Provavelmente o livro mais conhecido de Kafka e um dos livros mais crus, estranhos e violentos que alguma vez li. A premissa é deveras simples e, por si só, apelativa e indicadora para a história que Kafka nos reserva.
Certa manhã, ao acordar, Gregor Samsa apercebe-se que se está a transformar num gigantesco insecto. Caixeiro-viajante de profissão, Gregor é o único sustento da casa que alberga os pais e a irmã, que vivem às custas do pobre Gregor.
Desde o início compreendemos que estamos diante de uma metáfora e é dessa forma que nos custa a crer no que se vai desenrolando diante dos nossos olhos.
Gregor Samsa é desde o início tratado com nojo pela família. Invertem-se os papéis. Agora, de uma forma figurada, é Gregor o parasita e a família trata-o com desprezo e nojo. Antes era Gregor o escravo da família, o único que trabalhava, a única fonte de rendimento. É clara a alienação, a escravatura do ser humano face ao trabalho e às obrigações que a sociedade e a família lhe ditam, são reflexões que kafka vai traçando de uma forma muito subtil.
Uma das grandes particularidades desta obra é que é ela também uma espécie de análise pessoal que Kafka efectua. É possível rever Kafka em Gregor Samsa, sobretudo na sua fase mais jovem quando se libertou das correntes sociais pra puder escrever em liberdade. A sua família também tem paralelismos com a família de Gregor. O seu austero pai que só se interessava pela ascensão social e sucesso material, a forma severa como o pai o tratava é descrito de forma figurada no atirar das maçãs do pai de Gragor Samsa ao filho insecto (uma das imagens mais chocantes do livro). Mas Kafka vai ainda mais longe, aflorando outros factos políticos e sociais que varriam a Europa.
No fim temos um Gregor abandonado, isolado do mundo e transformado de vez em insecto. A libertação foi conseguida (a alienação), no entanto não consegue ser livre. Deixa-nos uma imagem perturbante, assim como perturbante e inquietante é todo esta belíssima obra da literatura universal.