Publicado
mensalmente em folhetins a partir de 1836, as aventuras extraordinárias do sr. Pickwick
(Pickwick Papers) tornaram-se num evento extremamente
popular em Inglaterra, chegando ao ponto do jornal se esgotar poucas horas
depois de ter saído.
Os
contos, quase todos eles autónomos entre si, narram as aventuras e desventuras
de quatro membros do clube Pickwick que é criado com a intensão de investigar e
observar o quotidiano da Inglaterra do séc. XIX, resultando numa série de
contos onde a comédia, a par da sátira, se sente na forma como essas aventuras,
e desventuras, vão sucedendo.
Esses
quatro membro, o sr. Pickwick (o presidente), o sr. Tupman, o sr. Snograss e o
sr. Winkle, vagueiam assim por uma Inglaterra bem diferente daquela que
habitualmente vêmos representada na Londres vitoriana. Viajam pelo interior do
país, observando os seus costumes e a forma como as pessoas se comportam, e é
aí que está o grande interesse desta primeira obra de Charles Dickens.
Iniciada
a sua escrita quando Dickens tinha 24 anos, esta obra, escrita sob o pseudónimo
de Boz, supostamente narra as aventuras reais de quatro homens que pertencem ao
clube Pickwick. Foi assim que a obra foi lançada e foi assim que os seus fãs a
viam, pois julgava-se que eram de facto histórias reais retiradas de um suposto
diário pertencente ao sr. Pickwick. Por si só foi uma genial jogada de
marketing de Dickens que, dessa forma, ganhou nome e se lançou numa
carreira de sucesso.
Nestes
contos, podemos já constar das várias características que traçaram o estilo de
Dickens. A análise ao comportamento do ser humano é aquela que mais se
evidencia, pois, para mim, é a grande marca de Dickens. Porém, a sátira
declarada, uma espécie de critica social que mais tarde e noutras obras seria
mais evidente, também lá estão. A religião, a classe política, a magistradura,
os burgueses (um dos alvos de sempre de Dickens), o sistema de justiça que
apenas protegia os poderosos, enfim, são aqui satirizados de uma forma
humorística, colocando a nú e evidenciando as falhas do sistema da época. É
compreensível que os fãs de Pickwick fossem maioritariamente da classe média,
pois viam nesses contos uma espécie de revolta aos poderes instituídos e à sua
impotência para mudar esse mesmo sistema (tão actual que ainda é). Mas há mais
críticas e, nas aventuras desse grupo de quatro, não podemos de rir de várias
situações verdadeiramente hilariantes e absurdas, face também ao espírito da
época.
No
entanto não posso dizer que apreciei tanto o livro ao ponto de o considerar uma
grande obra. É um clássico, sem dúvida, e é a primeira grande obra de Dickens.
Pessoalmente, e já li a maior parte da sua obra, este é o menos conseguido.
Sim, claro que Dickens pode expressar a sua sociedade, pode representar uma
Inglaterra há muito desaparecida e tão diferente da Inglaterra de Londres, mas,
e embora os primeiros capítulos os tenha lido com muito agrado, sensivelmente a partir do
meio do livro foi-me algo penoso continuar, pois as situações arrastam-se, são algo repetitivas e
torna-se monótono o humor e a sátira.
Quer-me
parecer que Dickens quando se apercebeu do sucesso da obra, e como era
publicada periodicamente e por capítulos, quis espremer até dar, o que resultou
numa obra extensa e que, partir de
determinada altura, pouco traz de novo e pouco prazer dá a ler. Mas isso são suposições, pois não tenho dados concretos para defender essa tese.
Em
todo o caso é um livro que se lê muito bem e onde constamos do nascimento
desse peso pesado da literatura mundial que dá pelo nome de Charles Dickens.