Para muitos considerado um escritor aborrecido, Vergílio Ferreira é um dos grandes escritores portugueses e um daqueles que se fosse norte-americano, francês ou inglês, era considerado como um génio da literatura, pois os seus livros são autênticos afagos à nossa alma e puras pérolas literárias.
Escrito em 1953 (publicado em
1954) aquando Virgílio estava colocado a leccionar em Évora, Manhã Submersa é,
muito provavelmente, o romance mais célebre do autor e aquele onde o autor
explana, através do seu alter-ego António Santos Lopes, o tempo
em que o escritor passou, na sua infância, no seminário do Fundão.
Romance triste e melancólico, o autor começa logo por
traçar um cenário nada simpático do seminário e dos padres que o dirigem, pois
e desde logo do início, na voz de António que a contragosto ali se encontra por
influencia de D. Estefânia, o narrador traça uma imagem monstruosa e
angustiante daquele lúgubre local, deixando também claro que a grande maioria
dos seminaristas ali estavam por obrigação e não por vocação.
Desta forma torna-se claro que António sente não ter
qualquer vocação para o ofício de padre e que a obrigação de frequentar o
seminário se deve apenas à obrigação de D. Estefânia e ao amor que sente pela
mãe, amor esse que, quase perto do fim, se torna perceptível quando António
sente que não grande escapatória, por é nele que se encontram guardadas as
esperanças da família para fugir da miséria na sua aldeia natal.
Pessoalmente foi com muito agrado que voltei a uma obra de
Vergílio Ferreira, autor que há muito estava nos meus planos de leitura e que,
com a Aparição, se tornou um dos meus livros de culto.
Não me desiludi. Pese embora continue a preferir a obra
“Aparição”, Manhã Submersa está muitíssimo bem escrito e consegue-nos
transmitir as percepções do personagem à medida que o tempo vai passando, das
suas imensas tristezas às escassas alegrias e esperanças.
Há medida que ia desbravando as páginas do livro, ia dando
comigo a pensar na quantidade de homens que seguem o ministério de padre sem
qualquer vocação, apenas por obrigação porque, no passado mais do que
actualmente, ser uma profissão que dá estabilidade e respeitabilidade,
sobretudo se olharmos para o passado, quando os padres eram as figuras mais
respeitadas e temidas das povoações.
E penso que é um dos factos que Vergílio Ferreira, que
conheceu in loco um seminário e as
suas muitas falsas vocações, pretende transmitir. Sabe-se que Virgílio estudou
no Fundão durante seis anos e que acabou por abandonar, findando posteriormente
os estudos no Liceu da Guarda, logo é muito natural que vários dos personagens
que habitam o romance se inscrevem em personagens reais que Vergílio conheceu
no seu tempo de seminarista.
Um excelente romance de um dos grandes escritores
portugueses.