Provavelmente o livro mais conhecido de Kafka e um dos livros mais crus, estranhos e violentos que alguma vez li. A premissa é deveras simples e, por si só, apelativa e indicadora para a história que Kafka nos reserva.
Certa manhã, ao acordar, Gregor Samsa apercebe-se que se está a transformar num gigantesco insecto. Caixeiro-viajante de profissão, Gregor é o único sustento da casa que alberga os pais e a irmã, que vivem às custas do pobre Gregor.
Desde o início compreendemos que estamos diante de uma metáfora e é dessa forma que nos custa a crer no que se vai desenrolando diante dos nossos olhos.
Gregor Samsa é desde o início tratado com nojo pela família. Invertem-se os papéis. Agora, de uma forma figurada, é Gregor o parasita e a família trata-o com desprezo e nojo. Antes era Gregor o escravo da família, o único que trabalhava, a única fonte de rendimento. É clara a alienação, a escravatura do ser humano face ao trabalho e às obrigações que a sociedade e a família lhe ditam, são reflexões que kafka vai traçando de uma forma muito subtil.
Uma das grandes particularidades desta obra é que é ela também uma espécie de análise pessoal que Kafka efectua. É possível rever Kafka em Gregor Samsa, sobretudo na sua fase mais jovem quando se libertou das correntes sociais pra puder escrever em liberdade. A sua família também tem paralelismos com a família de Gregor. O seu austero pai que só se interessava pela ascensão social e sucesso material, a forma severa como o pai o tratava é descrito de forma figurada no atirar das maçãs do pai de Gragor Samsa ao filho insecto (uma das imagens mais chocantes do livro). Mas Kafka vai ainda mais longe, aflorando outros factos políticos e sociais que varriam a Europa.
No fim temos um Gregor abandonado, isolado do mundo e transformado de vez em insecto. A libertação foi conseguida (a alienação), no entanto não consegue ser livre. Deixa-nos uma imagem perturbante, assim como perturbante e inquietante é todo esta belíssima obra da literatura universal.
15 comentários:
Penso que este é um dos livros que mais me marcou...
Temos um personagem em que tem uma família totalmente dependente dele para sobreviver e pela qual faz sacrifícios e às tantas essa mesma família, passa a querer a sua morte, uma vez que agora é motivo de vergonha...
Simplesmente não o ajudam! uma das imagens que me impressionou foi a maçã a apodrecer na carapaça!
Muito subtil esta escrita, um livro muito "pequeno" mas que nos transmite muita emoção e compaixão.
A certa altura Gregor (o escaravelho) passa a ser o mais humano de todos e toda a sua família parecem insectos insensíveis.
O que referes sobre a alusão ao seu pai é um facto que eu só "descobri" quando li "Carta ao Pai" da sua autoria! Muito comovente!! Foi com algum custo que consegui chegar às últimas páginas do livro. O que me fez também depois reler "A Metamorfose"
Olá Paula!
Este livro é genial e tem a capacidade de nos criar uma série de sentimentos à medida que vamos avançando na sua leitura.
Kafka utiliza, propositadamente, uma série de sentidos figurativos de forma a expôr as suas próprias ansiedades. Sobressai, na minha opinião, a má relação dele com o pai e a forma como este o tratava, pois, segundo creio, o considerava um parasita e é dessa forma que surge a Metamorfose.
De Kafka já li quase toda a obra mas, curiosamente, constatei que não tinha nenhuma opinião no blog, pese embora tenha publicado três em diversos locais.
Em todo o caso, esta obra é genial e tenho dificuldades em a considerar a sua melhor, pois gostei bastante do "Processo" e do "Castelo"
A "Carta ao Pai" nunca li, mas deve ter muito da Metamorfose ou, pelo menos, podemos compreender um pouco melhor o livro.
Não conhecia o livro mas parece interessante :)
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Muito boa, a tua crítica. Tenho de voltar a ler Kafka. Também há um outro livro, curto, como habitualmente, sobre a relação de Kafka com o pai. Intitula-se "A Sentença", não é muito conhecido em Portugal. Li-o há muitos anos e voltarei.
Interesso-me muito pelo tema da família, ou seja, a pressão que a família exerce nalguns dos seus membros. Muitas vezes, há um que, por qualquer razão, é mais sacrificado. É o tubo de escape, em linguagem mais popular: "o bombo da festa". Há um pouco disso no romance que acabei de escrever ;)
Esta obra de Kafka é muito boa. Toda a história confronta-nos com imensas realidades perturbadoras.
Samsa passa do dia para noite a ser um fardo muito pesado para a família, que o marginaliza e que apenas o suportam por obrigação.
Para além de diversas questões que levanta, este livro fez-me lembrar a situação de abandono e solidão dos "velhotes" em Portugal. Dedicam uma vida inteira aos filhos para mais tarde serem despejados em lares sociais e/ou hospitais sem nunca mais saberem dos seus filhos... E assim morrem no triste silêncio e solidão.
Olá Issa!
Okapas, vou fazer o que pediste!
Olá Cristina!
A Setença não conheço, mas pelo título deve ser muito interessante.
Sim, é um tema muito interessante e é curioso constatar que praticamente todas as famílias têm o seu "patinho feio" e que as histórias são, quase sempre, análogas.
Acabaste de escrever?
Oba! :)
Para quando a edição? Há previsão?
Agora também fiquei curiosa Cristina :D
Isto está complicado, Iceman. Estou descontente com a minha editora e vou tentar arranjar outra.
Tonsdeazul.
Olha, aí está algo que Kafka provavelmente não quis efectuar qualquer metáfora mas que, hoje em dia, podemos também analisar.
De facto o que o livro descreve pode ser, hoje em dia, analisado enquanto metáfora em relação ao abandono e esquecimento da velhice. No entanto e em relação a esse tema, é importante não ter juízos de valor antecipados, pois há muitos e muitos casos que esses idosos passaram toda uma vida a hostilizar, maltratar e desprezar os filhos e quando a velhice chega, colhem o que semearam.
Foi o primeiro livro de Kafka que li. Genial! Depois li os Diários. Achei que me ia ajudar a compreender qualquer coisa sobre o autor. E ajudou mesmo.
Infelizmente, depois de O Processo, nunca mais voltei ao autor. Talvez seja bom. Há que deixar os melhores para o fim!
Cumprimentos,
Filipe de Arede Nunes
Olá Filipe!
O Processo é igualmente bom e muito curiosa a história.
Aconselho!
Iceman, concordo com o que dizes sobre o "ter juízos de valor antecipados em relação aos idosos". Uma pessoa idosa é sempre uma pessoa muito frágil, o que suscita pena e vontade de ajudar e torna este tema muito sensível. Mas muitas vezes me pergunto que tipo de pessoas certos idosos foram, noutras fases da sua vida. Há pessoas que têm azar na vida e acabam na solidão, mas também há outras (muitas) que sempre hostilizaram os familiares, pessoas conflituosas, que não hesitavam em humilhar os filhos ou aproveitar-se deles. Como tu dizes, "colhem o que semearam".
Ora bem Cristina, chegaste precisamente onde eu pretendia.
Não generalizemos, há idosos que se vitimizam mas que não semearam amor nem amizade e depois... queixam-se.
Isso aplica-se a todos nós.
Pensem nisso!
Ai que horror xD Acho que iria ficar com medo enquanto lendo esse livro '-' mas ao mesmo tempo parece interessante ^^
http://travelingamongworlds.blogspot.com.br/
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