100 anos volvidos depois da participação portuguesa na Primeira Grande
Guerra, centenário que poucos referiram mas que teve ocasião em Abril passado
(2018), a Sociedade Portuguesa de Autores com a parceria da editora Guerra e
Paz, teve a hombridade de reeditar um dos principais testemunhos desse conflito
e, talvez, o testemunho mais conhecido e mais estudado a nível nacional: A
Malta das Trincheiras do Capitão André Brun, ele próprio dramaturgo, cronista e
argumentista de filmes, bem como um dos fundadores, em 1925, daquela que é hoje
a Sociedade Portuguesa de Autores.
André Francisco Brun nasceu em Lisboa em Maio de 1881, vindo a falecer na
mesma cidade em Dezembro de 1926 aos 45 anos.
Conhecido dramaturgo, autor de obras, à altura bem conhecidas, como a “Maluquinha
de Arroios” ou o filme “A Vizinha do Lado”, André Brun, para além da sua
actividade de escritor/cronista, seguiu a vida militar, alcançando a patente de
major por distinção dos seus serviços na Primeira Grande Guerra onde comandou o
batalhão de Infantaria 23 do C.E.P., e é precisamente a narração do que ele foi
assistindo na Primeira Grande Guerra que nasce “A Malta das Trincheiras”.
Num tom muito divertido, mas simultaneamente sério e pungente, traça um
retrato do quotidiano dos soldados portugueses nas trincheiras em La Lys
durante a Primeira Grande Guerra.
Crónica de humor, mas também carregada de sentimentalismo e humanismo, André
Brun, deixando sempre no ar a tragédia humana que é a guerra (e esta
especialmente), vai narrando episódios que têm o espaço temporal de pouco mais
de um ano, centrando-se o seu início em Fevereiro de 1917 a Agosto de 1918,
altura em que chega a Portugal e deixa para trás uma guerra que o marcou física
e espiritualmente para sempre assim como todos aqueles que lá andaram e
sobretudo andaram nas trincheiras.
Ou seja, André Brun estava presente quando se deu a grande ofensiva alemã no
dia 09 de Abril de 1918 e que dizimou parte do exército português. A sorte dele
e do seu batalhão é que nesse dia tinham sido rendidos e estavam já a alguns
quilómetros da frente, mesmo assim ele descreve os acontecimentos com uma
frieza notável ao mesmo tempo que deixa bem claro da enorme valentia de todos
aqueles que, apanhados desprevenidos, combateram os boches e, em clara inferioridade numérica e psicológica, aguentaram
o que puderam.
A ofensiva de 09 de Abril está bem documentada, mas o que vai sobressaindo
deste livro é o dia-a-dia das tropas portuguesas e de como os soldados
portugueses viam o conflito e se comportavam e, a leitura atenta que efectuei é
claro que esta obra tem servido de influência e tem sido um manancial de
informações para alguns que têm produzido obras da Primeira Grande Guerra.
E André Brun deixa também claro outros factos. Ele não relata apenas episódios
dos soldados portugueses, ele traça também vários comentários das tropas
inglesas e, sobretudo, da excelente opinião que os ingleses tinham dos soldados
portugueses, pois várias vezes ele refere que oficial X ou Y lhe referiram da
boa têmpera e fibra do soldado português, traçando também algumas criticas ao
governo e ao alto comando português, pois várias vezes ele refere que houve
muitos soldados portugueses que foram condecorados com cruzes de guerra
britânicas e que, embora ele as tenha pedido insistentemente, o governo
português nunca sequer enviou medalha alguma.
Por outro lado a critica aos Cachapins e Palmípedes é feroz e explica
porquê, bem como deixa claro algo que hoje em dia é bem conhecido, a maioria
dos oficiais vinha a Portugal em gozo de licença e, cunha aqui, cunha ali,
nunca mais voltava a era a arraia-miúda que por lá combatia e defendia a nação.
No fim, para além da marcha da sua Infantaria 23, ele descreve o momento de
partida para Lisboa depois de 16 meses nas trincheiras: “Subi para o carro que havia de levar-me à estação. Os meus melhores
amigos abraçaram-me na estrada; e quando o cocheiro fustigou as alimárias,
quando a largo trote das muares passei junto da minha sentinela que se
perfilava, pus-me de pé para retribuir a continência e duas lágrimas me caíram pela
cara abaixo”.
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