Confesso
a minha enorme admiração por Amália Rodrigues. Não apenas pela sua poderosa e
divina voz, como também por ter levado o nome de Portugal aos quatros cantos do
mundo, sendo, ainda hoje, e arrisco por muitos mais anos, um dos símbolos
lusitanos além fronteiras, um dos poucos portugueses reconhecidos e admirados
fora do nosso país.
Cresci
com os seus fados que, invariavelmente, o meu pai punha a tocar aos domingos e,
tal elevada dose, criou o gosto e admiração, até porque era comum ouvir que
agora estava em Paris, depois no Japão, de seguida no Canadá e isso, lugares
tão longínquos para mim na altura, dava-lhe uma áurea de heroína transportadora
da alma lusa para esses locais distantes.
Curioso
igualmente constatar que Amália foi das poucas figuras prontamente reconhecidas
em vida. Ou seja, muitas das nossas personalidades são apenas reconhecidas e
admiradas ou, perto do fim das suas vidas, ou então após a sua morte, algumas
até bem depois da sua morte. Mas Amália Rodrigues não. Desde muito cedo foi
reconhecida e até ao fim da sua vida, não pararam de suceder homenagens e
condecorações.
Hoje
em dia, e 13 anos após a sua morte, podemos considerar que a sua vida se
encontra escalpelizada, quer seja em filmes, livros e até num excelente musical
de Filipe La Féria, pelo que novas publicações correm o risco de ser “mais do
mesmo”, narrando episódios já narrados, utilizando-se assim do trabalho de
investigação de outros.
E
foi com esse receio que empreendi a leitura deste novo livro de Sónia Louro,
temendo que a autora se limitasse a reescrever o que já foi escrito e visto.
No
entanto desde cedo percebi que a autora, embora narrasse episódios já lidos,
mas que obviamente não podem ser sonegados, foi muito mais longe, conseguindo
produzir um trabalho honesto, dando à sua obra um tom intimista sem nunca
entrar na intimidade de Amália, protegendo a figura pública, respeitando a sua
memória.
Esta
obra começa em 1939, ano em que a artista inicia a sua brilhante carreira. A
autora decorre a vida de Amália ano após ano, descrevendo o seu trajecto
artístico em simultâneo que vai pintando um fresco do seu trajecto pessoal que
engloba os principais amigos e acontecimentos, assim como, e isso confesso
desconhecia, a sua veia poética que a levou a escrever muitos dos fados que
cantou.
Gostei
da forma como a autora conseguiu ligar factos a pormenores. Ou seja, há muitos
pormenores da vida de Amália que foram testemunhados por amigos ou simples
mirones. A autora altera-os no espaço temporal, colocando-os em situações que
dão mais coerência à história. Simples técnica de romancista, eu sei, mas que ajudam
a dar-nos uma visão mais apurada do ser humano Amália, fugindo dessa forma à
figura artista. Para isso também vai utilizando os vários registos de
entrevistas a amigos e familiares, para além dos efectuados à própria Amália,
sempre referindo as fontes e isso é algo que, a meu ver, enriquece a obra, pois
muitos dos factos narrados são retirados de vídeos disponíveis na internet,
sendo assim possível sempre comprovar esses episódios.
Como
senão, penso que a autora acaba por construir uma obra pouco densa. Bem sei que
dissecar a vida de Amália seria coisa para milhares de páginas, no entanto
parece-me que a autora podia ir um pouco mais além, sobretudo em alguns
aspectos que foram importantes para o lançamento da sua carreira assim como em
personagens que tiveram um papel influentíssimo na sua vida. Sónia Louro
destaca-as, é verdade, mas nunca lhe consegue dar a verdadeira importância,
ficando nós com a sensação que muita coisa ficou por contar.
Um
livro excelente que se lê de uma forma fluída e que nos dá uma perspectiva mais
geral do trajecto artístico de Amália, incidindo bastante na sua extraordinária
carreira internacional e a forma como o mundo a amava.
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