quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Afonso Henriques – O Homem – Cristina Torrão


Simplesmente admirável!

O que dizer de um romance histórico que me fez vibrar como poucos o conseguiram?

O que dizer de diferente do que foi dito por outros ilustres bloguistas que, com as suas opiniões, conseguiram espicaçar o meu interesse pela obra?

D. Afonso Henriques é, arriscava, a personalidade portuguesa mais conhecida de todos os portugueses, ou seja, qualquer português sabe quem foi o primeiro rei de Portugal.

Porém poucos sabem mais do que isso e aqueles que o sabem, transmitem uma figura lendária personificada em estátuas espalhadas em, pelo menos, dois dos seus castelos. Uma personagem mística, transformada em lenda e rodeada de laivos fantásticos que a tradição cristã construiu ao longo dos séculos, diria que um mito e um ícone da História.

Nesta obra, Cristina Torrão tem a capacidade de transformar a lenda num ser humano que sonhou, amou, errou, sofreu e cujo caminho foi espinhoso e cheio de reveses.

Mas a autora não se foca apenas na figura de Afonso Henriques; vai muito mais além. Assente numa escrita cinematográfica, é exímia na caracterização e na capacidade de humanizar todas as outras personagens que foram contemporâneas de Afonso.

D. Teresa, que a História transformou na horrível mãe, é sim uma mulher do seu tempo que tinha uma força de carácter imenso e que teve, posteriormente, o apreço do filho. De notar algo que é importante que percebamos: a mentalidade da época e o contexto onde se inserem as acções de Afonso Henriques e de quem o rodeava. Isso é algo que Cristina Torrão vai explanando ao longo da obra e é algo que também pode ser alvo de uma análise prévia ou posterior. D. Teresa age como age porque se considera Rainha e uma Rainha deve proteger o que é seu e efectuar os acordos que lhe sejam mais vantajosos.

D. Mafalda que irá ter uma importância enorme na vida de Afonso, D. João Peculiar, arcebispo que teve uma enorme influência no reconhecimento pelo Vaticano do título de rei de Afonso Henriques, D. Fernando, Egas Moniz e tantos outros que são aqui colocados como simples mortais e de uma forma credível. E isso é algo que me fascinou, pois sabe-se da dificuldade em efectuar uma estruturação da época e a autora efectua isso de uma forma magistral, demonstrando ser uma profunda conhecedora da época medieval.

Achei espantoso também a forma como a autora consegue inserir os acontecimentos lendários, fantásticos diria, de uma forma natural, dando-lhes verosimilhança.

Num trabalho extraordinário de reconstrução da época, a autora é minuciosa e exacta nos factos históricos, nunca os adultera e sabe colocá-los na vida do dia a dia, construindo um percurso longo que culmina com o reconhecimento pelo Papa Alexandre III do título de Rei através da bula Manifestis Probatum.

É, repito, uma obra brilhante, admirável na forma como constrói uma época e as suas mentalidades, escrita com mestria, que se lê com prazer, num folêgo e que, ao chegar ao fim, nos oferece a sensação de termos deixado amigos tal a vivacidade e a humanidade das suas personagens. Aliás, conforme foi dito numa outra opinião, penso que de facto um dos segredos da qualidade deste livro reside na sensibilidade para compreender e descrever a alma humana.

Como senão, e isso é meramente uma opinião pessoal, achei que as batalhas poderiam ter sido mais vivas, mais violentas.

Bem sei que na época as batalhas eram levadas a cabo por poucas centenas de homens e que eram relativamente curtas. Porém eram efectuadas corpo a corpo e com certeza seriam duras e violentas. Cristina Torrão dá-nos um pouco dessa imagem mas penso que as podia ter explorado melhor, até no ponto de vista das suas tácticas que são abordadas, sim, mas de uma forma algo superficial. Isso é algo que me fascina em alguns autores de romances históricos que, não demonstrando essa sensibilidade para exprimir a alma humana, têm nas suas descrições as suas mais valias e penso que é isso que falta a este romance que, sem dúvida, é um dos melhores que li até hoje e, sem dúvida, o melhor que li escrito por um(a) autor(a) português(a).

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Indesejado (O) – Sarah Waters


Pós guerra, a zona rural de Warwickshire vive ventos de mudança sob o olhar desconfiado de algumas famílias antigas que habitam em mansões seculares, ainda agarrados às tradições do passado.

Um médico é chamado a uma dessas mansões onde vive a família Ayres. Dessa forma, o dr. Faraday reentra em Hundreds Halls que lhe traz memórias de infância quando, em criança, ali acompanhava a sua mãe que servia como criada.

Nostálgico, depressa se apega aquela estranha família composta por mãe, filha e filho e rapidamente se torna numa visita regular, chegando ao ponto de possuir as chaves da casa.

No entanto a mansão encontra-se em rápido declínio, assim como a própria família que, sem dinheiro para sustentar a propriedade, vai fazendo o que pode para viver em condições dignas.

A partir de certa altura estranhos acontecimentos começam a ocorrer, trazendo a tragédia ao seio da família Ayres.

Confesso que pela sinopse esperava bem mais do livro.

Não conhecia a autora, mas pensei tratar-se de um excitante thriller/terror.

Pura ilusão!

Dá-nos uma visão do pós-guerra e das mudanças que ocorreram no seio rural britânico tão marcado por essa guerra e que atingiu muitas velhas famílias, uma sociedade em mudança que foi difícil aceitar.

Essas mudanças são de facto o que está por detrás desses acontecimentos que assombram os Ayres, eles próprios muito agarrados ao seu glorioso passado e melindrados com as mudanças que, lá fora, tinham lugar.

Entendi a metáfora da autora, porém, o desenvolvimento da história é lento e pastoso, sem grandes motivos de excitação e muito menos terríficos.

Gostei da escrita da autora e o romance até se lê bem, mas confesso que estive sempre à espera de algo que me assusta-se, mas isso levou-o o vento e nunca passou de sussurros saídos de mentes presas ao passado.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Opereta dos Vadios (A) - Francisco Moita Flores


Que seca de livro!

Confesso que gosto do trabalho de Francisco Moita Flores. Vi quase todas as suas séries, sendo a “Ferreirinha” um exemplo de grande qualidade a todos os níveis, tanto na representação, nos cenários, realização e, principalmente, da história que nos narra a vida de uma figura da nossa História.

Posteriormente vi essa qualidade espelhada no excelente “A Fúria das Vinhas” e também apreciei bastante Não Há Lugar Para Divorciadas”. Sendo diferentes, ambas são histórias de uma qualidade narrativa óptima e em “A Fúrias das Vinhas”, sentimos novamente o ambiente visto em a “Ferreirinha”.

Foi assim com bastante curiosidade e interesse que empreendi a leitura do seu novo livro “A Opereta dos Vadios”, livro que, segundo a sinopse, se propõe a efectuar uma espécie de paródia à política nacional, criando um cenário onde o Presidente da República demite o governo, abrindo assim espaço para novas eleições legislativas.

Se por um lado temos um governo corrupto, viciado, cheio de tiques abusivos e com telhados de vidro, por outro, um partido de oposição que não desfaz em nada o partido do governo, ou seja, mais do mesmo conforme é usual na nossa praça.

Está assim criado o cenário para o surgimento de um novo partido composto por pessoas desiludidas com o estado do país e que são convidadas por um anarquista milionário exilado em Paris, que vê na Criação do P.U.N., a oportunidade de dar um safanão no marasmo político e social onde o país se encontra atolado.

Visto assim até pode parecer muito interessante e foi com essa premissa que eu fui enganado, até porque comprei o livro e já choro o dinheiro.

A escrita é boa, isso é inegável. Ou seja, lê-se bem, mas apenas isso.

A história é aborrecida, o autor nunca consegue dar qualquer plausibilidade à mesma. Bem sei que se trata de um romance de ficção, mas é perfeitamente perceptível que há por ali muitas mensagens destinadas, muitas piadas com destino e o governo caído em desgraça, todo ele chafurdando alegremente na lama sob a supervisão alemã e do FMI, faz efectivamente lembrar qualquer coisa.

Depois a criação do partido, até se chegar à sua criação, é longa. Se não estou em erro e se estou, erro por uma página ou outra, o partido só nasce na pág. 140, quase a meio do livro, e só nessa altura consegui esboçar uma gargalhada, a única, quando os elementos fundadores se entretém em parodiar a sigla P.U.N. com arrotos intestinais. Até lá, são diálogos enfadonhos, reuniões de amigos ao estilo dos “Amigos de Alex”, que por acaso até é focado na obra, mais parecendo encontros de velhos compinchas quase a chegar à velhice e frustrados com as suas vidas.

O autor tenta de facto criar um cenário comicamente absurdo, porém, não estaremos todos nós fartos do absurdo da política e já nem sequer nos conseguimos rir da sua incongruência?

Por várias vezes parava e pensava nisso. Provavelmente não apreciei a obra porque, simplesmente, já nem tenho paciência para ler paródias sobre o governo e sobre o estado miserável onde os sucessivos governos colocaram o país.

Não diria que é um mau romance. Muitos irão apreciar e rir à brava com tanta trafulhice, estupidez e despropositada politica em prol de interesses, mas a mim aborreceu-me, não retirei qualquer prazer e nem foi de qualquer utilidade, por isso, não gostei.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Cruz de Portugal – José Sequeira Gonçalves


O romance inicia-se pouco depois de 1910 e da Implementação da Republica.

Silves, Algarve, um menino, filho único, vive com os pais numa casa de média classe. O seu pai, dono de uma quinta e de uma mercearia, tem rendimentos suficientes para que a família viva com algum conforto.

Pouco depois dá-se a implementação da república e o pai torna-se republicano fanático, aderindo ao partido e acabando mesmo por conseguir um lugar como membro da comissão concelhia do partido republicano.

Tempos difíceis e confusos em que o povo se encontrava dividido entre os apoiantes da monarquia e os da republica, havendo mesmo confrontos em todo o território.

É assim neste contexto que a história tem início e onde o autor desenvolve as alterações politicas ocorridas nessa altura. Às mudanças geopolíticas que deram origem à 1ª Grande Guerra (1914-1918).

E é nesse período que o autor mais se centra.

O nosso rapaz, agora já estudante da escola comercial em Lisboa, vê-se incorporado no exército português com guia de marcha para a Frente.

Nesta fase é clara a intenção do escritor em mostrar o embuste que foi passado aos soldados que se exercitavam em Lisboa e Tancos com vista a defesa da pátria e da humanidade.

Chegados a França, depressa os soldados portugueses viam que aquilo não era nada como tinha sido pintado pelos comandantes e, sempre de bom humor (isso é algo que de facto sucedeu), foram encarando a guerra como algo que não lhes pertencia, onde nunca viram a sua utilidade e muito menos percebendo que sentido fazia estarem ali.

Toda a 2ª parte do livro narra episódios de conflito e das tropas portuguesas.

É depois do ataque de La Lys, em Abril de 1918, que o livro entra noutra fase e, quanto a mim, aquela que melhor exemplifica a monstruosidade da guerra e do quanto sofreram milhares de soldados.

Passado em grande parte num hospital, o autor consegue criar uma metáfora sobre o absurdo do conflito e da capacidade maléfica do ser humano, em simultâneo que vai dando exemplos da extrema humanidade que se verificava quando menos se esperava.

O dilema entre o amor à vida e o amor à pátria, também é explorado pelo autor, assim como achei muito curioso a exploração ou o brincar com o efeito borboleta que o autor leva a cabo.

Um excelente romance histórico que nos dá uma outra perspectiva dos tumultuosos tempos que antecederam a 1ª Grande Guerra e uma outra visão, talvez mais realista, mais crua, das sensações e reacções humanas num conflito militar.