domingo, 7 de janeiro de 2018

Perguntem a Sarah Gross – João Pinto Coelho



Há livros que logo nos primeiros parágrafos têm o condão de nos agarrar com uma força cuja explicação é difícil verbalizar, pois a força com que nos prende na sua narrativa é algo mística, a roçar uma experiência paranormal dado a forma como, nesses parágrafos, a história ou a escrita é explanada, ficando logo a certeza de estarmos diante de uma obra de eleição sublime, algo que, como é óbvio, é constantemente procurada por leitores que vêm nos livros mais do que simples entretenimento.

Esta obra, que foi obra de estreia de João Pinto Coelho, editada em 2015, é uma obra que merece fazer parte das grandes obras literárias da literatura portuguesa porque, para além de ser um hino ao bem escrever, narra uma história pungente cuja humanidade é constantemente violentada e que nos faz ter vergonha, por um lado, de pertencermos a uma raça humana que, ao contrário de todas as outras, tem um prazer sórdido em maltratar o seu semelhante, infligindo dor e humilhação que é-me impossível de quantificar de tão atroz.

No cerne da obra, voltei, uma vez mais, à segunda guerra mundial e a Auschwitz-Birkenau e, à semelhança do que senti em outras obras de excelência que já li, constatei que continuo sem conseguir imaginar o sofrimento causado a tantos milhares de seres humanos e principalmente o porquê desse sofrimento e humilhação ter sido infligido. Mais grave, e conforme o autor afirma no fim, é perceber uma realidade intransponível: dentro que pouco tempo não será mais possível ouvir falar de Auschwitz-Birkenau na primeira pessoa e que, conforme a História tem provado ao longo da Humanidade, a História repete-se e que um dia tudo irá voltar a acontecer. Podem pensar que estou a ser pessimista, mas não, apenas 70 anos depois do Holocausto nazi, são vários os sinais em todo o mundo que o ser humano já esqueceu o que sucedeu entre 1939-1945, ou pelo menos, já passou uma esponja por aqueles terríveis acontecimentos que envergonham a humanidade.

Quanto ao livro;            
                                                                     
De uma forma geral, a história começa por se centrar na jovem professora de literatura, Kimberly Parker, que, fugindo de demónios interiores que lhe devastaram a juventude, vai ensinar para um dos colégios mais elitistas dos Estados Unidos que é dirigido por uma estranha mas carismática personagem chamada Sarah Gross. Em St. Oswald’s, Kimberly pensa encontrar a paz que tanto procura e é na companhia de alguns colegas e funcionários do colégio que inicia as aulas. Mas rapidamente tudo muda quando os demónios que a perseguem a “encontram” e Kimberly decide encarar o seu passado em simultâneo que uma inesperada tragédia abala a instituição, levando-a ao conhecimento de um passado triste e avassalador.

Mentiria se dissesse que foi o melhor romance que alguma vez tinha lido sobre os campos de extermínio. Longe disso. Como romance, baseado quase sempre em factos verídicos, mencionando ou não os verdadeiros nomes, já tenho lido romances brutais que me causam indisposição e tristeza pois, repito, contínuo sem conseguir conceber o porquê de tanta maldade, mas este foi sem dúvida especial porque conseguiu misturar vários géneros num só romance. 

Em todo o caso está longe de ser um romance perfeito. Tem o poder de nos surpreender pela narrativa comovente dos acontecimentos, mas efectuando uma análise minuciosa, são vários as pontas soltas que deviam ter sido atadas ou, se quiserem, vários acontecimentos que são colocados sem grande sentido. É óbvio que não me vou alongar me relação a isso, mas honestamente não compreendi que até mais de metade do livro o rumo era um rumo que se centrava particularmente em Kimberly e que, de repente, a bússola vira e a personagem principal passa a ser Sarah Gross. Nada a opor quanto a isso, mas penso que o autor poderia ter-se centrado logo na sua principal intenção ao invés de tentar criar no leitor uma utopia, fazendo-nos crer que a principal história seria aquela. Se é se me faço entender!

No entanto, confesso que me agradou juntar as principais peças do puzzle, pese embora considere que a montagem de algumas desses peças tenham sido algo forçadas, uma espécie de tentativa (conseguida), de surpreender o leitor mais distraído. Não sou nenhum génio, mas perto do fim já me tinha vindo à cabeça o que o autor narra de uma forma bombástica, pois achei evidente que seria uma “pedrada no charco” e uma forma engraçada de acabar o livro. Aliás, confesso que até fui um pouco mais longe, pois cheguei a considerar outros acontecimentos que não se verificaram, mas enfim, era apenas a minha mente de leitor a vaguear.

Em suma, um livro expecional que se lê de um fôlego.