sexta-feira, 27 de novembro de 2020

A mulher que escreveu a Bíblia – Moacyr Scliar

 

Que livro espectacular!

Livro curto (160 páginas), mas de enorme Qualidade. Arrisco mesmo a dizer que é um dos melhores livros que li este ano, senão mesmo o melhor.

Uma narrativa surpreendente, com uma linguagem simples e muito visual, começa por contar a história de uma jovem mulher que, após uma desilusão, recorre à ajuda de um terapeuta de vidas passadas, descobrindo que, há três mil anos foi uma das centenas de esposas do Rei Salomão. Encerrando-se sobre si mesma, resolve empreender a narração da sua passada vida e é, dessa forma, que conhecemos a sua fascinante aventura que a leva à primeira versão do Antigo Testamento.

Narrada sob o ponto de vista de uma mulher, a nossa heroína, que de tão feia se tornava grotesca, vê nas letras o seu escape para a sua infelicidade e, após casar com o rei Salomão, é incumbida pelo poderoso rei e esposo de empreender a escrita de uma obra que irá perdurar no tempo: o livro sagrado.

Embora o assunto seja algo delicado, o autor consegue criar uma narrativa credível mas impressionantemente irónica e mordaz, com laivos de erotismo, onde a linguagem vernácula abunda mas em que nunca nos sentimos incomodados.


Mas vai muito mais longe.

Não esquecendo que é um livro onde a mulher é personagem principal, o autor tece críticas à importância do aspecto visual em detrimento do intelecto, bem como a uma sociedade marcantemente machista e patriarcal que marca indelevelmente a religião ocidental. Sempre numa perspetiva feminina o que, confesso, me surpreendeu.

A sexualidade feminina também é realçada de uma forma, diria, sem filtros, divertida e descontraída.

Em suma, é uma obra exepcional que toca em vários assuntos, sempre de uma forma irónica, mordaz e muito divertida, mas que nunca choca, antes pelo contrário, leva-nos a dar grandes gargalhadas e a simpatia pela personagem vai em crescendo até ao epílogo.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Noite em que o Verão Acabou (O) – João Tordo

 

Thriller…

Um género raramente explorado por escritores portugueses e que tem uma enorme escola nos países nórdicos.


Em todo o caso e como aprecio a escrita de João Tordo, tinha enorme expectativa nesta obra e, adianto que não saíram defraudadas, pese embora considere o livro excessivamente extenso face à história e ao desenvolvimento da mesma. Ou seja, o desenrolar da história, mesmo dividida em três momentos temporais, é extensa e algo desnecessária, caindo por diversas vezes em situações redutoras, por vezes até em círculos que vão dar sempre ao mesmo local.

Mas o interessante é que a narrativa é sempre excitante, numa velocidade estonteante, que se lê num ápice (li as suas 667 páginas em 5 dias), porque a escrita de Tordo tem enorme qualidade, ele consegue criar situações, mesmo redutoras, interessantes, criando uma ilusão sobre a veracidade da história, pois a partir de certa altura, que é mais intensa no fim, o autor deixa-nos na dúvida sobre se a história efectivamente sucedeu, se aquilo tudo não passa afinal de uma narrativa verídica, onde o autor troca apenas os nomes e os locais.

Porém, e não apenas pela desnecessária extensibilidade, o livro não é um thriler. O autor pode ter tido a intenção de escrever um thriller, mas fica um pouco longe disso. O trama em si é algo rebuscado e com pouco ou nenhum suspense.

A fase inicial deixa antever uma história rocambolesca, onde sucede um homicídio com contornos estranhos. Este homicídio liga a principal personagem que se encontra nos Estados Unidos a estudar e, devido a uma velha amizade, se vê envolvido nas investigações. Mas e à medida que a história se vai desenvolvendo, começamos a constatar que se trata mais de uma história de amor não correspondido do que um thriller.

É um excelente livro, com uma história boa e interessante, com laivos de thriller, mas que não é um daqueles thrillers intensos a que nos habituamos por outras paragens. É mais soft, digamos que é uma mescla de géneros, mas onde a escrita do autor brilha intensamente.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Mágico de Auschwitz (O) - José Rodrigues dos Santos

 


Agora que está para sair o 2º volume e, quero aqui expressar o meu desagrado em relação a isso, pois acho uma falta de consideração e chico-espertice isso de editar um romance em dois volumes a preços tão elevados. Algo que, neste autor não é virgem, pois já o fez num outro e, nesse caso, foi ao cúmulo de o ter feito em três volumes, algo que rejeitei, não tendo adquirido nenhum deles.

Mas, e no caso, só me apercebi disso depois de ter adquirido este primeiro volume.

A capa do livro é horrível.

Parece uma daquelas capas dos anos 60 do séc. XX das aventuras do Mandrake. Feia, pirosa e que, acho, afasta muito boa gente. Até porque o interior traz-nos um romance muito interessante, onde o estilo de JSR é aquele que nos tem habituado: pouca qualidade literária, cheia de mariquice, mas com uma vertente informativa muito elevada, que nos agarra desde o início.

Na minha opinião, o que ressalta em todo este primeiro volume, são as terríveis descrições das condições de vida de Auschwitz e das intenções dos nazis.

Obviamente que durante a sua leitura, nós sabemos dos fornos crematórios, da fome, de toda aquela miséria que levou à morte de milhões de pessoas. Porém, o que choca é a atitude dos nazis, sobretudo das SS, da ingenuidade dos judeus e da forma como são convencidos, mesmo diante de uma realidade atroz, que tudo aquilo era um mero campo de trabalhos e que, logo, logo, estaria tudo bem.

E, como referi anteriormente, as descrições são brutais. Recordo-me de uma cena, talvez a que mais me marcou, em que um soldado das SS constata que respira mortos, pois as cinzas no ar eram tantas, que se entranhavam no cabelo, na barba, nas roupas e eram respiradas.

As condições higiénicas são tão reais, que quase conseguimos sentir o fedor das fezes amontoadas em baldes ou no chão, o vómito que cobre o chão onde jazem cadáveres como se fizessem parte desse mesmo vómito.

A condição humana é liminarmente esquecida, reduzidas a um estado abaixo do animalesco, sempre com o beneplácito das tropas alemãs que tinham um objectivo bem estipulado e que obedecia a um plano esotérico. Sim, esotérico.

Algo que muita gente desconhece, mas os nazis acreditavam que descendiam dos atlantes. Isso está por detrás da ideologia do povo supremo, puro, a raça ariana. E, nessa vertente, o autor informa e informa bem.

É esse o principal factor da pretensão de extermínio das raças impuras. Eles acreditavam mesmo nisso e o plano era simples, eliminar os impuros para que a raça dos atlantes, os supremos, pudessem voltar a “reinar” no planeta.

Insano! Mas aconteceu!