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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Véu Pintado (O) – Somerset Maugham



Somerset Maugham é um dos meus autores preferidos e o seu nome significa para mim genialidade em diversos aspectos, não apenas como “contador” de histórias, como o considero um génio na arte de conduzir um texto ficcional, ou seja, considero-o um dos Grandes escritores de todos os tempos.

Servidão Humana” é uma obra-prima da literatura, um portento. Uma daquelas obras que considero obrigatória a qualquer leitor, uma obra que atinge patamares literários ao nível de um “Guerra e Paz”, “D.Quixote”, “Crime e Castigo”, entre outras preciosidades literárias. Hoje em dia o nome de Somerset Maugham é muito pouco divulgado, e eu lamento muito por isso, no entanto, há 40 anos atrás, Somerset Maugham era considerado um clássico no mesmo patamar de Heminghway, Tolstoi, Victor Hugo, Dostoievsky ou Dickens, porém e actualmente, vivemos numa Era de profundo e desalmado consumismo, onde qualquer um publica e onde a Qualidade parece não contar muito, pois e prova disso, basta ver os autores best-sellers e os títulos que mais vendem, a grande maioria que narram histórias fúteis, vazias de conteúdo e que têm apenas como única e exclusiva intenção entreter. Mas enfim, é apenas um desabafo e quem sou eu para criticar quem escreve esses livros e quem os consome.

Mas Somerset Maugham foi efectivamente um escritor genial. Nascido em 1874, pertence à velha escolha de Conan Doyle, Louis Stevenson, Walter Scott, Joseph Conrad, Bram Stoker, George Shaw, Oscar Wilde, Dostoievsky, Tolstoi, entre outros, um século de ouro da literatura e que legou dezenas de escritores e escritoras simplesmente geniais.

Este “Véu Pintado”, editado em 1925, é mais uma obra que entra na galeria de grandes livros que tive a felicidade de ler, pese embora, não atinga o brilhantismo de “Servidão Humana”.

Conforme era típico em Somerset Maugham, neste livro o autor efectua uma análise da condição humana numa perpectiva mais mundana, ou seja, voltamos a ter o homem bom que é enganado por uma mulher sem escrúpulos, fútil mas que não em culpa de ser como é, pois foi a educação que teve que lhe moldaram o caracter, ou seja, é perceptível uma critica do autor a convenções sociais do seu tempo, convenções que conhecemos por “vitorianas” e que faziam com que as meninas de “boas” famílias, fossem educadas para casar o melhor possível, vivendo num mundo de “glamour”. Depois temos o marido traído Vs. o tratante que embraia a mulher que, por sua vez, se vê metida num casamento de conveniência sem ponta de amor pelo marido e que vê no amante o homem dos seus sonhos, acreditando no “conto do vigário” e que, mais tarde, ela própria percebe que foi enganada. Lindo, não é?

Maugham, conforme era típico dele, satiriza com a situação, dando-lhe um cunho trágico no desenlace final, levando com que o marido traído empreenda uma vingança face à sua traiçoeira esposa e fazendo, igualmente, com que ela perceba que foi enganada pelo amante, acabando, finalmente, por perceber onde se encontra o amor.

Pode parecer confuso, mas acreditem que não é. De leitura muito rápida face aos capítulos igualmente rápidos, Maugham consegue-nos cativar e prender a uma história aparentemente com pouco conteúdo mas que tem, na sua intrínseca beleza literária e na sua simplicidade algo que nos leva a devorar página a página até ao epilogo que, ele também, tem o condão de nos surpreender, pois ao longo do livro, não conseguimos imaginar, aliás, vamos assistindo, a um lento processo de transformação da personagem feminina que não nos deixa de surpreender no fim.

Não podendo afirmar que foi o melhor título que li de Maugham, este “Véu Pintado” é um livro genial que nos pinta um cenário da condição humana na sua mais pura essência e mostrando que há sempre um amanhã e que qualquer ser humano, por mais desprezível que posso ser, tem o direito à sua abjuração, nem que seja na sua consciência.


sábado, 24 de fevereiro de 2018

Espia (A) – Paulo Coelho



Escrever romances históricos não é, de todo, um exercício nada fácil e para se conseguir um bom romance histórico, um romance contendo factos verídicos e criveis, há que efectuar uma vasta análise e pesquisa não apenas da personagem que se pretende abordar como igualmente da época. Dessa forma, penso, ser o romance histórico um género que requer uma abordagem minuciosa tal a dificuldade desse trabalho de investigação e uma seriedade intelectual por parte do autor e isso, considero, numa época onde os livros se vendem por atacado e onde os autores têm prazos contatuais estabelecidos com as suas editoras, é algo que não é para todos, excepto aqueles que têm uma enorme facilidade em estabelecer linhas de pesquisa e, tenho a certeza, têm uma máquina tão bem montada e oleada que pagam a dezenas de pessoas que efectuem essa pesquisa por ele.

Dito isto, a minha opinião sobre este romance é de alguma desilusão face à fragilidade deste romance.

Não me vou alongar na história de Mata Hari, pois para isso poderá sempre pesquisar na internet sobre a sua vida, mas o meu interesse por este livro despertou no dia em que vi uma entrevista com Paulo Coelho sobre o lançamento deste livro. Achei interessante a forma como o autor falou da personagem e pensei que de facto era uma personagem riquíssima e que “facilmente” poderia originar um excelente e vasto romance histórico, visto a vida que teve e a forma como morreu.

Pura desilusão!

O autor assenta o conteúdo do romance, basicamente, em carta supostamente de Mata Hari, para assim traçar, de uma forma muito ténue, um pouco o percurso da sua vida, abordando-a sempre superficialmente. A preocupação do autor é, a meu ver, apenas uma, tentar ilibar, de uma vez por todas, a acusação de espiã a Mata Hari, desenhando um perfil de uma mulher vítima das circunstâncias e que se deixou levar pelo dinheiro, para assim se enlear num imbróglio tal que acabou por ditar a sua sentença.

Pese embora até compreenda que o autor tivesse pretendido cingir-se a essa sua intenção, julgo que poderia, e tinha muito campo para isso, ir mais longe, explorando vários factores, atitudes e relacionamentos que Mata Hari teve, ofuscando pormenores de somenos importância mas que, somados, se foram revelando vitais para a vida desta mulher que, cem anos depois, continua a ser um mistério.

As minhas questões iniciais ficaram em aberto: Quem de facto foi Mata Hari e foi efectivamente espiã?

Paulo Coelho defende que não. Ela jamais pretendeu entrar nesse mundo, ou pelo menos, jamais o fez de forma consciente, no entanto factos são factos, e o que se sabe, é que Mata Hari foi uma bela dançarina que exercia a prostituição a troco de dinheiro e que não escondia a sua vaidade por se “dar” com homens poderosos. Isso de facto demonstra uma enorme ingenuidade por parte dela, parecendo que estaria mais preocupado na ascensão social e material do que propriamente noutras actividades, nomeadamente, de espiã. Porém, era sabido que ela “dormiu” com inúmeros oficiais dos dois lados na 1ª Grande Guerra e há de facto provas que foi abordada pelos alemães e que com eles teve várias reuniões. Paulo Coelho neste livro diz que não, que ela apenas pretendia riquezas, mas não é de escurar a hipótese de efectivamente ter desempenhado o papel de espião duplo, acusão essa que a levou à sua morte.

Gostei da escrita do autor, mas quanto à história, esperava mais, muito mais.


sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Que Faria Eu Se Estivesse No Meu Lugar (O)? – Celso Filipe



Quem me conhece ou quem acompanha ou acompanhou este blog, sabe que detesto a escrita de António Lobo Antunes assim como não tenho qualquer simpatia pela pessoa em si devido ao facto de, era a minha opinião, acha-lo um tipo vaidoso, arrogante, que não tem qualquer problema em catalogar outros autores como “merda”, achando que ele sim, é o melhor escritor de todos os tempos.

Tempos houve que tentei ler livros dele. Sinceramente nunca consegui chegar à página 100 de qualquer da sua obra, pois penso que os livros dele são muito confusos, cheios de vozes que misturam o passado e o presente de uma forma ilógica, um pouco como se o autor escrevesse ao “sabor do vento”, sem qualquer ideia na cabeça. Ou seja, sempre considerei que Lobo Antunes goza com os leitores e sempre o vi a rir a bandeiras despregadas ao ler e ouvir criticas tão favoráveis de livros que são uma autêntica merda, até para ele.

Em todo o caso uma pergunta se levanta: se não gostas do homem, porque empreendeste a leitura deste livro?

Pois bem, de facto não gosto da sua literatura mas há uma coisa que me atrai sempre, que é perveber ou tentar perceber o autor por detrás das obras e o seu método de escrita e foi por isso que resolvi ler esta livro de 10 entrevistas a António Lobo Antunes efectuado pelo jornalista Celso Filipe.

Sinceramente não desgostei e confesso que até a minha ideia sobre o autor mudou um pouco.

Primeiro, constatei que ele de facto se julga o melhor escritor de todos os tempos e o resto, é pouco mais que bosta (exceptuando alguns casos).

Depois porque de facto percebi que ele escreve sem qualquer roteiro, aos repelões e de acordo com as “vozes” que vai ouvindo e que o chamam para fazer os livros.

No entanto descobri também um homem que nada tem de arrogante ou vaidoso, um homem muito humilde e que acima de tudo ama a família e os amigos e que não se considera uma celebridade. Nesta 10 entrevistas, pese embora se repita muito, sobretudo nas lembranças da guerra cujo trauma é notório, Lobo Antunes revela um pouco o seu método de escrita, um pouco porque ele própria afirma que não tem nenhum. Escreve à mão, em blocos médicos e em letra miudinha e afirma carradas de vezes que o segredo de um bom escritor é a correcção. Ou seja, escreve e corrige tantas vezes que, por vezes, da página original só sobra uma palavra.

Depois vai falando da mesma forma como escreve: ao sabor do vento. Tanto fala de guerra como de políticos, passando pelo futebol e acabando nos amigos, sempre cheio de referências a frases de grandes escritores e poetas, aliás, Lobo Antunes demonstra uma enormíssima cultura.

Em todo o caso fiquei com pena que o autor não tivesse coragem de ter ido um pouco mais além. Ou seja, Lobo Antunes cataloga grandes autores portugueses como, por exemplo, Eça de Queirós ou Virgílio Ferreira, como mediocres , no entanto nunca explora essas afirmações e sobretudo nunca explora essa “inimizade” que existia em entre ele e Saramago e da possível inveja que Lobo Antunes sentiu aquando do Nobel de Saramago. Só um parágrafo sobre o Nobel para ele dizer que Saramago não sabia escrever e que era sim uma excelente máquina de marketing.

Mas enfim, desmestificou um pouco a imagem que eu tinha de António Lobo Antunes sem que, no entanto, ficasse com vontade de ler algum dos seus livros.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Suite Francesa - Irène Némirovsky



Num tempo onde tanta porcaria é editada, onde medíocres autores são aplaudidos e venerados e até comparados a “Monstros sagrados” da literatura universal, é sempre bom descobrir algum desses “monstros” que, por qualquer acaso, era desconhecido e, sem dúvida, que um desses autores que hoje em dia ninguém lê, mas que merecia ser lido, é, sem dúvida, Irène Némirovsky.

Némirovsky foi uma escritora de sucesso até 1942, altura em que foi morta, aos 39 anos, no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau. Para a posterioridade, deixou poucas obras mas, sobretudo, legou ao mundo esta sublime obra intitulada “Suite Francesa” que só chegou aos nossos dias porque o destino assim o quis.

De uma forma muito resumida, Irène pretendia edificar uma obra em cinco partes (com base na estrutura da Quinta Sinfonia de Beethoven), no entanto só conseguiu completar as duas primeiras partes que intitulou “Tempestade em Junho” e “Dolce”, até ser detida e morta pelos nazis em Auschwitz. O manuscrito, que as filhas pensaram tratar-se inicialmente de um diário da mãe, andou numa mala à medida que as filhas iam sendo salvas pela perseguição dos nazis. Anos depois, já adultas, uma das suas filhas ganhou coragem para ler o manuscrito e deparou-se com um monumental documento sobre a 2ª Guerra, essencialmente, um documento onde narrava o estado da população francesa e de como reagiram face à ocupação nazi. Resolveu então editar tão preciosa obra em 2004 e o mundo das letras agradece-lhe.

Comparado por vários críticos como um Guerra e Paz da Segunda Guerra Mundial, o que a meu ver é manifestamente exagerado porque sendo de facto uma excelente obra, não atinge o brilhantismo da obra de Tolstoi, mas de facto deparamo-nos com um relato assombroso, de uma lucidez extraordinária, dos acontecimentos logo a seguir à derrota dos franceses e da consequente invasão nazi.

Assente em vários personagens e famílias, Irène vai desbravando o que de mais miserável e em simultâneo melhor o que o Ser Humano possui. Face à chegada dos alemães, milhares de franceses, assustados, fogem das suas casas. E é aí que assistimos a relatos assombrosos que demonstram a perversão do Ser Humano e do quanto animal irracional ele consegue ser face ao desconhecido. 

E é precisamente esse desconhecido que, a meu ver, marca esta obra, pois o retrato que Némirovsky faz dos alemães é um retrato bondoso, longe da imagem de monstros que hoje conhecemos. Ou seja, é claríssimo que Irène desconhecia a existência dos campos de concentração e dos riscos que corria, ou se tinha ouvido falar, simplesmente não deveria ter acreditado nele, pois pinta os alemães como “seres” correctos, bonitos, jovens e que só ali estavam porque, enfim, porque sim e que não tinham qualquer intenção de infligir dor ou humilhação. Tanto na primeira parte, onde efectivamente assistimos ao êxodo de várias famílias que, em aflição, fogem desse inimigo desconhecido, como na segunda parte, mais centrada já em vários personagens alemães, a escritora traça retrato benignos.

Nota final para as anotações pessoais da autora e a correspondência, não apenas da autora, mas também relacionado com ela, que findam esta edição. Vêm simplesmente abrilhantar esta sublime obra que merece ser lida e aclamada, não apenas pelo relato em sim, mas e sobretudo pelo brilhantismo da escrita de Irène Némirovsky.