Publicado
em 2017, o autor/historiador/arqueólogo Nuno Gomes Garcia, neste seu terceiro
romance constrói uma narrativa distópica surpreendente, pese embora deixe no ar
uma nuance de desconfiança de se ter inspirado no célebre romance de Margaret
Atwood, “Diário de uma Serva”, pois as semelhanças são algumas mas, neste caso,
inversamente.
Num
futuro próximo, cidade de Paris, sabemos logo de início que os homens são
propriedade das mulheres e que vivem sob o domínio delas, numa espécie de
escravatura light, ou seja, são tratados como empregados, os castigos físicos
são permitidos desde que exista má conduta e, mais importante, o homem viu-se
renegado a uma situação subserviente tal, que as relações sexuais são proibidas
e os casamentos são permitidos apenas para que a mulher possa gerar filhos, em
laboratório, desse homem, e para que os homens façam o trabalho doméstico,
sendo que é a mulher o sustento da casa.
Logo
é ai, o autor inverte completamente a sociedade, criando um cenário curioso,
até porque ele posteriormente, e penso que seria uma das suas principais
intenções, demonstra o quanto inverosímil possa ser esse cenário, quando faz
surgir na história um homem “diferente” e que vai virar todos esses conceitos
estabelecidos.
A
ajudar a essa subserviência do homem, outro dado curioso que o autor vai buscar
aos países muçulmanos, neste caso algo que torna a mulher escrava, que é o uso
do Hijab ou Niqab, aquele longo vestido em que só se vê os olhos, mas e no
livro é o contrário, quem o utiliza são os homens sempre que saem à rua e só o
despem quando estão em casa.
Parece-me
que aí o autor quis “brincar” com isso, levando o cenário a um extremo, de
forma a demonstrar que o que ele está a construir, acaba, de certa forma, por
já existir em diversas sociedades (inversamente), mas brincando também com
várias situações do mundo ocidental, ou seja, o que me pareceu é que o escritor
quis dizer: “hoje em dia os homens são subservientes às mulheres embora pensem que não. Vamos lá construir um cenário
onde isso é lei”, entendem?
Mas
a narrativa contém outros elementos que tornam esta distopia bastante atractiva
e sujeita a outras interpretações. Aqui o autor expõe, para além da subserviência
actual do homem pela mulher, o conhecimento (vai construindo uma espécie de Alegoria
da caverna e isso é claro com a questão: “És Feliz?”), manipulação genética, o
comodismo das sociedades, autoridade, ambição, ciúme e muita violência, tanto física
como psicológica.
O epilogo
é algo, a meu ver, desconcertante e onde o autor dá uma machadada brutal, pois
deixa em aberto o enredo, ficando no ar que o que se está a passar, já se
passou e que está aí diante dos nossos olhos, ele que faz uma transposição irónica
para a realidade actual.
Um
livro muito interessante que nos dá uma outra perspectiva, mas que tem também o
condão de tocar em variadíssimos factos da nossa vida actual, criando várias
analogias e metáforas sobre muitos dos factos concretos do Ser Humano e da sua
capacidade autoritária.