segunda-feira, 5 de março de 2012

Emigrantes – Ferreira de Castro


Publicada em 1928, Emigrantes é o primeiro grande sucesso de Ferreira de Castro e aquel2 que o coloca na galeria dos escritores portugueses de referência.

Precursoras do Neo-Realismo em Portugal, este seu primeiro romance  (antes havia escrito somente contos e novelas), narra a emigração para o Brasil de Manuel da Bouça, humilde homem que ganhava o sustento para a sua família no arranjo duas suas diminutas terras.

Nesta primeira fase, Ferreira de Castro descreve-nos a pobre aldeia perdida no interior de Portugal, onde a luta diária pela sobrevivência é uma constante, mas de uma forma humilde e honrada. É no campo que e o romance se inicia, e o autor, através de Manuel da Bouça, dá-nos uma visão do Portugal rural dos primórdios do século XX.

Farto de tanto trabalhar e quase nada ter, Manuel da Bouça ilude-se com a perspectiva de emigrar para o Brasil e ganhar muito e fácil dinheiro. Conforme era comum dos primeiros anos do século XX, em Portugal acreditava-se que bastava emigrar para o Brasil para se ficar rico em meia dúzia de anos, ideia que vincou e se solidificou até aos anos 50, 60, altura em que se desmistificou. Ferreira de Castro, como emigrante que foi, tinha conhecido na pele as ilusões e agruras da emigração e explora-o no livro, e é precisamente aí que reside a raiz, o âmago do livro.

Munido de enorme confiança na sua saúde e capacidade de trabalho, Manuel da Bouça parte assim para o Brasil com a ilusão de juntar muito dinheiro para, 5, 6 anos depois, voltar e comprar uns terrenos para poder construir uma moradia. Em simultâneo, a vontade de juntar dinheiro para o dote da sua filha que, em idade casadoira, é tempo de pensar nisso.
Mas, antes de partir, juntam-se dois personagens que irão ter um papel fulcral na moral do romance. Carrazedas, que emprestava dinheiro aqueles que queriam emigrar hipotecando, estes, as suas terras. E o Nunes, agente de viagens, que vendia passaportes e ilusões de riqueza fácil aos ingénuos camponeses. Estes dois, que se mantém em Portugal, são os únicos bem sucedidos, sendo curiosa a reacção de Manuel da Bouça quando regressa a Portugal. Ferreira de Castro é claro na constatação dos factos: não é unicamente trabalhando que se enriquece…

Manuel de Bouça chega assim ao Rio de Janeiro e, quando desembarca, logo procura um conhecido da aldeia que, supostamente, foi bem sucedido e que já é estabelecido. E logo aí recebe a primeira machadada quando, através da boca deste, ouve que no Brasil se trabalha apenas para se sobreviver.
Desiludido, mas não vencido, Manuel da Bouça parte rumo a uma fazenda de café no interior de São Paulo, onde irá trabalhar no duro, sem conseguir sair da miséria.
Este é um livro onde Ferreira de Castro expõe toda a sua experiência da emigração. Tendo emigrado cheio de ilusões para o Brasil com 12 anos, o autor depressa constatou das falsas concepções que navegavam desde sempre no seu imaginário. Obrigado a trabalhar no duro num seringal na selva amazónica, viveu em condições precárias até regressar a Portugal em 1919 sem dinheiro nos bolsos, segundo o próprio afirma. Se formos observar o percurso de Ferreira de Castro, depressa encontramos uma fortíssima similaridade com Manuel da Bouça. Sabe-se contudo, que o miolo do romance encontra-se no seu primeiro conto intitulado “Criminoso por Ambição”. Conto escrito em pleno seringal quando o autor tinha 14 anos e que foi nunca publicado. Contudo é o próprio que o afirma ter este servido como base para a escrita dos “Emigrantes”.

É um livro poderoso que destruía (temos de nos situar na época em que foi escrito) e desmistificava a ideia de emigrar para enriquecer. É um romance cruel, que nos atinge violentamente e que nos coloca na pele de um homem bom e humilde que crê que pelos seus braços pode construir um futuro melhor para si e para os seus. No entanto, a ilusão cai por base e apenas encontra miséria, fome e desgosto.

Mais um enorme livro de um autor que merecia maior destaque, pois é injusto, presentemente, as suas obras estarem votadas ao esquecimento.

6 comentários:

Anónimo disse...

Onde é que há à venda? Não o encontro...

NLivros disse...

Oi!

Onde se vende este livro?

Nas livrarias esquece, estão mais entretidas com fadas e duendes. Mas encontras exemplares aos "molhos" em qualquer alfarrabista. E quase gratuitos.

Anónimo disse...

Podes me dar um exemplo, caso saibas, em Lisboa. Vi um na letralivre mas a 20€...

NLivros disse...

Olá RM.

Na zona do Chiado tens uns 5 alfarrabistas.

Procura na Barateira. Vou lá diversas vezes e vejo-o sempre por lá por 4€.

Francisco Lanca animation disse...

muito bom gostei, ainda por cima com capa do Stuart

Boboquinha disse...

Gostei muito do tema e apetece-me ler livros do autor agora que ouvi falar dele.

Ainda por cima é um tema intemporal. Hoje também muitos emigram com os mesmos sonhos de todos os outros.

A mim toca-me especialmente porque um familiar emigrou para o Brasil por volta do ano de regresso do autor, deixando cá esposa e filhos que nunca mais souberam dele mas o sabiam vivo por notícias de terceiros. Foi como um abandono. Mas eu penso muito naquele que parte e o que vai encontrar do lado de lá, assim como as dificuldades porque pode passar. E nunca esqueci o relato do Hermano Saraiva num dos seus programas sobre ter encontrado muito enfermo num sanatório no Rio de Janeiro um emigrante Português, cheio de saudades da terra e dos seus. Quando lhe perguntou de onde era, respondeu que não se lembrava. Ora, pois claro que ninguém esquece a terra onde nasceu e se sentiu uma criança feliz. O homem não quis foi dizer com receio que os parentes viessem a descobrir o seu triste destino. Se nada soubessem, manter-se-ia a ideia de que quem emigra fica rico...

As novelas brasileiras já abordaram este tema em novelas como "Os Emigrantes", "Terra Nostra" que se passava numa fazenda de café e agora em exibição na TVGlobo a mini-série Amazónia, que fala sobre a vida e o trabalho dos seringueiros. Tudo experiencias que o autor pelos vistos teve ou conheceu quem passou por elas.

Era uma EXPLORAÇÃO desgraçada. Mão de obra barata e explorada - muitas vezes é o que a emigração é.