mais num pai do que num amante, e principalmente isso é visível, quando Tolstoi lança uma das suas atordoadas a um dos seus objectos preferidos: A Sociedade, pois é essa sociedade, hipócrita, que vive de aparências, supérflua, que vai ameaçar e transformar o casamento de Maria e Serguei. Nesse aspecto ficou claro para mim a intenção do autor em explorar a Alegoria da Caverna, pois Maria ao conhecer a sociedade de São Petersburgo, sai da caverna e conhece o mundo e a natureza, percebendo assim que a sua realidade estava longe da realidade dos outros.
Um romance genial de um autor genial que, quase 200 anos depois da sua escrita, não perdeu a actualidade e que nos ajuda a perceber o ser humano e o que o move. Um romance que li num ápice e me trouxe a alegria dos grandes clássicos e uma visão que o Tempo passa, mas o ser humano não muda, nem um milímetro.
Olá Iceman,
ResponderEliminarÉ tão bom quando lemos o que gostamos não é? :)
Este ano também farei menos parcerias a nível de leituras, pois acabo por ler livros novos e sem muito interesse :)
Assim, também alguns do Dostoievski para ler.
Lá vou ter de saber se a Barateira tem este livro que terminaste de ler do Tolstoi :)
Um abraço
Olá Paula!
ResponderEliminarSem dúvida e que saudades tinha de me embrenhar num clássico que me fizesse vibrar e conhecer uma sociedade e um tempo tão longínquo.
Uma das razões que acabei com as parcerias foi precisamente pelo facto de ter de ler algumas novidades muito más. Aliás, ou tenho tido muito azar, ou então é assustador o panorama editorial em Portugal, dada a porcaria que se edita.
Por falar em Barateira. Eu vou lá muitas vezes e tenho comprado excelente obras. A meu ver, é o melhor alfarrabista de Lisboa. Foi lá que eu deixei encomendado o último volume do tetralogia da Luisa Beltrão. Presumo que ainda te falte o último volume. Foi lá que encontrei os quatro livros. Hás-de perguntar se ele não to arranja. Geralmente ele arranja tudo o que pretendemos e os preços são fantásticos.
Em relação aos clássicos. Tenho ainda muitos por ler e este ano até vou voltar ao "nosso" Eça. Os clássicos ensinam-nos. A maioria dos livros actuais, nem para passar o tempo servem.
:D
Abraço!
Sim, falta-me o último da Luísa Beltrão :(
ResponderEliminarO Sr. Rui tem uma lista minha e penso que também este está incluído. Mas vou certificar-me :P
A Barateira é um espectáculo, se estivesse aí perto perdia-me lá :D
Quanto às novidades editoriais tens razão, as edições estão facilitadas pois o autor pode pagar uma percentagem para que o livro saia, no entanto nem tudo é sinónimo de qualidade.
Também apareceram editoras cujo objectivo é somente ganhar dinheiro com estas edições...
Eu também tenho algumas prateleiras de clássicos por ler :P
Abraço
Parece interessante. Acabei por não ler o Anna Karenina porque a altura era péssima e é um livro que necessita alguma atenção, mas queria ver se pegava nele este ano. No entanto, talvez vá pegar neste, se o encontrar nas BLX, como preparação para aquele. :)
ResponderEliminarWhite amiga!
ResponderEliminarSim, Anna Karenina precisa de alguma atenção e é uma pena lê-lo de uma forma fugida ou muito descontraída.
Eu adoro a escrita de Tolstói. Dificilmente não irei gostar de algum livro dele simplesmente porque gosto da sua forma de escrita e do seu estilo. Um pouco como acontece com Saramago.
Saramago é outro autor que queria experimentar este ano. :)
ResponderEliminar"A Sonata a Kreutzer" foi a obra que me levou à paixão pelo autor e a ler muitas outras obras dele, mas ainda continuo com o grande "Guerra e Paz" em falta. Um desafio que espero concluir para breve. :)
ResponderEliminarGuerra e Paz, para mim, é o LIVRO.
ResponderEliminarMas é uma obra que deve ser lida devagar e merece alguma pesquisa à medida que o vamos lendo. Já o li duas vezes e fiquei surpreendido quando constatei de tantos pormenores que me haviam escapado na primeira leitura.