sábado, 18 de agosto de 2007

Ana Karenina - Leon Tolstói

As obras de Tolstoi são sempre extensas e muito complexas. Em todas elas o escritor mostra um extremo gosto em utilizar um elevado número de personagens que, com a sua propensão em brincar com os nomes, torna a história difícil de ser acompanhada. E, por falar em nomes, quero aqui referir algo que explica o porquê de os autores russos utilizarem quase sempre três nomes para representar um personagem. Por exemplo, neste romance um dos personagens que mais apreciei chama-se Stepane Arcadievitch, também referenciado por Oblonski e Stiva. Ora bem, toda esta confusão, deriva de uma convenção própria do sistema russo. Qualquer natural da Rússia tem um primeiro nome (ex: Stepane), um patronímico (relativo ao pai, ex: Arcadievitch) e um apelido (ex: Oblonski). O patronímico é composto pelo primeiro nome do pai acompanhado de um sufixo que significa "filho(a) de", ex: Arcadievitch (filho de Arcadi) e o diminutivo de Stepane é Stiva. No caso das senhora é algo diferente, na convenção elas usam o apelido do marido, ex: Agata Mikhailovna (mulher de Mikhail), Karenina (mulher de Karenin) e Kitty é diminutivo de Katerina. É algo confuso, mas depois de percebermos a lógica, esta informação é bastante útil para conseguirmos entender todo o "fio" de qualquer romance russo, pois e no caso de Tolstoi torna-se bastante útil dado a enormidade de personagens utilizados e os nomes a triplicar que todos eles têm. De salientar que consegui esta informação numa insistente busca na net.

Ana Karenina é considerado um dos grandes clássicos da literatura, não só pela sua vertente Histórica onde é abordada e descrita a sociedade russa do séc. XIX, como também pela sua vertente psicológica e filosófica, pois Tolstoi realiza minuciosos estudos às suas personagens, assim como não se coíbe de efectuar várias dissertações filosóficas e religiosas.

A obra relata as vidas cruzadas de várias famílias que têm entre elas sempre um ponto em comum. Dessas famílias, sobressai a personagem de Ana Karenina, mulher da alta sociedade, casada com um importante homem de estado e mão afectuosa de uma criança de 9 anos (se não estou em erro). Acontece no entanto que Ana apaixona-se por um jovem e galante conde (Vronsky), começando então uma relação intensa que irá escandalizar toda S. Petersburgo. Resolvido a não prejudicar a sua brilhante carreira, o marido de Ana fecha finge que nada se passa, até que em face de um acontecimento, é obrigado a tomar consciência da realidade e a tomar uma decisão... E mais não conto!

Claro que todas as outras personagens do livro são importantes. Na minha opinião existem dois ou três personagens cuja presença é imprescindível à beleza do drama, no entanto é inegável que a heroína é Ana Karenina e é nela que toda a história assenta.

Escrita entre 1875 e 1877 (depois de Guerra e Paz), Tolstoi joga com um assunto altamente polémico em todas as culturas ocidentais: o adultério. E, ainda descontente com este assunto, lança mais lenha para a fogueira: os valores morais, religiosos e políticos. Todas estas componentes juntas e misturadas, com uns pózinhos de filosofia do próprio autor, põe o leitor diante de um autêntico combate entre o bem e o mal, entre a imperfeição e a virtude. É intensa a forma como Tolstoi descreve as lutas morais dos personagens, aliás, chega a ser incomodativo a forma como o faz, porque quer queiramos quer não, nós próprios acabamos por entrar na discussão e tomar partido por ou contra alguém.

Para além disso, achei interessante a abordagem do autor aos sistemas que me pareceram ser o socialista e o comunista (pelo menos na sua génese). A forma como esses sistemas poderiam ser introduzidos e nos benefícios que trariam aos camponeses, assim como achei delicioso a forma irónica como Tolstoi aborda a teoria do capitalismo: Analfabetismo = Baixo custo de mão de obra = Riqueza dos burgueses.

Mas e não querendo alongar-me mais, porque este é um livro que tem muito para analisar e se o fizesse nunca mais daqui sairia, findo afirmando que esta obra é uma das melhores que li até hoje. Não se pense que se trata de uma mera história de amor, nada disso, Tolstoi, um mestre do realismo, efectua uma vasta análise à sua sociedade nos seus vários extractos (alta, média e baixa), conseguindo transmitir-nos todo aquela ambiente de uma Moscovo e S. Petersburgo cheias de tradições. E é curioso que, as personagens são tão intensas que facilmente damos por nós a "tocá-las", a "senti-las", a "falar" com elas. Ou seja, Tolstoi consegue fazer interagir as personagens com o leitor, consegue com que o leitor sinta os seus problemas, as suas dúvidas, as suas angústias, os seus dramas.

O final do romance é um bocado abrupto, pessoalmente não fiquei satisfeito, teria-lhe dado outro final que penso ter sido plausível, no entanto é precisamente nesse final que está a resposta a todas as questões que vão sendo colocadas: Devemos lutar pela nossa felicidade contra tudo e contra todos?; Até onde devemos seguir os costumes da sociedade? Devemos preocuparmo-nos com o que os outros dizem?

6 comentários:

Leo disse...

Bom post! "Linkei" no meu blog.

Paula disse...

"Ana Karenina" é um dos meus livros preferidos.

Miguel Pestana disse...

Que bela recensão do livro Anna Karenina. Gostei da tua eloquência escrita.
infelizmente li e não me cativou este extenso livro de Tolstoi. Se calhar nao foi das melhores fases para lê-lo, então.

Mais quero conhecer outras obras do autor. Não me dei por vencido!

Boas leituras


silenciosquefalam.blogspot.com

Anónimo disse...

Entrei por acaso aqui e... que blog! Um com, um dos melhores conteúdos que acessei, bom mesmo. Parabéns! Amo ler, desde bula de remédios rsrs, a escritores complexos (como você bem disse) como Tolstói. Não sou nada intelectual, em muitos aspectos bem leiga mesmo, embora relute para nunca cair na ignorância.
Tenho um blog, mas é simplório comparado ao seu (menos cérebro rsrs) se acaso queira aparecer por lá: http://fantasticafabricadeanna.blogspot.com/
Sentirei honrada com sua visita!
Adorei seu parecer sobre está obra fantástica!!!
Boa sorte sempre!

Pam disse...

Estou lendo 'Ana Karenina' agora... E estou realmente me deliciando! Ótimo post!

María Clara disse...

Estou começando ler agora! gostei muito dos seus comentarios