domingo, 30 de março de 2008

Terra Bendita - Pearl S. Buck

”Terra Bendita” é o primeiro livro que leio de Pearl S. Buck, Prémio Nobel da Literatura em 1938.
É também o primeiro volume de uma trilogia que a autora consagra à China, sua segunda pátria, pois com apenas quatro meses foi viver para aquele país.
Americana de nascimento, Buck tinha a alma daquele país milenar, conhecendo os hábitos e a cultura chinesa do princípio do séc. XX, cultura essa assente em tradições fortíssimas onde a mulher tinha, e penso que continua a ter, um papel secundário e totalmente subjugado ao homem.
Assim e nesta trilogia, Buck escreve uma história simples sobre a vivência de uma família tradicional numa qualquer aldeia tradicional, no entanto não se trata de uma simples descrição que podíamos ler e deitar fora, de forma alguma, essa descrição narra o modo de vida de um país culturalmente fechado, sobretudo quando a Revolução chinesa de 1949 ainda não passava de uma utopia.
Wang Lung é um agricultor que se dirige à casa senhorial da aldeia a fim de ir buscar uma mulher daquela casa para a tomar como esposa.
Como era hábito na época onde a história tem lugar, fim da década de 20, início da de 30 do séc. XX, essas grandes casas, propriedades dos senhores ricos que tinham uma série de escravas que serviam para servir, literalmente, o senhor e a sua família, até a nível sexual.
Desde logo é nítido o papel secundário e escravizante da mulher. Ela é vista como escrava, simplesmente.
E lá vai Wang Lung até essa casa onde a sua futura mulher o espera. Ele nunca a viu, nem lhe interessa. O que lhe interessa é que ela saiba cozinhar, tratar da casa e que seja boa parideira.
No entanto e quando conhece essa mulher, O-Lan, fica algo decepcionado com a sua figura algo grotesca, ou sejam ela tem a aparência das mulheres mongóis, e ele, enquanto chinês do Sul, acha-a feia, sobretudo porque não possue os pés pequeninos, conforme uma boa mulher chinesa deve ter.
Mas nem tudo é mau, por outro lado, ele depressa se apercebe que a fealdade de O-Lan teve o mérito de a ter poupado aos avanços dos homens daquela casa, logo, O-Lan é virgem, um luxo para um agricultor pobretana como é Wang Lung.
Leva-a para casa e começa aí uma vida de intenso trabalho no campo, sempre e de uma forma que até surpreende Wang, com a ajuda de O-Lan que, sempre atenta aos seus afazeres domésticos, ainda saí para o campo. Assim, e mesmo sofrendo alguns revés, Wang Lung acaba por enriquecer.
No entanto a riqueza sobe-lhe à cabeça, iniciando então uma vida de esbanjamento, sempre sob o olhar acusador de O-Lan, que nada podia fazer.
Na minha opinião, o centro da história é precisamente o modo de vida tradicional da China rural, da China profunda. Os personagens que Buck cria são apenas o meio.
Mesmo o facto de Wang se transformar num homem rico, que vê o dinheiro como algo que lhe dá posição na aldeia e acesso a lugares proibidos aos pobres, faz com que fiquemos com a percepção que a posição hierárquica foi, e ainda o é, algo de prioritário na China.
Obviamente que podemos dizer que esta história se adaptaria a qualquer nação, principalmente na altura da acção. Em parte concordo, principalmente ao nível do papel da mulher, no entanto há características próprias daquela zona do globo, sobretudo como a mulher era encarada, comprada como se fosse um mero produto, o facto de existir o hábito enraizado de fumar ópio, as casas de chá, as cheias e a própria agricultura tão baseada no arroz, passando também por uma cultura patriarca, onde os idosos eram sagrados.
Todas essas características estão fortemente descritas e é a partir delas que a história circula.
”Terra Bendita” é um livro muito bom e que se lê sem grandes dificuldades.
Porém a mim soube-me a pouco.
O cenário é-nos apresentado e a história arranca, no entanto e embora Buck desenvolva muito bem o trama, o mesmo torna-se algo monótono, pois as cenas repetem-se um pouco. A fixação de Wang pela terra repete-se praticamente página a página. As considerações sobre as mulheres são sempre semelhantes e até a vida descrita leva o livro num rumo modorrento.
Não é nada que incomode ou que tire brilhantismo à obra, mas é um livro triste, escuro, algo aborrecido, mas e atenção, um livro que nos dá a conhecer essa cultura fechada, um relato exemplar da China rural.

terça-feira, 25 de março de 2008

Amante de Lady Chatterley (O) - D. H. Lawrence

Quero desde já adiantar que esta opinião irá abordar esta obra numa vertente que visa essencialmente a análise entre a obra, a época em que foi escrita e, sobretudo, as reais intenções do autor. Logo, uma opinião nua e crua, a mesma forma que Lawrence utilizou para descrever as relações sexuais entre Connie Chatterley e Oliver Mellors.

David Herbet Lawrence, nasceu em Eastwood, Inglaterra, no ano de 1885.

Sabe-se que o seu amor pelo erotismo se revelou bem cedo, vindo então a escrever pequenos textos onde o amor e o sexo eram descritos como uma força da natureza, uma expressão natural do sentimento humano. Para Lawrence, as mulheres eram a força motriz da natureza, as mães e esposas de todos os homens e os seres que carregavam no ventre o vaso da semente masculina. A sua importância para os homens vai para além do que a sociedade de Lawrence defendia, ele achava que a existência da mulher era decisiva para a sobrevivência dos homens, eram o bálsamo que alimentavam a existência dos homens. Em suma, Lawrence amava as mulheres.

Mas toda esta obsessão que, a julgar pela sua vida, deverá ter tido início pela profunda adoração que Lawrence sentia pela mãe, iria finalmente explodir em 1914, curiosamente um ano depois da morte de sua mãe, quando, e depois de romper com a sua noiva, foge para a Prússia com uma mulher casada e mãe de 3 crianças. Frieda era um mulherão, de seios fartos que levou Lawrence a afirmar: "Os seus seios são o meu lar".

É a partir desse relacionamento, que posteriormente vem a dar em casamento, que ele começa a desenvolver para romances algumas das suas ideias. Encontra assim um porto de abrigo onde, e segundo as suas próprias palavras, conhece os verdadeiros prazeres sexuais com a mulher, não olhando a falsos pudores nem vergonhas, entregando-se totalmente ao prazer.

Em 1915 é publicado o seu primeiro romance e que vem a ser classificado de obsceno e imundo: O Arco-Irís. É apreendido por ordem do tribunal, havendo mesmo um pedido de desculpas por parte do editor. Lawrence jamais irá esquecer este acontecimento.

Lawrence julgava o sexo como uma manifestação física natural e normal. Ao pensar dessa forma, ele começou a criar uma série de anticorpos na sociedade inglesa, tão agarrada a valores vitorianos e que via o sexo como algo puramente animal, só sendo digno para o efeito de reprodução.

Lawrence declara então uma espécie de guerra a essa sociedade. Nunca fazendo claramente essa declaração, a intenção do autor não será o de chocar o público, mas sim mostrar o génese da sociedade humana, fazer ver que a excitação sexual é algo de normal, que é necessário "matar" a vergonha que aprisionam as pessoas e a sua mente.

Em 1926, e já a viver na Toscana com a sua musa inspiradora, Lawrence escreve aquele que é, ainda hoje, considerado a sua obra máxima e, saliento, considerada como um dos melhores cem livros do séc. XX: "O Amante de Lady Chatterlley".

Esta é a história de Constance Reid (Connie), uma jovem e atraente mulher, que casa com um rico e oficial inglês, Clifford Chatterlley. Após a lua de mel, ele é enviado de volta para as trincheiras da Primeira Grande Guerra, onde, pouco depois, sofre um grave ferimento que o deixa paralisado da cintura para baixo.

De volta a Inglaterra, o jovem casal vai viver para a mansão de Clifford, começando então uma existência fútil, triste e vazia. Eram ambos jovens, no entanto Clifford estava morto da cintura para baixo, enquanto Connie sentia-se arder por dentro, o desejo subia-lhe pelo corpo em vagas sucessivas e via na sua vida futura algo sem nada.

É então que Lawrence faz o primeiro arremesso.

Vendo a situação da sua esposa, Clifford dá-lhe autorização para que ela arranje um amante e, inclusive, tenha um filho deste, desde que ninguém saiba, que o amante seja alguém de boa posição e que a criança seja considerada dele.

Ao princípio periclitante, ela acaba então por se envolver, não com um homem de boa posição, mas com o caseiro da propriedade, Oliver Mellors, um homem feio e rude, mas que incorpora toda o vigor masculino, vigor esse que encanta e enche de prazer Lady Chatterlley.

A partir daí... meus amigos, Lawrence oferece-nos descrições verdadeiramente excitantes dos encontros sexuais entre Connie e Oliver. Uma verdadeira loucura erótica onde as palavras são colocadas de uma forma nua e crua, mas e ao mesmo tempo, de uma forma terna, acabando em climaxes esplendorosamente apoteóticos.

Obviamente que o romance não se resume apenas a esses encontros sexuais. A história continua e sempre com Lawrence a atirar pedras aos conceitos britânicos e cristãos, pois recordo-me que chega mesmo a colocar em causa a existência de Deus.

Neste romance, e por muito que se façam análises sobre outras intenções do autor, nomeadamente intenções de ferir ou de chocar a sociedade, o que é verdade e isso é claro, penso, contudo, que a grande força e beleza deste romance está essencialmente assente em três factores:

- Na forma como Lawrence constrói o romance. O desencadear das situações faz com que tudo o que acontece seja coerente e, isso é importante, com que nós próprios julguemos os personagens, acabando por nos inquirimos: não fazíamos nós o mesmo, dadas as situações?

- Na forma como Lawrence glorifica a virtude do sexo e os movimentos dos corpos, as descrições dele são divinais.

E algo que detectei pelas descrições, mediante o que sei do autor:

- Este é um romance que homenageia a sua mulher: Frieda. Até digo mais, tenho poucas dúvidas que parte das descrições de Lawrence, são dele próprio com a mulher.

Mas porquê dar uma conotação tão erótica a um livro, cujas descrições ostensivamente sexuais, ocupam apenas 15% do seu todo?

Simplesmente porque essas cenas de sexo transmitem toda a força do sexo. Nessas descrições, homem e mulher entregam-se um ao outro de uma forma muito quente, sem qualquer tipo de pudores. A linguagem que usam é vernácula, todo o ambiente criado é excitante. No entanto todo esse erotismo não acaba quando acaba os movimentos corporais, esse erotismo continua no resto da narrativa, no amor que sentem um pelo outro, nos seus pensamentos e nos carinhos. Um erotismo que nos leva a encarar o sexo como fazendo parte do lado efectivo e não do lado animal como era defendido pelos moralistas. E isso não foi compreendido na época, tanto é que o livro foi apreendido, impedida a sua venda durante alguns anos e Lawrence acusado de atentado ao pudor.

Depois há todo um conflito moral que nos é lançado e cuja resolução depende um pouco de nós próprios. Depende da forma como encaramos aquele quadro, depende da nossa forma de ver o sexo e o amor entre um homem e uma mulher.

Um romance brilhante, perfeito, cheio de mensagens num jogo de sentimentos soberbo, longe portanto de ser um simples romance erótico, muito longe mesmo.

Um romance obrigatório para entendermos o pensamento e moral da sociedade britânica e europeia da primeira metade do século XX e para que possamos entender um pouco do lado efectivo do ser humano.

domingo, 23 de março de 2008

Filho de Deus - Cormac McCarthy

Lester Ballard, vagabundo solitário, vive de expedientes à parte da sociedade, sobrevivendo de uma forma selvagem, cometendo diversos crimes macabros a fim de satisfazer desejos e taras sexuais.

Visto como Ser menor e com tolerância pelos habitantes do lugarejo, Lester desconhece a amizade, fraternidade a solidariedade, vivendo uma existência despovoada, completamente alienada.

Vivendo numa casa abandonada, Lester comete uma série de crimes que colocam em polvorosa toda a vila. No local, embora todos desconfiem da culpabilidade de Lester, ninguém tem a certeza pois, simplesmente, os corpos desaparecem, escondidos algures...

Uma das curiosidades desta obra (tem muitas), é o facto de à medida que o romance avança, pese embora a violência das descrições dos assassinatos e até na forma como Lester se comporta, irmos criando uma crescente simpatia pelo personagem. Mesmo sendo um homem asqueroso, mau, violento e indigno, vamos percebendo que o mundo de Lester não podia ser outro face à sua própria realidade, um fruto da sociedade que agora paga todos os anos de formação.

À semelhança de outros livros que li de Cormac, o autor consegue passar-nos sensações dispares, demonstrando também até quando um homem que se vê privado de amor e educação, obedece a necessidades naturais usando instintos primitivos. Ou seja, no personagem Lester, Cormac espelha qualquer ser humano. A diferença entre Lester e qualquer um de nós, é apenas as realidades de cada um que fazem com que o desenvolvimento faça-nos tomar rumos diferentes, ou não, pois Lester há por ai aos milhões.

Este livro é, quanto a mim, uma excelente metáfora acerca da “Alegoria da Caverna” de Platão.

domingo, 9 de março de 2008

1001 Livros para Ler antes de Morrer – Editado por Peter Boxall



Segundo o prefácio à Edição portuguesa, editada pela Lisma, este livro tem como intenção proporcionar aos fãs do género Romance um conjunto, neste caso 1001, de livros considerados como imprescindíveis, aqueles que eventualmente sejam de leitura obrigatória para os amantes deste género literário.

Esta Edição Internacional foi conseguida através de uma união entre várias editoras de todo o mundo que, por sua vez, reuniram várias centenas de colaboradores (escritores, críticos, jornalistas, etc) chegando assim a um conjunto de obras consideradas como as mais importantes nos cânones literários, algo que a meu ver é inteiramente conseguido tal a excepcionalidade das obras expostas.

Com 960 páginas, dividido por “Antes de 1800”, “Século XIX”, “Século XX” e “Século XXI”, este é um Manual riquíssimo e muito útil aos amantes dos livros (não só para os apreciadores do género), pois de facto contem todas as obras de relevância da literatura universal, assim como outras que, de certo, serão consideradas clássicos no futuro.

Embora afirmar que estes 1001 são mesmo os melhores seja algo muito subjectivo, sem dúvida que o é e eu até penso que falta ali uma obra impar mas que muitos consideram não pertencer aos romances, o certo é que cada livro ali exposto tem uma ficha associada com vários dados muito interessantes onde sobressai um resumo da historia e da sua importância na literatura, bem como, em vários casos, imagens de capas e cartazes das primeiras edições.

Um livro que me delicia e que me tem indicado vários livros que não conhecia, sendo certo que é também um livro que irá tornar realidade um sonho da maioria dos leitores.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Retrato de Dorian Gray (O) - Oscar Wilde



Nascido em Dublin no dia 16 de Outubro de 1854, Oscar Wilde teve uma educação esmerada, vindo a formar-se na famosa Universidade de Oxford cerca de 20 anos depois.
Reconhecido como um excepcional poeta e ensaísta, Wilde era também um homem que tinha consciência da sua inteligência e do fascínio que provocava no público, ao ponto de ter afirmado na alfândega, aquando da sua chegada a Nova Iorque, ”Nada tenho a declarar, excepto o meu génio”.
Levando uma vida relativamente calma, chegando mesmo entre 1887 e 1889 e dirigir uma revista feminina, foi precisamente nesse espaço de tempo que escreve os poucos contos que produziu e o seu único romance, justamente o ”Retrato de Dorian Gray”, e é curioso porque é devido a esse seu único romance que a sua vida se irá alterar de uma forma trágica, levando-o mesmo á sua ruína.
Por altura de 1893, época onde Wilde estreia algumas peças de teatro, conhece Lord Alfred Douglas, que havia ficado fascinado com o romance de Wilde. Dessa amizade nasce uma relação amorosa que levaria o pai de Alfred Douglas, o marquês de Queenberry, a condenar aquela relação, insultando Wilde e um processo que acabaria com a acusação e condenação de Oscar Wilde à prisão pelo crime de homossexualidade.
Aí ficou preso durante dois anos, altura em que escreve uma longa carta de amor a Lord Alfred, que viria a ser publicada em 1905 com o título de ”De Profundis”.
Sendo libertado em 1897, viu-se completamente arruinado. Abandonado pela família, com a reputação completamente destruída, viveu da caridade dos seus poucos amigos até falecer em 1900 em Paris, de meningite, num quarto de hotel, completamente só. Morria assim, um dos grandes génios da literatura que o mundo já teve.
Conhecido e assumido como homossexual, numa época onde isso era tido como um desvio de personalidade, uma anormalidade, Wilde cria uma grande escândalo com a publicação de o ”Retrato de Dorian Gray”, sendo acusado pela opinião pública de ”expor uma ambígua personalidade na figura do seu protagonista”, ou seja, este livro foi visto e foi tido, penso que ainda o é, como um dos ícones da “cultura” homossexual.
Pessoalmente penso que Oscar Wilde pretendeu de facto criar um conjunto de relações entre os personagens que leva a uma leve percepção que, aquelas relações de amizade, são mais do que isso, pois ele, de uma forma muito inteligente, efectua todo um jogo de palavras, de frases que indiciam precisamente relações de maior intimidade entre os personagens.
No entanto este livro parece-me mais um exame à consciência humana e principalmente um romance onde Wilde exorta a plenitude das suas ideias e opiniões acerca da sociedade e do espírito humano.
O ambiente da obra está assim imbuído de homossexualidade. Todos os personagens principais são homens e é num trio deles que o romance se irá desenvolver.
Dorian Gray é um jovem de 20 anos que possui uma beleza desmedida, cuja é retratada por um amigo, o pintor Basil Hallward, que tem por ele uma paixão tal, que pinta o quadro de uma forma tão transcendente que todos ficam estupefactos com a exactidão da pintura, parecendo mesmo que Basil conseguiu captar a própria alma de Dorian.
No dia em que termina o quadro, encontra-se presente Lorde Wolton, homem extremamente inteligente e dono de uma ironia tão vasta, que irá influenciar de uma forma crucial Dorian Gray. Refiro que, quanto a mim, Lorde Wolton personifica o próprio Oscar Wilde. É assombrosamente semelhante o carácter de Wolton com o de Wilde e não é por acaso que é precisamente Wolton que disserta sobre vários assuntos.
Todos ficam estarrecidos com o trabalho de Basil, principalmente por ele ter conseguido captar a extrema beleza de Gray e, nessa altura em que fitava o quadro, Dorian articula um desejo: ”este quadro manterá o meu rosto jovem para sempre, enquanto eu irei envelhecer. Quem me dera que fosse o contrário”.
O livro segue então um rumo assente na promiscuidade entre esses homens, rodeados de opulência num desvario moral que já nos dá a perceber a nociva influência de Lord Wolton em Dorian Gray, que se começa a aperceber que, estranhamente, o quadro apresenta algumas alterações...
Começa dessa forma uma história excepcional, repleta de diálogos extraordinários e de várias alegorias.
É claro a intenção de Wilde em retratar o cinismo e a hipocrisia da aristocracia da época. Há toda uma série de alegorias que pretendem expor toda uma sociedade que se movia por interesses e com pouco ou nenhum respeito pelo próximo, apenas preocupados com as aparências e na ostentação social. Até o facto de o retrato envelhecer, mantendo-se Dorian Gray eternamente jovem, não é nada mais nada menos do que uma alegoria à decadência moral e espiritual dessa mesma sociedade, sempre tão sorridente e bonita, mas suja e podre por dentro.
Wilde brinca assim com toda a sociedade. Penso que foi precisamente por isso que a opinião pública ficou chocada com o romance e não com a insignificante alusão à homossexualidade.
Wilde atira ideias e teorias completamente irónicas, nota-se o sentido de espicaçar, de mostrar o ridículo, de denunciar.
Logo e devido ao desenvolvimento dessas ideias, este acaba por ser um livro não muito fácil de ler, pois é visível que cada diálogo tem um objectivo definido, uma intenção que ultrapassa um mero diálogo.
Muitos vêm este romance como uma elogio à beleza e à vaidade.
Eu admito que sim, mas afirmo que essa apologia é à própria sociedade e ao carácter da mesma, sobretudo ao carácter da burguesia do qual Wilde fazia parte.
O ”Retrato de Dorian Gray” é assim mais um estudo camuflado de romance, cheio de intenções e alegorias à sua sociedade e ao seu próprio circulo. Um romance que é injustamente um ícone da “cultura” homossexual, quando, e na realidade, pouco indicia sobre essa “cultura”.
Um romance soberbo que deve ser lido e analisado à luz da época em que foi escrito, sobretudo ao nível social.