quarta-feira, 30 de maio de 2012

Viagens de Gulliver (As) – Jonathan Swift


Há clássicos que são tidos como literatura juvenil mas que estão muito longe de o ser, aliás, é-me difícil perceber quem são os iluminados que rotulam certas obras sem considerarem a época e o contexto da sua criação.
As Viagens de Gulliver é mais um destes casos. Considerada como literatura juvenil, é vista por muitos leitores como literatura menor, onde alguém narra as aventuras de um aventureiro que se vai deparando com mundos fantásticos e cheios de impossíveis num século muito longínquo.
Muito longe da verdade está quem assim julga, pois estamos perante uma narrativa que analisa a sociedade inglesa do séc. XVII, sobretudo a vida social e política, de uma forma mordaz e altamente critica.
Publicado em 1726, o livro descreve as supostas verdadeiras e fantásticas viagens de Lemwel Gulliver, o narrador-protagonista, a várias ilhas que o ser humano desconhecia e que tem em Gulliver o seu primeiro visitante. Após um naufrágio tão comum na época, Gulliver alcança uma praia desconhecida. Quando acorda deparara-se com dezenas de criaturas minúsculas. Acaba de chegar a Lilliput onde conhece uma sociedade composta por pessoas que não ultrapassam os 15 cm, em constante conflito por futilidades, nessa ilha ele é um gigante. Depois, aporta em Brobdingnag, onde sucede precisamente o contrário. Ali o povo é composto por gigantes, sendo Gulliver um ser minúsculo. Posteriormente o terceiro cenário torna-se a Ilha flutuante de Laputa onde se depara com habitantes que se entretêm com conspirações enquanto a sua sociedade se dirige alegremente para o abismo e, no último cenário, ele conhece os Houyhnhnms, cavalos falantes que dirigem o seu país, enquanto, no lado oposto há os Yahoos, seres semelhantes aos humanos mas com inteligência de animais… irracionais.
Por aqui se pode ver que é estúpido considerar esta obra como literatura juvenil, pois basta atentar à actividade profissional de Swift (secretário de relações públicas), e à natureza do próprio autor (sabe-se que ele odiava crianças e considerava a estupidez humana como o causador de todos os males sociais),para rapidamente compreendemos que havia mais substância e intenção do que aquela que é tida, pois vejamos:
Nesta obra o protagonista visita quatro sociedades completamente distintas. Nelas, é possível perceber analogias comportamentais dos seres humanos. A sociedade corrupta, fútil, cheia de vícios e más atitudes, é aqui expressa de uma forma satírica mas, diria, directa e clara. Swift consegue criar expectativa no leitor nas viagens que vai imaginando, critica ferozmente a estrutura social e política e os vícios, as hipocrisias e os podres que lhe são inerentes, diria, até aos nossos dias (e no futuro também). Mas vai mais longe, a própria religião é censurada na sua falsa virtude, assim como, e isso é claro, ridiculiza vários personagens conhecidos na época que, actualmente, confesso ser muito difícil identificar. Mas a análise contínua imparável, a exploração dos mais ricos aos pobres, vivendo estes miseravelmente enquanto os ricos se banqueteiam e ostentam sem qualquer tipo de pejo, o abandono dos idosos, toda a irracionalidade da raça humana.
Não sendo uma obra de leitura muito fácil, dada a análise cuidada que é necessário ser efectuada, percebe-se que o objectivo de Swift era claramente o de criticar todas as franjas da sociedade, os vícios da corte e do regime que permitiam tanta desigualdade. O autor expressa o seu desânimo e decepção face à situação social e política e também face à natureza pérfida do ser humano, e isso não passou despercebido na altura, provocando incómodo e alguns debates em torno desta excelente obra.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Pecado e a Honra – Maria João da Câmara

Há livros que nos transportam para outras épocas de tal forma que damos connosco a pensar nas personagens e nos acontecimentos como se fossem algo palpável, real, tal a forma como o livro está escrito e sobretudo como o autor(a) nos consegue situar e tornar a época descrita como se fosse a actual, como se, de facto, a vivêssemos.
Este “Pecado e a Honra”, primeiro romance histórico de Maria João da Câmara, é um livro belíssimo que nos transporta para a época de ouro de Portugal e nos permite viver, sentir, cheirar e tocar uma era em que Portugal foi a maior potência do Mundo, onde a riqueza e a opulência eram comuns, onde Portugal era gerido e pensado, a bem de um povo, de uma nação, de um império.
Pese embora o romance se inicie ainda no reinado de D. João II e se estenda pelos reinados de D. Manuel I, D. João III e D. Sebastião, ou seja, nos melhores dos reis e no seu pior, o que aqui sobressai é a saga familiar que a autora constrói ao longo de 100 anos. Iniciada ainda na juventude do duque de Viseu, futuro rei D. Manuel, a autora oferece-nos um fresco histórico admirável, que nos narra o modo de viver e mentalidade medieval à medida que o país vai crescendo e descobrindo novos territórios.
Não se julgue porém que o romance assenta nessa vertente. De facto temos como pano de fundo a corte e os acontecimentos que vão moldando a História. No entanto o trabalho da autora assenta numa família e no seu quotidiano que, obviamente, se liga aos reis e às intrigas e políticas. Assistimos ao crescimento dessa família, com as suas alegrias e tristezas, mas, acima disso, vamos descobrindo o íntimo de uma nação que se abria ao mundo com as suas virtudes e defeitos.
Para além das imensas particularidades sociais e culturais que a autora nos vai narrando, vamos também percebendo o porquê de certas atitudes que tiveram impacto politico e que ainda hoje são a razão, a raiz de muito do que somos e de como agimos. Por outro lado, quero aqui sublinhar e saudar o estilo narrativo e a própria estrutura do texto. Primeiro, a autora escreve todo um romance utilizando uma linguagem semelhante à falada naquela altura, o que, por si só, dá uma enorme beleza ao texto e ajuda imenso na credibilidade e na localização. Depois, é objectiva, não se perdendo em grandes rodeios e descrições, intervala com capítulos relativamente curtos que não nos deixa perder o fio à meada.
Em suma, uma obra brilhante que me deu enorme prazer ler, em que aprendi imenso e que me transportou para uma época brilhante da nossa História, fazendo-me sentir em casa e entre amigos. O melhor que posso dizer é que, depois de terminado, senti um vazio, um sentimento de perda pelos amigos que deixei naquelas páginas.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Feira do Livro de Lisboa 2012


Mais uma Feira do Livro de Lisboa chega ao fim e, conforme tem sido habitué desde há vários anos, a principal ilacção que tiro é: Mais uma moedinha, mais uma voltinha!
Tenho ido à feira desde sempre que me lembro ser gente. Pelas minhas contas, esta foi a minha 28ª feira do livro e há muitos anos que não a vejo como o sítio para adquirir livros ao melhor preço, mas sim um local onde se pode encontrar algumas oportunidades interessantes, por isso é que são os alfarrabistas o meu local de maior interesse.
Este ano, uma vez mais dois grupos editoriais sobressaíram. Muito show off e pouco sumo resultaram num amontoado de choças com n de colaboradores sorridentes e vigilantes, pese embora as habituais portadas sonoras dos alarmes guardadas por seguranças privados. Esses grupos, serviram-me apenas como ponto de passagem, pois o meu interesse por esse show é nulo e nem os concertos de jazz me fizeram lá estar por muito tempo. É impressionante a forma hostil como esses grupos tratam as restantes editoras. Ali, quais todos poderosos representando a alta burguesia, enquanto a ralé se encontra à parte, parecendo até ser uma feira independente (e é).
No entanto, confesso que este ano bati o recorde de idas no mesmo ano. Fui em cinco ocasiões (a primeira logo no primeiro dia), quatro delas à noite. Muitíssimo mais agradável e sossegado à noite. Está bem que não temos as vedetas autografadoras e sorridentes, mas, em compensação, o clima é mais ameno, anda-se melhor e, mais importante, temos tempo e espaço para folhear os livros e até conversar com alguns colaboradores sobre livros e não só.
Mas foi no espaço alfarrabista que encontrei os livros que acabei por comprar. Antes, um pequeno à parte para a concertação que este ano houve entre eles. À descarada, todos tinham os mesmos livros e, praticamente, ao mesmo preço. Coincidência não foi com certeza. Em todo o caso acabei por adquirir as “Aventuras do senhor Pickwick” de Charles Dickens (edição de 1962), a “Ratazana” de Gunter Grass, “A Ilha Debaixo do Mar” de Isabel Allende e a trilogia “A Árvore do Céu” de Edith Pargeter (neste caso na própria editora e a um preço de facto excepcional).
De resto, andar para cima e para baixo acompanhado por farturas, ginjas de Óbidos e gelados. Enfim, percebo que se trata da festa do livro e eu próprio comungo do entusiamo que esta feira cria em todos aqueles que amam os livros, mas já não me deixo levar pelo show off das editoras nem pelos supostas mega promoções que a Hora H tanto apregoa, pois e este ano vi muitos livros em promoção na Hora H que estavam mais caros que em algumas livrarias e nos alfarrabistas.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A Brisa Oriente (A) – Paloma Sanchez-Garnica

Dividido em dois volumes, o contexto de ”A Brisa do Oriente” situa-nos em 1204 na altura precisa em que a Quarta Cruzada toma e saqueia Constantinopla aos muçulmanos. Nessa cruzada, vai Umberto de Quéribus, jovem monge de Cister que acompanha o seu abade na suposta envangelização dessa cidade infiel.

A descrição dessa invasão é impressionante pela crueldade. A cidade é saqueada durante 3 dias. A matança é perturbadora, assim como as violações que sucedem em qualquer lado e sem qualquer tipo de pejo. Matam e destroem monumentos, estátuas e mosaicos antiquíssimos, enquanto pilham tesouros e relíquias de uma forma insaciável sem qualquer tipo de respeito pela suposta filosofia que antecede o apelo dessa Cruzada em 1198, tornando-se numa vergonha para os cristãos. Nunca mais esta fabulosa cidade da Antiguidade se conseguiu recompor.

Umberto vê-se no meio dessa loucura e fica extremamente desiludido pela acção dos cristãos e, principalmente, pela crueldade e ganância do seu Abade que ele considerava imaculado. Nasce aí uma nova percepção do mundo que o rodeia.

Antes de mais, quero exprimir o meu fascínio pela escrita de Paloma Sanchez-Garnica. Li o seu primeiro, e penso que até agora único livro “A Alma das Pedras” e fiquei encantado pela forma viva como a autora conseguiu construir a época e neste livro repete a dose.

Pese embora esteja a gostar imenso do percurso de Umberto, confesso que é a época que a autora consegue criar que me cativa. Uma época marcada pela violência, ausência de valores éticos e morais, onde as pessoas pertenciam aos seus senhores que tinham sobre elas o poder da vida e da morte e onde o clero subjugava e ameaçava tudo e todos. A autora desenha-nos um quotidiano muito intenso, ao ponto de quase sentirmos os sons e os cheiros. É exímia na descrição dos factos. Sem ser muito minuciosa e descritiva (o suficiente), relaciona os acontecimentos de uma forma diria natural, sem qualquer elemento forçado e isso foi algo que notei uma clara evolução, pois enquanto no seu anterior romance achei a história ou elementos da história um pouco forçados, aqui isso diminui imenso e há apenas alguns casos que carecem de alguma justificação ou, se quiserem, de melhor explicação.

No entanto este é o primeiro volume de dois e aguardo ansiosamente o segundo de forma a saber o que será feito de Umberto e se o mesmo atingirá os seus objectivos

Um livro excelente que me deu imenso prazer ler e que me fez sentir presente numa época que muito admiro, algo que raramente acontece nos muitos romances históricos que li.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

O valor dos Blogues

Isto foi um dos assuntos abordados na tertúlia do passado dia 19 de Abril e que despoletou uma discussão muito interessante com diversos pontos de vista.
Pessoalmente considero que as editoras ainda não se aperceberam do imenso poder dos blogues na promoção e divulgação dos livros. Continuam agarradas a velhos conceitos, entretidas a bajular críticos literários ou entertainments televisivos.
Contudo, a blogosfera pode ser um local muito interessante para os seus interesses, todas elas não possuem indicadores nem se preocupam em medir o impacto dos blogues, satisfazendo-se com as meras e repetitivas divulgações das novidades e passatempos. Basta navegarmos uns momentos pelos muitos blogues que existem, alguns deles nascidos com pretensões claras, para que percebamos não existir critérios em relação às parcerias, pois é facilmente constatável a fraca qualidade da maioria dos blogues literários que se entretêm em serem uns meros veículos de publicidade editorial em troca de livros de borla.
A meu ver, a grande mais valia que os blogues podem oferecer às editoras são as suas opiniões sinceras e despretensiosas, despidas de obrigações facciosas. Mas notem que refiro opiniões e não sinopses melhoradas ou maquilhadas como tanto por aí pulula. Dessa forma a editora poderá medir o possível impacto natural daquela(s) obra(s) e o consequente promoção do(s) autor(s), pois é aí que reside a força e o interesse do blogue a par da interacção dos próprios bloggers.
Ora bem, foi precisamente de encontro a este pensamento que a Paula, do blogue Viajar pela Leitura, me alertou para um post que achei muito interessante e que dou aqui conhecimento de forma a pensarem no valor que têm em mãos.