Les Miserábles é a principal obra
de Victor Hugo e um dos Grandes Clássicos da literatura Universal. Publicado
simultaneamente em 1862 em vários países (dividido em cinco volumes, todos eles
temáticos), é uma obra que, desde o início estava destinada a ser um enorme
êxito devido, não só ao seu conteúdo histórico e de análise, como também porque
obedeceu a uma estratégica de marketing não muito usual naqueles tempos.
O argumento em si não difere
muito de um livro de aventuras tão em voga na altura. A história começa em
1814. Um homem é condenado às galés por roubar um pão que serviria para dar de
comer aos sobrinhos e, devido a várias tentativas de fuga, vê a sua pena
sucessivamente aumentado, ficando preso por longos 19 anos. Sai com o estigma
de ladrão e, até ver a “imaculada redenção” que o vai salvar dos maus caminhos,
ainda faz algumas patifarias que irão ter alguma repercussão anos mais tarde.
Pelo meio surge a típica jovem
inocente abandonada pelo namorado rico e estouvado que a deixa com uma criança
nos braços e que, devido à miséria em que cai, se vê obrigada a deixar a filha
ao cuidado de uns estranhos que a escravizam até ser salva por esse condenado,
à época, transformado em homem de bem.
Depois há as fugas mirabolantes
desses dois personagens, o malvado polícia que, obcessivamente, os persegue e
um conjunto de personagens que oscilam entre o bem e o mal, tudo num clima,
repito, aventuroso, semelhante a outros clássicos da época.
No entanto o que faz de “Os
Miseráveis” uma obra imortal e, de facto, um dos melhores livros alguma vez
escritos e que alguma vez li?
Primeiro porque Victor Hugo era
exímio na arte de contar uma história. Ele sabia criar suspense, situações de
cortar a respiração que nos levam a querer virar a página rapidamente numa
leitura compulsiva e prazerosa. Depois porque a obra encerra em si uma séria de
análises históricas e humanas que abrangem uma época importante e vital, não só
para a França, como igualmente para o resto do mundo. Por outro lado, o autor
soube analisar os vários comportamentos humanos (o conflito da crise de
consciência do principal personagem é brilhante), pintando uma tela onde
expressa todas as características socio-culturais da época e onde exibe todos
os podres e virtudes da sua sociedade, mostrando também uma Paris há muito
desaparecida, algo inclusive que ele, aqui e ali, vai referenciando.
A obra é muito extensa e Victor
Hugo não poupa nos detalhes narrativos, por vezes até em excesso. Facilmente
captamos as simpatias políticas de Hugo e, através das inúmeras reflexões que pululam
no livro, vamos percebendo a História por detrás de importantes acontecimentos
como, por exemplo, a batalha de Waterloo ou as barricadas de Paris, amplamente
descritas e explicadas. Curiosa também a forma como demonstra que o acaso, ou a
sorte e o azar, tiveram papel fundamental no percurso desses acontecimentos e
que, se não fosse Deus, a quem ele atribui o acaso, os ingleses não tinham
vencido a batalha de Waterloo e, hoje em dia, a Europa seria diferente.
Admito que não é muito encorajador
proceder à leitura das suas mais de 1000 páginas. Em todo o caso, podem estar
certos que irão ter acesso a uma época muito interessante que muito explica o
mundo que hoje temos, assim como, vai-se emocionar com uma imensa galeria de
personagens com características e perfis muito dispares entre si, análises
profundas ao comportamento humano, ao bem e ao mal e a uma sociedade que, 150
anos depois de ser descrita, demonstra ser tão contemporânea como a actual.
De menos positivo, na minha
opinião, é o exagero do estilo descritivo que chega a ser exasperante.
Recordo-me da descrição de um convento e do modo de vida das freiras ao longo
de muitas dezenas de páginas que peca pelo excesso e que me entediaram. Também
considero ser um livro algo erudito que necessita de alguma preparação, por
parte do leitor, do contexto histórico. Uma obra que merece ser lido quando o
leitor se sinta preparado e motivado para tal e nunca por obrigação, pois assim
corre o risco de não o apreciar ou de o ver e sentir apenas como um simples romance
de cariz policial e de aventuras.