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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Cidade e as Serras (A) – Eça de Queirós

Publicado em 1901, um ano após a morte do genial autor, a Cidade e as Serras é considerado por muitos como o seu melhor livro, algo que eu discordo.

Este foi o último livro que Eça escreveu, vindo a falecer quando nem a meio ia na sua revisão, no entanto, Eça deixou-nos um relato onde é claro a sua intenção de reconciliação com o país tão duramente criticado nas suas crónicas e nos seus romances que, na altura, deram brado e tiveram contornos de escândalo, e refiro-me ao "Crime do Padre Amaro" e a "Primo Bazílio".

Nesse aspecto, as Cidade e as Serras é um importante romance no universo queirosiano, e nele sobressai também toda a maturidade do autor, a história, não tendo aquele tom cortante de ironia, é toda ela um hino ao nosso Portugal e à arte de bem escrever, pois e isso admito, Eça, quase como se fosse uma despedida, apruma-se e oferece-nos uma prosa exímia.

A obra coloca frente a frente a civilização, preconizada em Paris, cidade luz e símbolo do charme, do luxo e das ideias positivistas que marcavam a época e a Serra, preconizada em Tormes, no Douro, local perdido nos entranhas de Portugal.

Entre as duas, Eça personifica o Homem civilizado em Jacinto de Tormes que vive rodeado de equipamentos científicos que lhe fazem tudo e pouco deixam para pensar e no Homem simples do campo, representado em Zé Fernandes, que acorda cedo e que vive o seu dia-a-dia preocupado com a lavoura e com pequenos pormenores que o Homem civilizado nem se apercebe que existem.
 
Jacinto representa a elite portuguesa. Vive em Paris rodeado de aparelhos científicos que o despojam de autenticidade, numa vida fútil, cheio de máscaras que, saberemos mais à frente no romance, não o deixam feliz e realizado. Necessita de algo que ele próprio não sabe quantificar.

Representando a vida no campo em Portugal, surge-nos Zé Fernandes. Homem culto, mas habituado à vida no campo,e a gerir as terras e o sustento que as mesmas dão à classe trabalhadora. É ele o narrador da história e aquele que vai mostrar a Jacinto que na serra pode estar a felicidade que a civilização não lhe dava.

Esta é uma obra que tem muito para analisar e que eu o fui fazendo à medida que avançava na sua leitura. Não vou aqui referir o fruto dessas análises, porque, em certa medida, iria abrir demasiado o véu deste belo romance e porque, também, uma opinião quer-se simples e não assemelhar-se a uma resensão, no entanto e entre tantos factos, achei especialmente interessante quando Jacinto se põe a criticar o pessimismo de Schopenhauer.

O romance dá-nos um retracto da vida no campo do Portugal profundo do final do séc. XIX, das suas gentes, da vida dura e da singela simplicidade. Em contraste com a vida numa grande cidade, a mais “in” da Europa, onde a frivolidade andava de mãos dadas com dissimulações, risos falsos e uma vacuidade opressora que transformava as pessoas em escravos. Eça é magnífico na forma como faz sobressair esse contraste, conseguindo transmitir-nos o ambiente, a força e vitalidade dos principais personagens, sejam eles positivos ou negativos, pois há personagens cuja antipatia conseguindo sentir.

Em suma, apreciei imenso esta última obra de Eça, mas não a considero a melhor. Pessoalmente gosto mais do estilo da chamada Segunda Fase de Eça, espelhada em obras como “Os Maias”, “Crime do Padre Amaro” e “O Primo Bazílio”. Gosto mais do seu estilo irónico, mordaz, que fazia sobressair os podres da sociedade portuguesa que teimam em se manter. Esta última fase de Eça, é pós-realista, surge-nos um Eça maduro, reconciliado com Portugal e ciente, na minha opinião, do futuro lugar cimeiro do panorama literário português e querendo deixar para a História, obras exaltando a alma portuguesa e o que de bom Portugal tem.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

D. Dinis – Cristina Torrão


Confesso que conhecia alguma da obra que o tornou D. Dinis num dos principais Reis de Portugal. Fundamentalmente sabia que havia sido ele que cimentou a identidade nacional, que definiu as fronteiras de Portugal com o Tratado de Alcanizes, que procurou povoar todo o território, atribuindo inúmeros forais, que institui a língua portuguesa como o idioma oficial, entre tantos factos que tornam o seu longo reinado de uma riqueza impar.

No entanto desconhecia que estava muito longe de conhecer toda a sua imponência e grandeza e isso, confesso, foi para mim uma enorme e grata surpresa.

Mas vamos por partes.

Primeiro e depois da boa surpresa que foi o livro Afonso Henriques, não esperava menos deste e, minha cara Cristina Torrão, as expectativas estão cada vez mais altas.

Embora eu aprecie a descrição da barbárie das batalhas da Idade Medieval, tenho que reconhecer que esta obra é sublime na descrição da época e na forma como “pinta” os seus protagonistas, a maioria dos quais, para não dizer todos, não se faz ideia de como foram no aspecto físico. No entanto a autora descreve-os, de uma forma geral, e traça-lhes o perfil psicológico e moral de uma forma justa e que, em alguns casos, chega a ser comovedora. Ou seja, a autora é mais uma vez exímia na forma como preenche com ficção os factos Históricos, “pegando” no que se sabe da época e dos personagens, a autora vai tecendo um trama magnífico que se transforma num romance histórico brilhante, de uma excelente qualidade literária.

Logo no início somos colocados diante do acontecimento que vai moldar o carácter de D. Dinis e, a meu ver, ser o principal responsável pela forma como este rei governou e pela sua obra. D. Dinis, então com 5 anos, vai a Toledo conhecer o seu avô, o Rei de Leão e Castela, Afonso X, que ficou conhecido como o “sábio” ou o “astrólogo”, cognomes que denotam a enorme preocupação pela cultura que D. Dinis veio a herdar.

É esse o primeiro capítulo da obra e, com isso, é dado o mote para a acção que a autora vai brilhantemente desenrolando, de uma forma muito cuidada e com todo o vagar, ou seja, ficamos com a sensação de que pouco ou nada ficou por contar, todos os aspectos da vida de D. Dinis são escalpelizados, esmiuçados por vezes de uma forma exaustiva que até se pode tornar um pouco cansativo para quem procura ler de uma forma despreocupada, sem grandes atenções ou cuidados. A meu ver, este é um livro que deve e merece ser lido com muita calma pois a informação é imensa, chega-nos em catadupa e não é fácil assimilar tudo de uma só vez.

Por isso mesmo foi um livro que me demorou mais de um mês a ler. Fui intervalando com outros porque, repito, a informação era muita e achei que este não era apenas mais um livro, mas sim um livro que devia ser apreciado com deleite.

No entanto não foi só aspectos positivos que constatei.

Embora seja um romance histórico no qual a autora pretendeu traçar a vida e a obra de 63 anos de vida e 46 anos de reinado, o livro, em alguns capítulos, torna-se maçudo face às constantes estratégias e interesses políticos. Pessoalmente gosto de mais acção. Conforme referi, gosto das descrições das batalhas. E embora D. Dinis não fosse um rei guerreiro, o certo é que durante o seu reinado houve algumas guerras e muitas quezílias que são aqui aflorados e pouco mais. Por outro lado, confesso que cheguei a achar um pouco enfadonho as descrições das intrigas políticas que, a meu ver, bem exprimidas, eram quase sempre as mesmas, sendo D. Dinis confrontado na maioria das vezes com os mesmos problemas. Aliás, a certa altura o próprio D. Dinis se mostra aborrecido pelas repetidas intrigas. Dessa forma, o livro chega a parecer-se com um compêndio de História, fugindo um pouco do romance histórico. Com isso quero dizer que pode afugentar muitos leitores que procuram mais o entretenimento em prol da informação.

No entanto isso não deslustra a imensa qualidade do romance e a forma honesta e minuciosa como a autora investigou e pesquisou, o que, por si só, é de louvar, pois, com isso, temos a certeza de estar diante de uma história com contornos verídicos de um dos reis mais importantes da História de Portugal.

Um livro que aconselho a todos aqueles que gostam de se deleitar com uma histórias bem contadas e de escrita de qualidade.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Apóstolos da Fénix (Os) – Lynn Sholes e Joe Moore


Uma tradição cristã refere que no caminho de Jesus Cristo para o calvário, uma mulher enxugou o rosto de Cristo num pequeno pano e que a imagem de Jesus teria ficado gravada nesse pano.

Essa tradição, ou relíquia, obviamente que nunca foi comprovada, sendo ao longo dos séculos alvo de várias especulações sobre a sua autenticidade e destino. Hoje em dia, julga-se, ou assim o Vaticano afirma, encontrar-se no santuário do Santo Rosto de Manoppello, a cerca de 200 km de Roma.

Conhecida como o “Véu de Verónica” (deformação do nome “vera ícona”, “verdadeiro ícone”), ou na antiguidade como “a mãe de todos os ícones”, trata-se de um véu ou um fino pano de 17x24 cm, que mostra, de uma forma vaga, a imagem de uma face.

Verdade, mentira? Depende da fé de cada um, em todo o caso, Os Apóstolos da Fénix, gira em torno desta relíquia.

Já o referi em diversas ocasiões, que um dos principais propósitos de um livro é o de entreter. De nada adianta ler um livro erudito, se o mesmo só nos traz longos e intermináveis bocejos e a sua interrupção se revela a melhor parte face a tanto aborrecimento. Ou seja, já li livros, alguns apenas tentei, considerados “obras excepcionais”, “clássicos”, “de leitura imprescindível”, mas que se revelaram enfadonhos, nada prazeirosos e imensamente chatos. Digam o que quiserem os pseudo iluminados intelectuais da nossa praça, mas eu dou muito valor a um livro que me entretém e que me diverte.

Pois bem, Os Apóstolos da Fénix é um desses casos e, confesso, que a sua leitura me deu muito gozo, tornando-se até, em alguns capítulos, viciante.

Aprender, enfim, pouco aprendi, até porque isso é uma das falhas dos autores que podiam explorar um pouco mais o campo que utilizaram, no entanto o livro tem um ritmo alucinante num estilo que nos dá aquela ânsia de querer virar página a página até ao seu epílogo.

Uma equipa de arqueólogos encontra-se a escavar junto ao túmulo de Montezuma II, na Cidade do México, quando se depara com algo muito misterioso no interior do túmulo. Pouco depois, uma violenta explosão mata toda a equipa, excepto uma jornalista que ali estava a acompanhar as escavações.

É o início de uma aventura que nos irá levar a vários pontos do planeta, acompanhando não só essa jornalista, como também um estranho personagem que se intitula o novo Messias e afirma saber como salvar o Mundo da eminente catástrofe prevista para o dia 21 de Dezembro de 2012.

Um livro muito interessante, cheio de ficção a até alguns clichés, é certo, mas que entretém bastante e coloca no mesmo campo de acção o passado da civilização Asteca com a clonagem humana e a tão desejada imortalidade que o Homem sempre buscou, a eterna busca da Fonte da Juventude.

Gostei do livro, pese embora a ficção da imortalidade seja algo difícil de digerir, porém, os autores souberam colar muito bem a história e, julgo, construir todo um trama que daria um belíssimo filme.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Felicidade Conjugal (A) - Leon Tolstói


Para 2012 prometi a mesmo mim voltar aos clássicos. Não ler unicamente clássicos, mas ler clássicos que ainda não li e, quiçá, reler alguns que me marcaram e que há muito tenciono reler.

Dessa forma, foi propositado que o primeiro livro lido em 2012 fosse precisamente de um dos meus escritores preferidos, alguém que tão bem soube caracterizar a sua sociedade e o próprio ser humano, alguém que pouco oiço mencionar pelos vários blogs que frequento e muito menos leio opiniões sobre as suas obras. Um escritor impar, para mim, um escritor que irá figurar sempre nos melhores escritores de sempre: Leon Tolstói.

A Felicidade Conjugal, escrito em 1858, é o livro que podemos considerar que prefigura o portentoso “Ana Karenina” ou, se quisermos e pessoalmente assim o considero, o livro que serve de preparação a Karenina, uma espécie de ensaio a uma das obras maiores da literatura universal.

Refiro isso porque são perfeitamente perceptíveis as semelhanças entre as duas obras. Não só no aspecto narrativo, o que é normal, mas e principalmente, no aspecto de análise e do próprio contexto e da abordagem temática.

María Alexandrovna acaba de ficar órfã e vê entrar na sua vida, Serguei Mikhailovitch, o administrador da família que havia sido um grande amigo do seu pai e que a tinha visto crescer. Vivendo com Kátia, sua perceptora e Sónia sua irmã mais nova, as três levam uma vida isolada numa enorme casa algures numa aldeia russa, longe da civilização, longe de tudo.

É nesse contexto que entra nas suas vidas Serguei que, como administrador, toma conta dos negócios da família e começa a visitá-las amiúde. De início apenas para as colocar a par do estado do património da família, para depois começar a visitá-las como outro interesse: Maria.

Neste ponto Tolstói mostra o seu génio. Não esqueçamos o contexto, uma Rússia rural em finais da década de 50 do século XIX. Um país a lamber as feridas da Guerra da Crimeia que iriam manter-se por muitas décadas e que estariam no embrião da Revolução Russa. Longe de pensar na Revolução, Tolstoi consegue transmitir a imensa tristeza de um país que tentava erguer-se. Como? Utilizando um cenário macambúzio, cheio de imagens cinzentas, iniciando o romance com uma morte e com duas órfãs que ficam um pouco por sua conta, um género de metáfora à Mãe Russa que ficou mortalmente ferida na Guerra da Crimeia.

Mas o romance persegue.

Maria Alexandrovna vive numa espécie de Alegoria da Caverna que Tolstói persegue e tenta explorar.

Serguei Mikhailovitch é o único homem que Maria conhece e por ele começa a ter sentimentos que uma jovem é normal ter. Apaixona-se e sonha por uma vida edílica, cheia de amor ao lado de Serguei. No entanto, ele é bem mais velho e, ao se aperceber dos sentimentos de Maria, tem algumas reservas porque, sendo mais experiente, se apercebe que aquela pode ser um sentimento nascido da solidão e por não conhecer mais homem nenhum. Em todo o caso acabam-se por casar e inicia-se aí a segunda parte da obra.

A história é curta mas muita rica em termos narrativos e na abordagem a várias temáticas que, hoje em dia, são perfeitamente actuais.

O amor inicial, que se tem por fogoso, intenso e até feroz, vai-se transformando num amor mais sólido, mais pacífico e suave, muitas vezes até confundido com amizade. Tolstói explora isso e acerta na mouche. À medida que o romance avança, vamos observando que Seguei se transforma mais num pai do que num amante, e principalmente isso é visível, quando Tolstoi lança uma das suas atordoadas a um dos seus objectos preferidos: A Sociedade, pois é essa sociedade, hipócrita, que vive de aparências, supérflua, que vai ameaçar e transformar o casamento de Maria e Serguei. Nesse aspecto ficou claro para mim a intenção do autor em explorar a Alegoria da Caverna, pois Maria ao conhecer a sociedade de São Petersburgo, sai da caverna e conhece o mundo e a natureza, percebendo assim que a sua realidade estava longe da realidade dos outros.

Um romance genial de um autor genial que, quase 200 anos depois da sua escrita, não perdeu a actualidade e que nos ajuda a perceber o ser humano e o que o move. Um romance que li num ápice e me trouxe a alegria dos grandes clássicos e uma visão que o Tempo passa, mas o ser humano não muda, nem um milímetro.