Sinceramente, face à beleza desta obra, aos sentimentos que me proporcionou a sua leitura, é complicado conseguir escrever uma opinião que transmita toda a sua excelência e o quanto mágica a terna é a sua prosa, pois essa magia, esse encanto e beleza flui pelas suas 350 páginas de uma forma, diria, como uma suave fragrância que nos vai hipnotizando e nos transporta, nos carrega e nos situa, não só nos locais, como, e isso só está ao alcance dos grandes escritores, nos faz sentir, cheirar, ouvir e ver toda a linha Histórica que o autor vai traçando.
Independentemente da história de fundo, que não vou aqui mencionar porque para isso há a sinopse, o fio condutor da narrativa é, simplesmente, o Amor. Mas engane-se quem julgue ou quem minimize este fabuloso romance, apenas porque o fio condutor é o Amor. Longe, muito, muito longe, de ser um romance entre paixões e amores não correspondidos, este é um romance que tem no Amor, em toda a plenitude do significado do termo, a sua lógica e a explicação para tudo.
Vão-me desculpar, mas não me consigo explicar melhor, contudo vou tentar transmitir a beleza desta narrativa.
Yasmina Khadra começa por nos situar na década de 30 na Argélia colonial, parte do império colonial francês.
À semelhança do que sucedia com o império português, nomeadamente em África, os argelinos muçulmanos eram vistos com desdém. Não tinham direito à nacionalidade francesa, não estavam a coberto pelas leis francesas e não tinham direito a voto. Os índices de analfabetismo eram elevadíssimos e essas famílias indígenas começaram a ver-se expropriadas das suas ancestrais terras, levando-os a amontoarem-se nas cidades em condições verdadeiramente desumanas. É nesse contexto que se inicia o romance.
Mahieddine Younes, parte com os pais para Orão depois da colheita ter sido incendiada. O pai, que só tinha na terra a subsistência da família, procura na cidade o que o campo lhe negou, iniciando-se aí o trajecto de Younes que nos levará a conhecer parte da História da Argélia do séc. XX e os importantes acontecimentos que levaram à sua independência em 1962. No entanto o romance tem o seu epílogo em 2008, por isso, imaginem, a riqueza História que flui desta obra.
Contudo e embora considere importante o conteúdo histórico, a meu ver a essência do romance está no Amor. Os acontecimentos que varrem a Argélia, vão servir de fio condutor para traçar as relações entre os vários personagens, no entanto e, passe a analogia, como um puzzle cheio de nuances, as peças vão-se encaixando ao longo do tempo, colando-se a cada um desses personagens, eles próprios, representando cada facção, ideologia e até crença do colonialismo. Por isso é tão difícil efectuar uma opinião desta obra, pois Khadra é capaz de desenhar uma história dentro da História, toda ela cheia de Amor, amizade, honra, heroísmo, sonhos, horrores, nacionalismo, coragem e muita, muita beleza.
Depois há a própria narrativa, o estilo de Yasmina Khadra fascinou-me e comoveu-me a tal ponto que dei comigo a pensar tratar-se de história verídica, tal o realismo da narrativa. Já li centenas de livros e poucos foram aqueles que me comoveram da forma como o fez este livro. A história das personagens é riquíssima e enternecedora, porém a forma poética e em simultâneo directa e objectiva como Khadra escreve, é algo apenas ao alcance dos grandes escritores e Yasmina Khadra é um Grande Escritor.
Enfim, perdoem-me não ter sido tão claro como se calhar devia ter sido, mas o que eu quero transmitir é que este livro merece ser lido, ser sentido e afagado, pois ele é um bálsamo para a nossa alma, faz-nos sentir tristes, é um facto, mas é uma tristeza alegre porque constatamos que é o pouco que nos torna verdadeiramente felizes.
Nota final para o título que expressa na perfeição a raiz desta fabulosa obra e que tem uma das mais belas citações que já li: “o meu tio dizia-me: “Se uma mulher te amar, e se tiveres a presença de espírito para avaliar a extensão desse privilégio, nenhuma divindade te chegará aos calcanhares”.
Como alguém dizia: “Qualquer leitor deveria ter um encontro com este sublime obra”