Num tempo onde tanta porcaria é editada, onde
medíocres autores são aplaudidos e venerados e até comparados a “Monstros
sagrados” da literatura universal, é sempre bom descobrir algum desses “monstros”
que, por qualquer acaso, era desconhecido e, sem dúvida, que um desses autores
que hoje em dia ninguém lê, mas que merecia ser lido, é, sem dúvida, Irène
Némirovsky.
Némirovsky foi uma escritora de sucesso até
1942, altura em que foi morta, aos 39 anos, no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau.
Para a posterioridade, deixou poucas obras mas, sobretudo, legou ao mundo esta
sublime obra intitulada “Suite Francesa” que só chegou aos nossos dias porque o
destino assim o quis.
De uma forma muito resumida, Irène pretendia edificar uma obra em
cinco partes (com base na estrutura da Quinta Sinfonia de Beethoven), no
entanto só conseguiu completar as duas primeiras partes que intitulou “Tempestade
em Junho” e “Dolce”, até ser detida e morta pelos nazis em Auschwitz. O
manuscrito, que as filhas pensaram tratar-se inicialmente de um diário da mãe,
andou numa mala à medida que as filhas iam sendo salvas pela perseguição dos
nazis. Anos depois, já adultas, uma das suas filhas ganhou coragem para ler o
manuscrito e deparou-se com um monumental documento sobre a 2ª Guerra,
essencialmente, um documento onde narrava o estado da população francesa e de
como reagiram face à ocupação nazi. Resolveu então editar tão preciosa obra em
2004 e o mundo das letras agradece-lhe.
Comparado por vários críticos como um Guerra e Paz da Segunda
Guerra Mundial, o que a meu ver é manifestamente exagerado porque sendo de
facto uma excelente obra, não atinge o brilhantismo da obra de Tolstoi, mas de
facto deparamo-nos com um relato assombroso, de uma lucidez extraordinária, dos
acontecimentos logo a seguir à derrota dos franceses e da consequente invasão
nazi.
Assente em vários personagens e famílias, Irène vai desbravando o
que de mais miserável e em simultâneo melhor o que o Ser Humano possui. Face à
chegada dos alemães, milhares de franceses, assustados, fogem das suas casas. E
é aí que assistimos a relatos assombrosos que demonstram a perversão do Ser
Humano e do quanto animal irracional ele consegue ser face ao desconhecido.
E é precisamente esse desconhecido que, a meu ver, marca esta
obra, pois o retrato que Némirovsky faz dos alemães é um retrato bondoso, longe
da imagem de monstros que hoje conhecemos. Ou seja, é claríssimo que Irène
desconhecia a existência dos campos de concentração e dos riscos que corria, ou
se tinha ouvido falar, simplesmente não deveria ter acreditado nele, pois pinta
os alemães como “seres” correctos, bonitos, jovens e que só ali estavam porque,
enfim, porque sim e que não tinham qualquer intenção de infligir dor ou
humilhação. Tanto na primeira parte, onde efectivamente assistimos ao êxodo de
várias famílias que, em aflição, fogem desse inimigo desconhecido, como na
segunda parte, mais centrada já em vários personagens alemães, a escritora
traça retrato benignos.
Nota final para as anotações pessoais da autora e a
correspondência, não apenas da autora, mas também relacionado com ela, que
findam esta edição. Vêm simplesmente abrilhantar esta sublime obra que merece
ser lida e aclamada, não apenas pelo relato em sim, mas e sobretudo pelo
brilhantismo da escrita de Irène Némirovsky.
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