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quinta-feira, 28 de junho de 2018

Dez Figuras Negras (As) – Agatha Christie


Agatha Christie é a escritora mais bem sucedida de sempre. 

Autora de centenas de romances e contos policiais, criadora do mítico Mr.Hercule Poirot, Christie vendeu durante o século XX e XXI mais de 4.000.000.000 (quatro mil milhões) de cópias, sendo que “As Dez Figuras Negras” é uma das suas obras emblemáticas e aquela que, sozinha, mais vendeu, pois calcula-se que até aos dias de hoje já se tenha vendido 100 milhões de cópias. São pois números estratosféricos que representam, não apenas uma excepcional qualidade de escrita como, e principalmente, uma aptidão para contar histórias, desenvolvendo argumentos rebuscados e extraordinariamente complexos.

Título baseado numa tradicional cantiga infantil inglesa, “As Dez Figuras Negras” foi uma das obras que mais sucesso teve e uma das quais Agatha Christie mais apreciava. Publicado em 1939, a história narra a presença de dez desconhecidos que são atraídos pelo misterioso U.N.Owen, que possui uma mansão numa não menos estranha ilha chamada Ilha do Preto situada na costa de Devon. Curioso que nenhum desses dez personagens conhece pessoalmente esse U.N.Owen, no entanto, atraídos por diversos factores, todos eles se deslocam para essa ilha.

Quando lá chegam, são recebidos pelo mordomo que lhes comunica que Mr. Owen só chegará no dia seguinte mas que lhe deu indicações precisas dos convidados e é no fim do jantar que, quando todos estão refastelados pela boa comida e pelo bom vinho, que uma voz misteriosa se torna audível, acusando-o, um a um, de serem assassinos. Pouco depois, um dos convidados é assassinado e, á medida que o tempo vai passando, a tenção aumenta com novos assassinatos, ainda por mais quando se sabe que a ilha não tem qualquer esconderijo e está completamente inacessível devido a um temporal…

Está lançado o mote para cerca de 200 páginas de pura diversão literária onde a essência do policial é-nos demonstrada. 

Não vou revelar mais nada, apenas que Agatha Christie demonstra todo o seu génio e faz com que até aquele que não aprecia policiais, fique a gostar do género, pois o livro está muito bem conseguido, tem uma imaginação fértil e, mais complicado nos policiais, no fim tudo faz sentido, pese embora e a meu ver, revele alguma ingenuidade e inverosimilhança que Christie perdeu durante a sua carreira, ou seja, pese embora este seja um dos seus títulos de eleição, a meu ver, não é dos seus melhores policiais.


terça-feira, 26 de junho de 2018

Sobrevive – Alexandra Oliva


Na literatura, bem como no cinema, são vários os títulos em que, num futuro distópico, são imaginados um futuro para a Humanidade algo assustador mas que, se analisarmos o presente, poderá efectivamente ser possível. E notem que não me estou a referir aqueles clássicos como “Admirável Mundo Novo”, “Máquina do Tempo”, “1984”, “2084” ou “Farenheit 451”, não, a distopia que me estou a referir é aquela onde é criado um futuro sinistro, onde a maioria da população foi eliminada e onde acompanhamos personagens sós em busca de sobreviventes e que, nesse trajecto, vão tentando sobreviver num mundo hostil.

De repente recordo-me do excepcional “A Estrada” de Cormac McCarthy (para quando o Nobel da literatura?), ou “Maze Runner”, “The Hunger Games”, “12 Macacos”, “Eu sou a Lenda”, filmes e livros onde uma pandemia quase extingue a população humana e constatamos que o Ser Humano é ele próprio o culpado da sua extinção em simultâneo que tenta se reerguer.

“Sobrevive”, da norte americana Alexandra Oliva, traça precisamente futuro que não é assim tão descabido, pegando aqui e ali vários elementos de alguns dos clássicos que antes referi. Ou seja, é impossível, à medida que vamos avançando no livro, não reparar em situações muito similares, pelo menos na concepção, com muitos dos títulos distopicos que abundam na literatura e no cinema. Na minha opinião, a acção desta obra é muito semelhante a “Hunger Games” com traços claros da “Estrada”, ou seja, aqui temos um reality show em que são selecionados doze concorrentes e onde lhes é proposto uma série de provas de sobrevivência algures num bosque qualquer e onde, cada um deles, é posto à prova para além dos seus limites físicos e psicológicos. Qualquer um deles sabe que está a ser visionado por dezenas de câmaras para todo o mundo e que pode desistir quando quiser, bastando para isso dizer duas palavras em latim.

Logo de início somos confrontados com o percurso de um desses concorrentes que, completamente sozinho, caminha à procura de provas e deparando-se com obstáculos e cenas que, pensa ele, ser da produção mas que, sabemos nós são reais. Ou seja, apercebemo-nos que esse concorrente julga estar no jogo e a ser filmado mas que algo de grave deve ter sucedido para que esse concorrente fica-se só e, mais estranho, a julgar ainda estar nesse jogo.

Intervalado por capítulos, acedemos aos primeiros dias do reality show onde começamos a perceber a estratégia de cada um e, obviamente, onde começa a vir ao de cimo toda a essência humana.

Na minha opinião o livro é interessante mas poderia, e tinha imenso campo para isso, ter sido melhor explorado.

Há medida que esse personagem avança, completamente só, compreende ou percebe que todos os outros concorrentes desapareceram e, mais estranho, depara-se com vilas e cidades vazias e cenários grotescos. Onde começa e acaba esse jogo? Será que tudo não é uma utopia propositada a fim de o levar ao limite?

Pessoalmente gostei do livro mas não posso afirmar que adorei. Muito longe do sublime “A Estrada”, consegue-nos dar uma imagem inquieta de um futuro nada utópico, mas que vai denotando alguma ingenuidade na forma como a autora traça a acção, sendo também algo repetitiva, pelo menos nos capítulos onde vai descrevendo o início do reality show.

Dessa forma, embora nos prenda de inicio ao fim, pelo menos porque queremos saber como tudo termina, não consegue dar-nos aquela adrenalina que outros títulos nos deram e recordo-me especialmente de “Eu sou a Lenda”, onde de princípio ao fim, ficamos agarrados à espera de algo bombástico quando, todo o título é bombástico.

É um livro que aconselho para os apreciados do género, mas que, a meu ver fica um pouco aquém do esperado pela sinopse.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Som e a Fúria (O) – William Faulkner


Esta é talvez a opinião mais complicada que alguma vez escrevi sobre algum livro, não que sinta que não tenha capacidade, mas porque este é daqueles livros e disso tenho a certeza, que para se ter uma opinião mais abalizada, é necessário ler-se mais de duas vezes, pois é uma obra tão complexa que se torna muito complicado extrair grande parte da essência da obra em todas as suas facetas, mas enfim, vou tentar.

O Som e a Fúria, obra maior de Faulkner, editada em 1928 e que é a grande responsável pelo Nobel da Literatura em 1949, é um dos clássicos da literatura que aparecem sempre nas listas dos Melhores Livros de Sempre, e uma daquelas obras que é escalpelizada em diversos sistemas educativos por todo o mundo, sobretudo na área da literatura, pois o que o autor faz nas suas quase 300 páginas, é um poderoso jogo literário em que contrapõe várias técnicas e sobretudo no grande desenvolvimento da técnica narrativa do fluxo de consciência, técnica essa que, confesso, não sou um grande fã.

Pessoalmente posso-o já considerar aquele livro que mais me deu trabalho ler e pelo qual sinto um misto de sensações. Ou seja, fiquei fascinado com as técnicas de Faulkner e a forma como ele encadeia uma narrativa linear com narrativas completamente subjectivas onde, efectivamente, o fluxo de consciência toma conta do romance para, se necessário for na mesma linha, alterar completamente a técnica e desencadear uma narrativa sem qualquer pontuação que nos deixa completamente “à nora”, sem saber de quê o autor está a falar.

No entanto, e por outro lado, torna-se cansativo seguir essa(s) linha(s), essa forma intercalada de narrar e, muitíssimas vezes, levam-nos à exasperação por, simplesmente, não percebermos ou perceber muito pouco, o que se está a passar.

Ou seja, este livro não é um livro com uma história linear que se leia de uma forma descontraída, até porque o livro é dividido em quatro capítulos em que nem o elemento tempo-espaço é linear, e nesses capítulos não há quaisquer intervalos, ou seja, quase que nos obriga a ler de enfiada uma média de 80 páginas, ainda por cima um texto que, página a página, faz pouco sentido e que, só muito perto do fim, é que Faulkner vira a narrativa, tornando-a mais linear, logo, mais perceptível.

Sobre a história em si não vou referir coisíssima nenhuma porque facilmente se consegue sinopses desta obra, mas o que estou a tentar elaborar, é a minha percepção pessoal e a consideração se gostei ou não do livro.

Gostei do livro, mas para ser sincero comigo mesmo, e conforme referi no início, esta é daquelas obras que obriga a novas leituras e, confesso, depois desta batalha em que sai exausto mas satisfeito (por ter terminado o livro), tão cedo não lhe vou pegar, talvez daqui a uns valentes anos.

Durante a sua leitura e à medida que ia tentando compreender aquilo que estava a ler, sem contudo o conseguir sobretudo nos dois primeiros capítulos, ia também tentando compreender o porquê desta obra ser tão debatido e considerado, por muitos, como o “livro da sua vida”.

O ser debatida e conforme já referi anteriormente, até que compreendo pelas diversas técnicas utilizadas por William Faulkner e pelos elementos literários que ele trabalha, pois ele subverte completamente as “regras” da literatura ao trabalhar, dar peso a todos os elementos de um romance ao ponto de construir uma narrativa extremamente complexa e complicada de entender e que nos vai dando ferroadas à medida que vai sendo desenvolvida.

No entanto ser considerado “o livro de uma vida”, já tenho mais dificuldade em entender e simplesmente porque este é um “daqueles” livros que é forçosamente necessário ter-se alguma bagagem literária e até cultural para se conseguir levar até ao fim. Notem, não digo conseguir entender mas sim levar até ao fim, pois é necessário uma enorme força de vontade para seguir um rumo com pouco sentido e que nos faz sentir que nos vai levar a algum sítio mas que só é desvendável no fim.

No fim fiquei com aquela sensação de quando admiramos um quadro expressionista, ou seja, esta obra é uma espécie de deformação da realidade que expressa, subjectivamente, vários aspectos dos seres humanos e que à medida que vamos olhando esse quadro de diversos ângulos, outras sensações nos ocorrem, por isso é que considero ser esta obra ser lida por diversas vezes, pois tenho a certeza que uma outra vez, a minha percepção será diferente.

sábado, 9 de junho de 2018

Conversas de Escritores – José Rodrigues dos Santos


Pese embora as minhas leituras se centrem no campo do romance, acabo, aqui e ali, por efectuar leituras de outros géneros literários, sendo que as Entrevistas sejam um dos géneros que mais aprecio por diversas razões, sobretudo porque é uma oportunidade de saber, pelo próprio entrevistado, de factos da sua vida que, geralmente, guardo como experiencias, algo que posso retirar para mim próprio para o futuro.

Ou seja, nessas entrevistas, quando realizadas de forma despretensiosa, é sempre possível perceber a pessoa por detrás do “personagem”, do “autor”, do “escritor”, do “actor”, etc. É possível entender o seu trajecto de vida e perceber a sua metodologia de trabalho e várias das suas opiniões sobre diversos assuntos, pois, confesso, é sempre isso que procuro apreender quando realizo a leitura de qualquer entrevista, perceber qual a sua metodologia e a organização mental que o leva a ser quem é.

Posto isto, e depois de há uns anos ter visionado quase todos os programas da “Conversas de Escritores”, realizado por José Rodrigues dos Santos, decidi efectivar a leitura do livro editado em 2010 porque constatei que, neste livro, estavam presentes vários escritores que admiro, alguns já falecidos entretanto, na tentativa de perceber se havia algum ponto em comum entre eles.

As entrevistas são curtas e penso que muito foi cortado pelo José Rodrigues dos Santos, pois os sessenta minutos que durava a entrevista, decerto muito se falou, mas enfim, entendo a lógica em colocar o fulcro do que foi falado. E efectivamente há perguntas que se vão repetindo de entrevistado para entrevistado e constatei que, por exemplo, a metodologia de trabalho de todos é muito semelhante, revelando, na sua grande maioria, uma enorme disciplina quando estão na fase de escrita, algo que tenho percebido ser comum em quase todos os escritores.

Achei curioso que muitos escritores fazem uma espécie de guião na altura de planear e outros começam com uma frase e vão seguindo à sorte, sem qualquer tipo de guião, apenas se deixam levar pela história e pelos personagens, como se esses ganhassem vida própria, desconhecendo inclusivamente os autores do final do livro e alguns até referem ficar surpreendidos como aquele livro acabou. 

Dan Brown, Luis Sepúlveda, Sveva Caseti Modignani, Paulo Coelho, Ian McEwan, Günter Grass, Jeffrey Archer, Isabel Allende, Saramago, Miguel Sousa Tavares, são os dez escritores escolhidos entre outros que originaram uma sequela, mas que, para quem gosta de entender o processo criativo de grandes autores, vale bem a pena a leitura desta obra.


quarta-feira, 6 de junho de 2018

Principezinho (O) – Antoine de Saint-Exupéry


Quem é que nunca ouviu falar do “Principezinho” de Saint-Exupéry?
Decerto, mesmo aqueles que não têm hábitos literários, já ouviram falar deste livro.

Daqueles que possuem esses hábitos, quais aqueles que leram e, principalmente, conseguiram escrutinar o significado deste pequeno livro?

Tenho a certeza que alguns mas e devido ao facto de ser um livro considerado infantil, muitos quando o leram, na sua infância, juventude, não conseguiram captar a essência da obra.

O livro é muito pequeno. Pouco mais de 90 páginas e muitas das quais são apenas desenhos do próprio Saint-Exupéry. Publicado em 1943 pouco tempo antes do desaparecimento em combate de Saint-Exupéry, de uma forma muito concisa, narra a história de um menino que vive num asteróide e que um dia “cai” na terra onde conhece um adulto que se encontra no deserto a reparar o motor de um avião. Desse encontro, nascem diálogos em que a solidão e o amor são as chaves de uma fábula que, na essência, refere: “o essencial é aquilo que não se vê, é invisível aos nossos olhos”. 

Ou seja, neste pequeno mas grandioso livro, somos confrontados com o olhar de uma criança que não entende o mundo dos adultos. Um mundo subjugado pelas aparências, onde a ganância, a soberba, a vaidade, a inveja e outros adjectivos, do mundo dos adultos, são elevados a uma potência que nos toca o coração, pois são diálogos tão simples e inocentes que é impossível não fazermos uma retrospectiva e questionar: “Onde está a criança que outrora fui?”, ou, “quando foi que me transformei neste adulto sem sonhos?

E é assim que o principezinho narra as suas aventuras de asteróides em asteróides, todos eles numerados porque só assim os adultos tomam atenção, ele conhece personagens solitárias mas que exemplificam os adultos actuais: Um Rei que não tinha nenhum súbdito, era rei de ele próprio mas que pensava que reinava sobre todo o universo; Um Vaidoso que só entendia a linguagem dos elogios; Um Bêbado que bebia para esquecer que era bêbado; Um Homem de Negócios que não tinha tempo para nada, só contava, contava estrelas; Um Candeeiro de rua e um acendedor de candeeiros que não tinham qualquer utilidade; Um Ancião que escrevia pesados calhamaços de geografia, enfim, em todos os planetas, há fábulas que efectuam analogias entre o quotidiano humano e a moral e sobretudo nessa estranha capacidade que o ser humano tem em rapidamente “matar” a criança que um dia foi e, mais perigoso, impedir os seus filhos de serem crianças.

O que o autor quis efectuar com este pequeno, grande livro, foi consciencializar os adultos do constante afastamento em olharmos para as coisas simples da vida, aquilo que nos dá verdadeiramente prazer. Daqueles conceitos elitistas que nós temos bem interiorizados que nos levam a comportar-nos como seres insanos em buscas de algo que, nós próprios, nem conseguimos verbalizar. A perda da ingenuidade enquanto criança, as barreiras que nos vão sendo colocadas ao longo da vida sem que tenhamos consciência que são apenas barreiras ignóbeis e que só lá estão porque as aceitamos, a constante fuga ao prazer de pequenas coisas como, por exemplo, beber um copo de água com sede ou de ver um pôr do Sol, a sociedade preconceituosa onde vivemos e onde nos atolamos.

No fundo, o que o autor queria alertar, é o facto de não deixarmos nunca “morrer” aquela criança que um dia fomos, não impedir os nossos filhos de serem crianças, condenando-os a uma vida sem sentido, onde apenas aquilo que somos capazes de fazer conta, as aparências.

E no fim, a estocada final: Só se pode exigir a uma pessoa o que essa pessoa pode dar!