terça-feira, 9 de novembro de 2010

Anjo Branco (O) – José Rodrigues dos Santos


Na apresentação do livro ocorrida há duas semanas na Sociedade de Geografia de Lisboa, o autor, entre outras considerações à obra e aos factos nela contida, afirmou tratar-se o presente livro de uma espécie de continuação de “A Vida num Sopro” e que, com isso, estaria a efectuar uma saga da sua família.

Assim, antes de ler “O Anjo Branco”, empreendi a releitura de “A Vida num Sopro” e em boa hora o fiz, pois as peças do puzzle encaixam-se de uma forma perfeita, sobretudo no primeiro terço de “O Anjo Branco”.

A história inicia-se precisamente algumas semanas após a morte de Luís, estando Amélia em profunda depressão sem que o seu marido soubesse como agir. Ou seja, é de facto uma continuação, pois as personagens iniciais são precisamente as mesmas, pese embora elas vão desaparecendo progressivamente, sendo substituídas por outras mas que mantém a família Branco como fio condutor, não fosse José Branco, filho de Amélia que cresce, licencia-se em medicina e parte para Moçambique para aí exercer a sua actividade em prol dos mais necessitados.

Embora o romance tenha o seu epílogo com o massacre de Wiriyamu, levado a cabo pela 6ª Companhia de comandos de Moçambique, este romance, que considero um dos mais bem conseguidos de Rodrigues dos Santos, é um romance essencialmente sobre a Guerra Colonial e a forma como os portugueses e os nativos a viram e sentiram.

Impressionou-me a extrema violência e a forma crua como o autor narra alguns acontecimentos. O próprio autor assume serem os casos amorosos puramente fictícios, os acontecimentos factuais são mesmo reais ou inspirados em coisas que realmente aconteceram, e é impressionante o que é narrado, a extrema crueldade de um conflito que, mais de 30 anos passados, ainda está por discutir na opinião pública.

Houve algo que me chamou a atenção na apresentação e que, após ler o livro, consegui compreender. Dizia o autor que, na altura em que estava a escrever o livro, quis entender a lógica do massacre, do porquê de soldados armados matarem mulher e crianças indefesas e que, inclusive, inquiriu o comandante que comandou os comandos nesse massacre, tendo o mesmo respondido que há coisas que não fazem sentido agora mas que faziam naquele contexto. Por muito forte que seja, damos connosco a perceber a lógica do massacre e a perceber que o mesmo foi feito porque, simplesmente, tinha de ser feito. E isso é uma das principais virtudes desta obra.

Numa escrita simples, sem grandes floreados e com as descrições necessárias, a história vai-se desenrolando de uma forma lenta, suave mas necessária. José Rodrigues dos Santos sabe como contar uma história, sabe interligar muito bem factos históricos com ficcionais, dando-nos uma visão da vida portuguesa que abrange 40 anos, findando num acontecimento que ainda hoje, repito, carece de explicação e discussão: A Guerra Colonial.

4 comentários:

Paula disse...

Há algum tempo que tenciono ler algo do autor. Estava a pensar em iniciar com "A Filha do Capitão" os policiais dele não me atraem, são demasiadamente parecidos com o D. Brown (pelo que pude apurar)
Já tenho Anjo Branco, mas não sabia que tinha de ler "A Vida num Sopro" :P vou ter de comprar :D
Abraço
Ps: a tua classificação aos livros faz falta

NLivros disse...

Olá Paula!

A Filha do Capitão, para mim, é dos melhores livros da literatura portuguesa e acho muito bem começares por aí.
Em relação aos policiais, não concordo que sejam demasiadamente parecidos com os de Dan Brown. Na minha opinião os de JRS são mais actuais e bem mais interessantes, em todo o caso, acho que devias ler o Codex, pois esse diz respeito à História de Portugal e aprende-se muito.
Em relação ao Anjo Branco e pese embora seja uma continuação da "Vida num Sopro", penso que não necessitas de ler esse primeiro. São livros independentes, com o mesmo fio condutor, é certo, mas independentes. Agora que ler o dois há coisas que fazem mais sentido e que encaixam de outra forma, disso não tenho dúvidas.

A classificação?
Tirei-a porque dei comigo a não saber que classificação dava aos livros. Classificar de 0 a 10 sempre achei que não fazia sentido, pois é uma escala muito grande. De 0 a 5 fez sentido até começar a ter dificuldade em dar um 4 ou um 3, pois entre eles as diferenças podem ser mínimas. Assim decidi tirar a classificação e deixar a cargo daqueles que lêem a opinião, ler entrelinhas a classificação que estou a dar.

Pedro disse...

Como já te disse...
Não sei quando terei a oportunidade de ler o livro.

Fico muito contente que tenhas gostado e fico ansioso por considerares um dos mais bem conseguidos!

Olga disse...

Este senhor é magistral! Qualquer obra dele remete-nos sempre à compreensão de um tema interessantíssimo.

A ler caixas de mensagens,não consigo deixar de opinar que por acaso também já desisti de catalogar livro em classificações, seja ela alta ou baixa, já que, tantas vezes, caracteriza-se um com apenas um único adjectivo.

Descobri agora este espaço, e adorei!

Feliz 2011, de preferência com muitas e grandiosas leituras.

bjo