Simplesmente admirável!
O que dizer de um romance histórico que me fez vibrar como poucos o conseguiram?
O que dizer de diferente do que foi dito por outros ilustres bloguistas que, com as suas opiniões, conseguiram espicaçar o meu interesse pela obra?
D. Afonso Henriques é, arriscava, a personalidade portuguesa mais conhecida de todos os portugueses, ou seja, qualquer português sabe quem foi o primeiro rei de Portugal.
Porém poucos sabem mais do que isso e aqueles que o sabem, transmitem uma figura lendária personificada em estátuas espalhadas em, pelo menos, dois dos seus castelos. Uma personagem mística, transformada em lenda e rodeada de laivos fantásticos que a tradição cristã construiu ao longo dos séculos, diria que um mito e um ícone da História.
Nesta obra, Cristina Torrão tem a capacidade de transformar a lenda num ser humano que sonhou, amou, errou, sofreu e cujo caminho foi espinhoso e cheio de reveses.
Mas a autora não se foca apenas na figura de Afonso Henriques; vai muito mais além. Assente numa escrita cinematográfica, é exímia na caracterização e na capacidade de humanizar todas as outras personagens que foram contemporâneas de Afonso.
D. Teresa, que a História transformou na horrível mãe, é sim uma mulher do seu tempo que tinha uma força de carácter imenso e que teve, posteriormente, o apreço do filho. De notar algo que é importante que percebamos: a mentalidade da época e o contexto onde se inserem as acções de Afonso Henriques e de quem o rodeava. Isso é algo que Cristina Torrão vai explanando ao longo da obra e é algo que também pode ser alvo de uma análise prévia ou posterior. D. Teresa age como age porque se considera Rainha e uma Rainha deve proteger o que é seu e efectuar os acordos que lhe sejam mais vantajosos.
D. Mafalda que irá ter uma importância enorme na vida de Afonso, D. João Peculiar, arcebispo que teve uma enorme influência no reconhecimento pelo Vaticano do título de rei de Afonso Henriques, D. Fernando, Egas Moniz e tantos outros que são aqui colocados como simples mortais e de uma forma credível. E isso é algo que me fascinou, pois sabe-se da dificuldade em efectuar uma estruturação da época e a autora efectua isso de uma forma magistral, demonstrando ser uma profunda conhecedora da época medieval.
Achei espantoso também a forma como a autora consegue inserir os acontecimentos lendários, fantásticos diria, de uma forma natural, dando-lhes verosimilhança.
Num trabalho extraordinário de reconstrução da época, a autora é minuciosa e exacta nos factos históricos, nunca os adultera e sabe colocá-los na vida do dia a dia, construindo um percurso longo que culmina com o reconhecimento pelo Papa Alexandre III do título de Rei através da bula Manifestis Probatum.
É, repito, uma obra brilhante, admirável na forma como constrói uma época e as suas mentalidades, escrita com mestria, que se lê com prazer, num folêgo e que, ao chegar ao fim, nos oferece a sensação de termos deixado amigos tal a vivacidade e a humanidade das suas personagens. Aliás, conforme foi dito numa outra opinião, penso que de facto um dos segredos da qualidade deste livro reside na sensibilidade para compreender e descrever a alma humana.
Como senão, e isso é meramente uma opinião pessoal, achei que as batalhas poderiam ter sido mais vivas, mais violentas.
Bem sei que na época as batalhas eram levadas a cabo por poucas centenas de homens e que eram relativamente curtas. Porém eram efectuadas corpo a corpo e com certeza seriam duras e violentas. Cristina Torrão dá-nos um pouco dessa imagem mas penso que as podia ter explorado melhor, até no ponto de vista das suas tácticas que são abordadas, sim, mas de uma forma algo superficial. Isso é algo que me fascina em alguns autores de romances históricos que, não demonstrando essa sensibilidade para exprimir a alma humana, têm nas suas descrições as suas mais valias e penso que é isso que falta a este romance que, sem dúvida, é um dos melhores que li até hoje e, sem dúvida, o melhor que li escrito por um(a) autor(a) português(a).