sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Recordar – FERREIRA DE CASTRO


José Maria Ferreira de Castro nasceu em Ossela, Oliveira de Azeméis, no dia de Maio de 1898.

Desde muito cedo percebeu que ali, em Ossela, o futuro dificilmente lhe sorriria e, embalado pelo grande surto emigratório, apenas com 12 anos, decide ir em busca de fortuna para o Brasil, o el-dorado daqueles anos.

Hoje em dia faz alguma confusão como é que uma criança de 12 anos, entregue a si próprio, parte rumo ao desconhecido, mas estávamos em 1911, Ferreira de Castro era o primogénito de uma família pobre cujo pai havia falecido quando ele tinha 8 anos e nesses tempos com 12 anos era quase um homem.

Durante 4 anos viveu no seringal Paraíso, em plena selva Amazónica, uma existência dura e miserável que não acaba quando parte do seringal para Belém do Pará, onde vive em condições precárias cujo único objectivo passa em ter alguma coisa para comer. Aí fica mais 3 anos, até que em 1919 consegue o visto de regresso a Portugal, fixando residência em Lisboa.

Não se julgue que a vida de Ferreira de Castro melhorou. Em Lisboa vive de expedientes ocasionais, no entanto já a chama literárias lhe acendia a alma (aos 14 anos escreveu o seu primeiro romance “criminoso por ambição”) e na mente outras histórias fruto da sua vivência brasileira.

Aliás, a experiência no Brasil moldou-lhe o carácter, amadureceu-o e esteve na base de toda a sua obra.

É no Brasil que nasce a sua revolta contra os explorados, oprimidos e miseráveis que a vida forma e é neles que se vai inspirar para traçar o perfil dos personagens dos seus livros.

Ferreira de Castro acaba por se relacionar com figuras da imprensa e o seu carácter e humildade levam-no a suprimir obstáculos, acabando por entrar no meio jornalístico, sendo então redactor do jornal “O Século” e, mais tarde, director do jornal “O Diabo”.

Com apenas 30 anos, Ferreira de Castro “mata-se” a trabalhar. Escreve centenas de artigos por mês. De dia exerce a sua actividade profissional, mas à noite, das 18:30 às 20:00, dá azo à sua maior paixão: a escrita.

Já com alguns contos publicados, é em 1928 que dá à estampa o seu primeiro grande romance: Emigrantes e não é por acaso que o escreve.



Em “Emigrantes”, transcreve a sua dura vivência da emigração personificada em Manuel da Bouça, homem analfabeto que emigra para o Brasil com o objectivo de ganhar dinheiro para proporcionar à filha um bom dote. Em Manuel da Bouça, Ferreira de Castro personifica milhares de portugueses que entre 1909 e 1912 emigraram para o Brasil e aí viveram miseravelmente.

Obra importantíssima da literatura portuguesa, Ferreira de Castro expressa toda uma mentalidade que assentava na tradição que já vinha de longe, que se herdava e legava.

Porém é na obra “A Selva”, de 1930, talvez a obra mais conhecida do autor, que Ferreira de Castro exorciza o seu passado no Brasil e as condições miseráveis que ele próprio suportou. Entre Carlos Alberto (personagem do romance) e Ferreira de Castro, há vários pontos em comum que levam a considerar ser esta obra a sua obra mais autobiográfica. É nela que o autor descreve a beleza infernal da selva amazónica e o esforço inglório e desumano dos cearenses e maranhenses que tiravam da floresta a borracha que outros revendiam com grandes lucros. A exploração dos mais fracos é aqui escalpelizada. Mais uma obra fundamental da literatura portuguesa.

A partir de 1930, Ferreira de Castro ganha notoriedade e é considerado um autor importante e de qualidade.

Continua a escrever incessantemente em simultâneo com a sua profissão e é precisamente em serviço que se desloca ao Egipto, nascendo aí, em 1937, uma obra que lhe vai espicaçar o interesse para escrever algo de maior. “Pequenos Mundos, Velhas Civilizações”, servem de base para duas obras importantes da literatura portuguesa e tão esquecidas: “A Volta ao Mundo” (1940-1944) e “As Maravilhas Artísticas do Mundo” (1959-1963).

Ferreira de Castro teve uma vida cheia, riquíssima. Como o seu espírito aventureiro, deambulou um pouco por todo o mundo e é essa vivência que lhe serviu para construir uma obra impar, que o colocaram, ainda em vida, na galeria dos maiores escritores portugueses e, registe-se a amizade com grandes vultos da literatura como Jorge Amado (Ferreira de Castro foi candidado ao Nobel conjuntamente com Jorge Amado em 1968) que disse de Ferreira de Castro: “ser Ferreira de Castro quem lhe inspirou a carreira”, Agustina Bessa-Luís, Fernando Namora, Vitorino Nemésio que disse: “inegavelmente o maior da literatura portuguesa”, Óscar Lopes, Urbano Tavares Rodrigues e tantos outros, o que sobressai dos testemunhos dos seus amigos é a imagem de um homem de coragem, dignidade, com um coração enorme, simples, autêntico, que se regia por valores sólidos e de uma verticalidade que deviam, hoje em dia, ser modelares a toda a sociedade portuguesa.

O seu espólio foi doado pelo próprio Ferreira de Castro à C.M. Sintra em 1973, ficando também registado como sua última vontade ser sepultado na Serra de Sintra.




Hoje em dia é possível visitar-se a sua casa (casa-museu), visita gratuita, em Sintra (junto ao famoso hotel Lawrence, onde se tem a oportunidade de se visionar um vídeo onde é narrado toda a sua vida, bem como ver objectos pessoais, fotografias, documentos e, mais impressionante, originais dos seus livros que ele escrevia a caneta em folhas de tamanhos diferentes e irregulares. Imaginem a montanha de papel.

Ferreira de Castro faleceu no dia 29 de Junho de 1974 no Porto, sendo, conforme sua vontade, sido sepultado na Serra de Sintra e é em Sintra que podemos sentir um dos grandes vultos da literatura portuguesa.

Hoje em dia Ferreira de Castro caiu no esquecimento.

Não quero crer que esse esquecimento se deva ao facto de ter sido sempre independente politicamente e de nunca ter expressado uma ideologia religiosa. Quero crer que a cultura portuguesa fará ressurgir este importante escritor, dando a notoriedade devida e tornando-o num autor digno de outros grandes nomes da nossa literatura.

Se não, cabe a nós, simples leitores, não deixar cair no esquecimento esses autores que deram um tão grande contributo à literatura portuguesa.

Links de Interesse:

www.cm-sintra.pt/Artigo.aspx?ID=2236
www.ceferreiradecastro.org
http://www.aveiro-norte.ua.pt/ferreiradecastro/index.asp http://www.paulodacosta.com/ferreira.htm
http://ferreiradecastro.blogspot.com

4 comentários:

WhiteLady3 disse...

Excelente texto. Já tive a oportunidade de visitar a Casa-Museu, lugar de um workshop que frequentei, e tenho por ali alguns textos sobre ele. No entanto, nunca tive curiosidade em ler nada, para além da sua contribuição para a antologia de contos de Natal, já que é daqueles que muitos não apreciam e contam-se entre esses a minha mãe, que simplesmente abomina A Selva (é uma vergonha, eu sei, mas não me consigo recordar do conto, lembro-me de ficar positivamente impressionada e de lhe dizer ao que ela respondeu com um "a sério?" e pensei em oferecer-lhe o livro).

Não sabia que tinha influenciado tantos escritores. Talvez venha a lê-lo no futuro, seria um crime não lhe dar o benefício da dúvida às suas obras mais importantes.

NLivros disse...

Eu adorei a Selva, livro que acabei de ler há dias e cuja opinião já a escrevi e que devo publicar nos próximos dias.

Na minha opinião é um escritor que escrevia muito bem, pois é preciso não esquecer que foi jornalista e escritor com apenas a 4ª classe.

cá-cá (Portugal) disse...

Realmente não é um escritor muito conhecido apesar de todo o seu percurso. Obrigada por contribuires para um maior e melhor conhecimento dos nossos autores. Quando me deparar com uma obra deste escritor terei assim maior curiosidade. Boas leituras!

NLivros disse...

Olá cá-cá!
Obrigado pelo teu comentário, é sempre muito agradável quando percebemos que o que escrevemos serviu para enriquecer ou despertar a curiosidade a alguém.
Já valeu a pena!
Bem haja!
:)
Boas leituras!