quarta-feira, 30 de maio de 2012

Viagens de Gulliver (As) – Jonathan Swift


Há clássicos que são tidos como literatura juvenil mas que estão muito longe de o ser, aliás, é-me difícil perceber quem são os iluminados que rotulam certas obras sem considerarem a época e o contexto da sua criação.
As Viagens de Gulliver é mais um destes casos. Considerada como literatura juvenil, é vista por muitos leitores como literatura menor, onde alguém narra as aventuras de um aventureiro que se vai deparando com mundos fantásticos e cheios de impossíveis num século muito longínquo.
Muito longe da verdade está quem assim julga, pois estamos perante uma narrativa que analisa a sociedade inglesa do séc. XVII, sobretudo a vida social e política, de uma forma mordaz e altamente critica.
Publicado em 1726, o livro descreve as supostas verdadeiras e fantásticas viagens de Lemwel Gulliver, o narrador-protagonista, a várias ilhas que o ser humano desconhecia e que tem em Gulliver o seu primeiro visitante. Após um naufrágio tão comum na época, Gulliver alcança uma praia desconhecida. Quando acorda deparara-se com dezenas de criaturas minúsculas. Acaba de chegar a Lilliput onde conhece uma sociedade composta por pessoas que não ultrapassam os 15 cm, em constante conflito por futilidades, nessa ilha ele é um gigante. Depois, aporta em Brobdingnag, onde sucede precisamente o contrário. Ali o povo é composto por gigantes, sendo Gulliver um ser minúsculo. Posteriormente o terceiro cenário torna-se a Ilha flutuante de Laputa onde se depara com habitantes que se entretêm com conspirações enquanto a sua sociedade se dirige alegremente para o abismo e, no último cenário, ele conhece os Houyhnhnms, cavalos falantes que dirigem o seu país, enquanto, no lado oposto há os Yahoos, seres semelhantes aos humanos mas com inteligência de animais… irracionais.
Por aqui se pode ver que é estúpido considerar esta obra como literatura juvenil, pois basta atentar à actividade profissional de Swift (secretário de relações públicas), e à natureza do próprio autor (sabe-se que ele odiava crianças e considerava a estupidez humana como o causador de todos os males sociais),para rapidamente compreendemos que havia mais substância e intenção do que aquela que é tida, pois vejamos:
Nesta obra o protagonista visita quatro sociedades completamente distintas. Nelas, é possível perceber analogias comportamentais dos seres humanos. A sociedade corrupta, fútil, cheia de vícios e más atitudes, é aqui expressa de uma forma satírica mas, diria, directa e clara. Swift consegue criar expectativa no leitor nas viagens que vai imaginando, critica ferozmente a estrutura social e política e os vícios, as hipocrisias e os podres que lhe são inerentes, diria, até aos nossos dias (e no futuro também). Mas vai mais longe, a própria religião é censurada na sua falsa virtude, assim como, e isso é claro, ridiculiza vários personagens conhecidos na época que, actualmente, confesso ser muito difícil identificar. Mas a análise contínua imparável, a exploração dos mais ricos aos pobres, vivendo estes miseravelmente enquanto os ricos se banqueteiam e ostentam sem qualquer tipo de pejo, o abandono dos idosos, toda a irracionalidade da raça humana.
Não sendo uma obra de leitura muito fácil, dada a análise cuidada que é necessário ser efectuada, percebe-se que o objectivo de Swift era claramente o de criticar todas as franjas da sociedade, os vícios da corte e do regime que permitiam tanta desigualdade. O autor expressa o seu desânimo e decepção face à situação social e política e também face à natureza pérfida do ser humano, e isso não passou despercebido na altura, provocando incómodo e alguns debates em torno desta excelente obra.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Pecado e a Honra – Maria João da Câmara

Há livros que nos transportam para outras épocas de tal forma que damos connosco a pensar nas personagens e nos acontecimentos como se fossem algo palpável, real, tal a forma como o livro está escrito e sobretudo como o autor(a) nos consegue situar e tornar a época descrita como se fosse a actual, como se, de facto, a vivêssemos.
Este “Pecado e a Honra”, primeiro romance histórico de Maria João da Câmara, é um livro belíssimo que nos transporta para a época de ouro de Portugal e nos permite viver, sentir, cheirar e tocar uma era em que Portugal foi a maior potência do Mundo, onde a riqueza e a opulência eram comuns, onde Portugal era gerido e pensado, a bem de um povo, de uma nação, de um império.
Pese embora o romance se inicie ainda no reinado de D. João II e se estenda pelos reinados de D. Manuel I, D. João III e D. Sebastião, ou seja, nos melhores dos reis e no seu pior, o que aqui sobressai é a saga familiar que a autora constrói ao longo de 100 anos. Iniciada ainda na juventude do duque de Viseu, futuro rei D. Manuel, a autora oferece-nos um fresco histórico admirável, que nos narra o modo de viver e mentalidade medieval à medida que o país vai crescendo e descobrindo novos territórios.
Não se julgue porém que o romance assenta nessa vertente. De facto temos como pano de fundo a corte e os acontecimentos que vão moldando a História. No entanto o trabalho da autora assenta numa família e no seu quotidiano que, obviamente, se liga aos reis e às intrigas e políticas. Assistimos ao crescimento dessa família, com as suas alegrias e tristezas, mas, acima disso, vamos descobrindo o íntimo de uma nação que se abria ao mundo com as suas virtudes e defeitos.
Para além das imensas particularidades sociais e culturais que a autora nos vai narrando, vamos também percebendo o porquê de certas atitudes que tiveram impacto politico e que ainda hoje são a razão, a raiz de muito do que somos e de como agimos. Por outro lado, quero aqui sublinhar e saudar o estilo narrativo e a própria estrutura do texto. Primeiro, a autora escreve todo um romance utilizando uma linguagem semelhante à falada naquela altura, o que, por si só, dá uma enorme beleza ao texto e ajuda imenso na credibilidade e na localização. Depois, é objectiva, não se perdendo em grandes rodeios e descrições, intervala com capítulos relativamente curtos que não nos deixa perder o fio à meada.
Em suma, uma obra brilhante que me deu enorme prazer ler, em que aprendi imenso e que me transportou para uma época brilhante da nossa História, fazendo-me sentir em casa e entre amigos. O melhor que posso dizer é que, depois de terminado, senti um vazio, um sentimento de perda pelos amigos que deixei naquelas páginas.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Feira do Livro de Lisboa 2012


Mais uma Feira do Livro de Lisboa chega ao fim e, conforme tem sido habitué desde há vários anos, a principal ilacção que tiro é: Mais uma moedinha, mais uma voltinha!
Tenho ido à feira desde sempre que me lembro ser gente. Pelas minhas contas, esta foi a minha 28ª feira do livro e há muitos anos que não a vejo como o sítio para adquirir livros ao melhor preço, mas sim um local onde se pode encontrar algumas oportunidades interessantes, por isso é que são os alfarrabistas o meu local de maior interesse.
Este ano, uma vez mais dois grupos editoriais sobressaíram. Muito show off e pouco sumo resultaram num amontoado de choças com n de colaboradores sorridentes e vigilantes, pese embora as habituais portadas sonoras dos alarmes guardadas por seguranças privados. Esses grupos, serviram-me apenas como ponto de passagem, pois o meu interesse por esse show é nulo e nem os concertos de jazz me fizeram lá estar por muito tempo. É impressionante a forma hostil como esses grupos tratam as restantes editoras. Ali, quais todos poderosos representando a alta burguesia, enquanto a ralé se encontra à parte, parecendo até ser uma feira independente (e é).
No entanto, confesso que este ano bati o recorde de idas no mesmo ano. Fui em cinco ocasiões (a primeira logo no primeiro dia), quatro delas à noite. Muitíssimo mais agradável e sossegado à noite. Está bem que não temos as vedetas autografadoras e sorridentes, mas, em compensação, o clima é mais ameno, anda-se melhor e, mais importante, temos tempo e espaço para folhear os livros e até conversar com alguns colaboradores sobre livros e não só.
Mas foi no espaço alfarrabista que encontrei os livros que acabei por comprar. Antes, um pequeno à parte para a concertação que este ano houve entre eles. À descarada, todos tinham os mesmos livros e, praticamente, ao mesmo preço. Coincidência não foi com certeza. Em todo o caso acabei por adquirir as “Aventuras do senhor Pickwick” de Charles Dickens (edição de 1962), a “Ratazana” de Gunter Grass, “A Ilha Debaixo do Mar” de Isabel Allende e a trilogia “A Árvore do Céu” de Edith Pargeter (neste caso na própria editora e a um preço de facto excepcional).
De resto, andar para cima e para baixo acompanhado por farturas, ginjas de Óbidos e gelados. Enfim, percebo que se trata da festa do livro e eu próprio comungo do entusiamo que esta feira cria em todos aqueles que amam os livros, mas já não me deixo levar pelo show off das editoras nem pelos supostas mega promoções que a Hora H tanto apregoa, pois e este ano vi muitos livros em promoção na Hora H que estavam mais caros que em algumas livrarias e nos alfarrabistas.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A Brisa Oriente (A) – Paloma Sanchez-Garnica

Dividido em dois volumes, o contexto de ”A Brisa do Oriente” situa-nos em 1204 na altura precisa em que a Quarta Cruzada toma e saqueia Constantinopla aos muçulmanos. Nessa cruzada, vai Umberto de Quéribus, jovem monge de Cister que acompanha o seu abade na suposta envangelização dessa cidade infiel.

A descrição dessa invasão é impressionante pela crueldade. A cidade é saqueada durante 3 dias. A matança é perturbadora, assim como as violações que sucedem em qualquer lado e sem qualquer tipo de pejo. Matam e destroem monumentos, estátuas e mosaicos antiquíssimos, enquanto pilham tesouros e relíquias de uma forma insaciável sem qualquer tipo de respeito pela suposta filosofia que antecede o apelo dessa Cruzada em 1198, tornando-se numa vergonha para os cristãos. Nunca mais esta fabulosa cidade da Antiguidade se conseguiu recompor.

Umberto vê-se no meio dessa loucura e fica extremamente desiludido pela acção dos cristãos e, principalmente, pela crueldade e ganância do seu Abade que ele considerava imaculado. Nasce aí uma nova percepção do mundo que o rodeia.

Antes de mais, quero exprimir o meu fascínio pela escrita de Paloma Sanchez-Garnica. Li o seu primeiro, e penso que até agora único livro “A Alma das Pedras” e fiquei encantado pela forma viva como a autora conseguiu construir a época e neste livro repete a dose.

Pese embora esteja a gostar imenso do percurso de Umberto, confesso que é a época que a autora consegue criar que me cativa. Uma época marcada pela violência, ausência de valores éticos e morais, onde as pessoas pertenciam aos seus senhores que tinham sobre elas o poder da vida e da morte e onde o clero subjugava e ameaçava tudo e todos. A autora desenha-nos um quotidiano muito intenso, ao ponto de quase sentirmos os sons e os cheiros. É exímia na descrição dos factos. Sem ser muito minuciosa e descritiva (o suficiente), relaciona os acontecimentos de uma forma diria natural, sem qualquer elemento forçado e isso foi algo que notei uma clara evolução, pois enquanto no seu anterior romance achei a história ou elementos da história um pouco forçados, aqui isso diminui imenso e há apenas alguns casos que carecem de alguma justificação ou, se quiserem, de melhor explicação.

No entanto este é o primeiro volume de dois e aguardo ansiosamente o segundo de forma a saber o que será feito de Umberto e se o mesmo atingirá os seus objectivos

Um livro excelente que me deu imenso prazer ler e que me fez sentir presente numa época que muito admiro, algo que raramente acontece nos muitos romances históricos que li.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

O valor dos Blogues

Isto foi um dos assuntos abordados na tertúlia do passado dia 19 de Abril e que despoletou uma discussão muito interessante com diversos pontos de vista.
Pessoalmente considero que as editoras ainda não se aperceberam do imenso poder dos blogues na promoção e divulgação dos livros. Continuam agarradas a velhos conceitos, entretidas a bajular críticos literários ou entertainments televisivos.
Contudo, a blogosfera pode ser um local muito interessante para os seus interesses, todas elas não possuem indicadores nem se preocupam em medir o impacto dos blogues, satisfazendo-se com as meras e repetitivas divulgações das novidades e passatempos. Basta navegarmos uns momentos pelos muitos blogues que existem, alguns deles nascidos com pretensões claras, para que percebamos não existir critérios em relação às parcerias, pois é facilmente constatável a fraca qualidade da maioria dos blogues literários que se entretêm em serem uns meros veículos de publicidade editorial em troca de livros de borla.
A meu ver, a grande mais valia que os blogues podem oferecer às editoras são as suas opiniões sinceras e despretensiosas, despidas de obrigações facciosas. Mas notem que refiro opiniões e não sinopses melhoradas ou maquilhadas como tanto por aí pulula. Dessa forma a editora poderá medir o possível impacto natural daquela(s) obra(s) e o consequente promoção do(s) autor(s), pois é aí que reside a força e o interesse do blogue a par da interacção dos próprios bloggers.
Ora bem, foi precisamente de encontro a este pensamento que a Paula, do blogue Viajar pela Leitura, me alertou para um post que achei muito interessante e que dou aqui conhecimento de forma a pensarem no valor que têm em mãos.

sábado, 28 de abril de 2012

Resultados do Passatempo “O Circo de Sonhos”

O Blog NLivros e a Civilização Editora agradecessem a todos os participantes do passatempo “O Circo de Sonhos”, que decorreu do dia 13 de Abril até as 23:59 do dia 27 de Abril.

A Vencedora é:
36 – Paula Teixeira - Açores

Parabéns à vencedora e continuação de boas leituras.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Passatempo "O Circo de Sonhos" - Falta 1 dia

Termina amanhã o passatempo "O Circo dos Sonhos" de Erin Morgenstern que promete ser o próximo sucesso no género fantástico.

Não percam a hipótese de participarem e, dessa forma, habilitarem-se a receber o exemplar que o Blog NLivros e a Civilização Editora têm para oferecer.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Homem Corvo (O) – David Soares


Era uma vez uma menina que chorava porque perdera o peixe caprichoso que era o seu melhor amigo. Eis que o Homem Corvo lhe entra pela janela e lhe propõe: “Eu dou-te um peixinho, se tu me deres um coração”. A menina, sabendo que o coração era vermelho vai à cozinha e traz-lhe um objecto vermelho, uma maçã. O corvo, feliz e contente, engana a menina, dando-lhe um peixinho de plástico… Chico esperto!

Uma história muito curta, bem ao estilo de David Soares, sombria e misteriosa que se acentua mais nas páginas negras bem decoradas pelos desenhos fantásticos de Ana Bossa. Aliás, se fôssemos considerar o livro apenas pelo seu aspecto gráfico tridimensional, seria algo que descreveria como arte, pois os cenários criados por Ana Bossa, a luz e a delicadeza das figuras, transportam-nos para um cenário misterioso que reforçam ou, se quiserem, dão mais força à metáfora de David Soares.

Esta história e tão somente uma metáfora sobre a amizade.

Um Homem Corvo, que há por aí aos pontapés,  engana em proveito próprio o ingénuo, o inocente que cai na cantiga do bandido e dá algo em troca de nada. No entanto esse Homem Corvo ainda questiona: “Mas porque é que não gostam de mim?”. Sem sequer reparar que para ter uma amizade verdadeira, há que conquistar.

No final, eis que o feitiço se vira contra o feiticeiro e o Homem Corvo tem o retorno daquilo que semeou.

Conforme referi, este pequeno livro, tipo banda desenhada, é um álbum que encerra uma metáfora sobre a necessidade de se semear as verdadeiras amizades e não fazer favores para ter amigos. Simples e chocante como o Homem Corvo acaba, como podemos acabar qualquer um de nós se nos comportamos como o Homem Corvo que, diga-se, é apenas a imagem actual da nossa sociedade.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Papisa Joana (A) – Donna Woolfolk Cross


Segundo a lenda, entre os séculos IX e XI, Joana teria nascido provavelmente em Constantinopla (existem outras hipóteses), e que, sendo mulher, faz-se passar por homem conseguindo romper com as proibições que estavam determinadas às mulheres e tornar-se uma figura importante da igreja católica ao ponto de ter sido eleita Papa. Nos entretantos, a lenda refere também que era amante de um oficial da guarda suiça e que, inclusivamente, chegou a ficar grávida, conseguindo omitir essa gravidez devido às largas vestes do sumo pontífice.

Há várias versões desta lenda que de facto situam esta personagem entre os séculos IX e XI, no entanto e atá à data, embora subsistam teorias da conspiração que referem existirem provas encerradas nos cofres do Vaticano e muitíssimos outros testemunhos, na realidade não existem evidencias concretas nem da existência de tal personagem, nem sequer da possibilidade de alguma mulher ter ocupado a cadeira de S. Pedro, o mais alto cargo da igreja católica.

Em todo o caso o livro de Donna Woolfolk Cross é ficção e torna-se espantoso face às descrições e ao contexto histórico abordado. A autora é exímia a descrever a época conturbada por conflitos e chacinas, assim como em construir todo um trama que nos envolve e nos situa em plena Europa na Alta Idade Média, ou, como muitos dizem, na época das trevas, época marcada por uma imensa intolerância e fanatismo religioso que originou um domínio absoluto por parte do clero.

Achei fascinante o trabalho da autora. Revelou ter efectuado uma excelente pesquisa da época, pois, no caminho que traça para a sua personagem, a autora sabe contextualizar a acção e integrar ou ir explanando os factos da lenda, obviamente com muitos pontos em branco, com factos históricos reais. Achei isso espantoso e é esse aspecto que me leva a considerar esta obra como um romance histórico muito bom, sem que, no entanto, ache importante referir a pouca capacidade da autora ou a incoerência na criação literária da personagem de Joana. Ou seja, segundo a lenda, Joana foi uma mulher muito culta que, fazendo-se passar por homem numa época tão conturbada, conseguiu enganar tudo e todos e ascender ao mais alto cargo da igreja católica. Pois bem, o que vamos assistindo, na construção da personagem, é a de alguém ingénua, muito certinha e até, por vezes isso transparece, algo, vá lá, palerma. Confesso que isso me desagradou e dei por a mim a pensar qual o objectivo da autora, sendo que vingou a tese que a autora sabia que este livro teria um público maioritariamente feminino, por isso, pretendeu empregar um tom mais cor-de-rosa, mais piegas.

Independentemente de se acreditar que a Papisa Joana existiu, e isso é algo que facilmente se pode investigar dada a imensa informação que já existe, o que interessa neste livro é o trajecto da personagem dentro da bem documentada época, e isso a autora fá-lo com classe. No fim, ficamos com a certeza da autora e, sobretudo, felizes por nos ter sido permitido viver tantos dias numa época distante, onde a barbárie imperava.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Metamorfose (A) – Franz Kafka


Provavelmente o livro mais conhecido de Kafka e um dos livros mais crus, estranhos e violentos que alguma vez li. A premissa é deveras simples e, por si só, apelativa e indicadora para a história que Kafka nos reserva.
Certa manhã, ao acordar, Gregor Samsa apercebe-se que se está a transformar num gigantesco insecto. Caixeiro-viajante de profissão, Gregor é o único sustento da casa que alberga os pais e a irmã, que vivem às custas do pobre Gregor.
Desde o início compreendemos que estamos diante de uma metáfora e é dessa forma que nos custa a crer no que se vai desenrolando diante dos nossos olhos.
Gregor Samsa é desde o início tratado com nojo pela família. Invertem-se os papéis. Agora, de uma forma figurada, é Gregor o parasita e a família trata-o com desprezo e nojo. Antes era Gregor o escravo da família, o único que trabalhava, a única fonte de rendimento. É clara a alienação, a escravatura do ser humano face ao trabalho e às obrigações que a sociedade e a família lhe ditam, são reflexões que kafka vai traçando de uma forma muito subtil.
Uma das grandes particularidades desta obra é que é ela também uma espécie de análise pessoal que Kafka efectua. É possível rever Kafka em Gregor Samsa, sobretudo na sua fase mais jovem quando se libertou das correntes sociais pra puder escrever em liberdade. A sua família também tem paralelismos com a família de Gregor. O seu austero pai que só se interessava pela ascensão social e sucesso material, a forma severa como o pai o tratava é descrito de forma figurada no atirar das maçãs do pai de Gragor Samsa ao filho insecto (uma das imagens mais chocantes do livro). Mas Kafka vai ainda mais longe, aflorando outros factos políticos e sociais que varriam a Europa.
No fim temos um Gregor abandonado, isolado do mundo e transformado de vez em insecto. A libertação foi conseguida (a alienação), no entanto não consegue ser livre. Deixa-nos uma imagem perturbante, assim como perturbante e inquietante é todo esta belíssima obra da literatura universal.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Passatempo "O Circo de Sonhos"

O blog NLivros, em colaboração com a Civilização Editora, tem para oferecer 1 exemplar do livro "Circo de Sonhos" de Erin Morgenstern


Título: Circo de Sonhos

Autor: Erin Morgenstern
ISBN: 9789722634267

Págs.: 464
Preço: 14,85€

Género: Fantasia

Sinopse:
Um romance de magia e amor que está a encantar os leitores de todo o mundo através do fantástico poder da imaginação. Um misterioso circo itinerante chega sem aviso e sem ser precedido por anúncios ou publicidade. Um dia, simplesmente aparece. No interior das tendas de lona às listas pretas e brancas vive-se uma experiência absolutamente única e avassaladora. Chama-se Le Cirque des Rêves (O Circo dos Sonhos) e só está aberto à noite. Mas nos bastidores vive-se uma competição feroz – um duelo entre dois jovens mágicos, Celia e Marco, que foram treinados desde crianças exclusivamente para este fim pelos seus caprichosos mestres. Sem o saberem, este é um jogo onde apenas um pode sobreviver, e o circo não é mais do que o palco de uma incrível batalha de imaginação e determinação.
Apesar de tudo, e sem o conseguirem evitar, Celia e Marco mergulham de cabeça no amor – um amor profundo e mágico que faz as luzes tremerem e a divisão aquecer sempre que se aproximam um do outro (…). O Circo dos Sonhos é uma obra fascinante que fará com que o mundo real pareça mágico, e o mundo mágico, real.
Autora:
Erin Morgenstern descreve todo o seu trabalho como sendo “contos de fadas, de uma forma ou de outra”. Estudou teatro e arte no Smith College. Além de escrever, também pinta e colecciona jóias feitas com chaves antigas. Cresceu no Massachusetts e é lá que vive actualmente. O Circo dos Sonhos é o seu primeiro romance.
Imprensa:

Este é um livro maravilhoso.
Audrey Niffenegger, autora de The Time Traveler's Wife


Morgenstern consegue conceber uma história de amor para adultos com um carácter voluptuosamente romântico. Quando Celia se refere ao circo como “um encanto, um conforto e um mistério”, poderia estar a falar deste livro.
The Washington Post
A estreante Morgenstern não tem falhas nesta arrebatadora história de ambição, destino e amor […] uma história grandiosa e mágica destinada ao sucesso.
Publishers Weekly
Este é com certeza um dos mais belos romances do ano. A estreia mágica de Erin Morgenstern vai prender a atenção de um vasto público que ficou desamparado com o fim das crónicas de Harry Potter.
The Observer
Encantador e comovente… Senti-me fascinada pelo universo deste livro. É algo surpreendentemente raro em ficção – um mundo incrivelmente belo, apesar da sua falta de cor.
Claire Messud, The Guardian

A escrita de Morgenstern, no que toca a criações mágicas, é deliciosa e viciante.
The Sunday Times



REGRAS DE PARTICIPAÇÃO:


1) O passatempo decorre a partir de hoje até às 23h59 do dia 27 de Abril.

2) Só é aceite uma participação por pessoa. Participações duplicadas serão desqualificadas sem aviso.

3) O vencedor será sorteado aleatoriamente, sendo o anúncio dos vencedores efectuado por e-mail e publicado no blog.

4) Por motivos logísticos só serão aceites participações de residentes em Portugal.

5) Só serão aceites participações de Seguidores do blog NLivros.

PASSATEMPO ENCERRADO

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Tertúlia Literária


No próximo dia 19 de Abril na Livraria Bertrand no Chiado, realiza-se uma tertúlia literária de blogues, para a qual fui convidado.

Convido todos a comparecerem, pois esta tertúlia promete ser muito interessante.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

John Carter – Edgar Rice Burroughs


Mais conhecido por ter criado a figura lendária de Tarzan, Edgar Rice Burroughs ficou nos anais da literatura fantástica pela criação deste brilhante personagem John Carter que foi posteriormente transposto para a banda desenhada e para o cinema devido à imensa fama que granjeou com a série de livros escritos pelo autor.

Honestamente, e embora tenha procurado e pesquisado, não consta que por detrás destas aventuras fantásticas tivessem quaisquer metáforas ou analogias ao que quer que seja. Pelos visto, Burroughs pretendeu de facto escrever algo fantástico que abordasse o futuro segundo a sua percepção o que, por si, torna estas aventuras apelativas, pois note-se que este primeiro livro foi publicado em 1911 e aí o autor traça todo um panorama que, hoje em dia, é bastante futurista na maioria dos aspectos.

Denominado por Burroughs por “Under the Moons of Mars”, este primeiro livro narra a história de um cowboy, veterano da guerra civil americana, que ao fugir dos indios apaches, entra numa caverna e ai é transportado para o planeta Marte.  Quando se apercebe que está nesse planeta é capturado pelos guerreiros Thark, humanóides verdes com 4 metros de altura e  4 braços, sendo posteriormente resgatado pela princesa Dejah Thoris, por quem se apaixona. Como a gravidade é bastante menor, John apercebe-se que consegue dar grandes saltos que faz com seja uma espécie de super-homem naquele planeta, o que lhe traz grandes benefícios.

Embora seja considerado um clássico, não vou afirmar que adorei ler esta obra porque, definitivamente, este tipo de ficção não é o meu género e, mesmo admitindo a imensa imaginação do autor, o livro nunca me conseguiu cativar e agarrar.

Tirando os dois primeiros capítulos que se dão ainda no planeta Terra, os restantes passam-se em Marte num mundo imenso de monstros para todos os gostos, acontecimentos brutalmente incríveis e situações fantasticamente irreais. Longe de mim deslustrar esta série e muito menos o talento de Burroughs, que admito jeito para imaginar e contar historias, mas enfim, são por demais extraordinárias as aventuras narradas e dei por mim, bastas vezes, a ter de voltar atrás por ter perdido o fio à meada devido ao facto da minha mente deambular por tudo menos pelo que estava a ler.

Ou seja, um livro aconselhável para os amantes deste tipo de ficção que podem encontrar em John Carter, não apenas um clássico, como e principalmente um manancial de imaginação.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Isabel I de Inglaterra e o seu médico Português – Isabel Machado

Filha de Henrique VIII e de Ana Bolena, Isabel teve uma infância muito atribulada, vivendo sempre no limbo face aos constantes boatos de traições aos reis que lhe antecederam.
Quando nasceu, Isabel ocupava a primeira posição na sucessão ao trono, no entanto acaba por cair em desgraça quando a sua mãe é acusada de adultério e condenada à morte por decapitação. Isabel, na altura quase a fazer 3 anos de idade, é declarada ilegítima e perde o título de princesa.
Após a morte do seu pai, Isabel passa a viver com Catherine Parr e o marido, Tomás Seymour. Catherine Parr foi a última esposa de Henrique VIII e nutria por Isabel verdadeira afeição. Pouco meses após a morte do rei, Catherine desposa Tomás Seymour de Sudeley, indo viver para a zona de Chelsea. Essa convivência ainda hoje levanta várias conjecturas, pois sabe-se que Seymour se dava a certas liberdades com a jovem Isabel sem que esta, aparentemente, lhe agradasse. O certo é que Catherine acaba por descobrir essas folias e toma o partido do marido, expulsando Isabel em Maio de 1548.
Desse envolvimento, que hoje em dia seria tido como pedofilia e que se julga tinha como intenção de Seymour a ascensão dele próprio ao trono de Inglaterra, Isabel tem um primeiro e horrível contacto com os tramas da corte e conhece ou toma contacto com as teias conspirativas, as intrigas palacianas que irão acompanhá-la durante toda a sua vida.
Até subir ao trono, Isabel irá passar por outros tumultos e desgostos. No entanto, em Janeiro de 1559 é coroada Rainha de Inglaterra, iniciando-se um reinado de 44 anos, conhecido por período isabelino e marcado por acontecimentos vitais para a História da Europa e da própria Inglaterra.
Obviamente que esta exposição é muitíssima diminuta, não só da vida de Isabel, como do seu reinado. A importância do reinado de Isabel foi fundamental para o poderio da Inglaterra. É um período riquíssimo, cheio de acontecimentos e de personagens que, ainda hoje, são falados e estudados. Em todo o caso o que aqui é importante é analisar o livro de Isabel Machado.
Confesso que até conhecia muitos acontecimentos e factos do reinado de Isabel I, no entanto desconhecia a atribulada juventude de Isabel e a forma como sobe e, principalmente, como conduziu o seu reinado e o seu legado, e isso foi algo que me surpreendeu.
Surpreendeu-me também, pela positiva, a qualidade e a forma límpida como a autora conseguiu narrar toda uma vida, porque é precisamente isso que a autora faz: conta toda a vida de Isabel, desde o seu nascimento até à sua morte. Pelo meio, que não é pouco, consegue a magia de colocar e dar substância a vários importantes personagens que povoaram a vida de Isabel, com especial incidência para o médico português, D. Rodrigo Lopes, que virá a ser médico pessoal da rainha durante décadas.
Não é possível, numa mera opinião, expressar toda a densidade e excelência da obra de Isabel Machado. Não vou referir que é uma obra imaculada. Para mim o maior defeito é a falta de descrições das principais batalhas que ocorreram em todo aquele tempo. No entanto isso é algo que muito aprecio nos romances históricos e este versa essencialmente sobre figuras, destacando-se a de Isabel e de Rodrigo. Pessoalmente também me maçou a insistente discussão à volta do casamento da rainha e da necessidade de deixar sucessão. A partir do momento em que Isabel sobe ao trono, a principal discussão entre os seus ministros e conselheiros é o seu casamento que Isabel conduziu de uma forma estratégica até ao final da sua vida. Em todo o caso achei algo maçuda essa insistência, pois passam-se páginas atrás de páginas com essa discussão, parecendo que mais nada de interessante se passa no reino. Também não apreciei o tom algo piegas com que a autora descreve os encontros amorosos entre a rainha e o seu protegido. Percebo da necessidade de dar um tom mais apimentado e romântico ao livro, até por se tratar de ficção baseada em factos verídicos, no entanto e também face à fama de Isabel que ficou conhecida como a “rainha Virgem”, chegou a ser irritante esse tom meloso com que os encontros são descritos.
No entanto a autora realiza um enorme trabalho. Consegue abordar a época e situar muito bem os acontecimentos que marcaram aquela época. O problema de Portugal e do vazio que fica quando D. Sebastião perece em Alcacer Quibir. A invasão em 1589 de Filipe II a fim de reclamar o trono e da revolta de D. António, prior do Crato, que Isabel irá conhecer muito bem, a fim de reclamar o trono de Portugal. A União Ibérica que daí ocorre e que será o único entrave ao estabelecimento da Inglaterra enquanto maior potência mundial. Um sem número de acontecimentos que a autora coloca e situa de uma forma excelente, mas que, por vezes, torna o livro maçudo e denso.
Um livro que me deu imenso prazer ler. Não diria que se lê de uma forma compulsiva, mas que merece ser lido com calma e cuidado. Um livro que merece algumas análises à medida que a leitura vai decorrendo, pois e como antes referi, há acontecimentos, sobretudo os bélicos, que são mencionados, mas que são pouquíssimo descritos e, pessoalmente, tive a necessidade de perceber da sua importância e impacto que tiveram.
Nota final para D. Rodrigo Lopes, médico português que debanda para Inglaterra com a esperança de encontrar um país mais tolerante com a sua religião. Com a ajuda da comunidade portuguesa, aí se fixa, chegando, pela sua fama de bom médico, ao posto de médico pessoal da rainha e seu confidente. Rodrigo Lopes existiu e teve, de facto, um papel preponderante na vida de Isabel I, estando também envolvido na política externa, nomeadamente no problema da invasão de Portugal. Este é um personagem que a História de Portugal esqueceu ou que nem sequer chegou a considerar. Em todo o caso a autora empreendeu uma brilhante investigação e descobriu importantes informações sobre essa figura e o seu trabalho na corte. A partir daí, a autora, explana uma figura muito interessante que vem abrilhantar ainda mais esta obra.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Máquina do Tempo - H.G. Wells

Quando empreendemos a leitura de um livro, é importante saber quando foi escrito e pesquisar um pouco sobre o autor, pois e bastas vezes as obras foram escritas com objectivos e alvos bem definidos, não se tratando de meras obras de ficção científica, terror ou de qualquer outro género como linearmente ficam para a História.
E é o que acontece com este pequeno livro de HG Wells, classificado por Ficção Científica e olhado com desdém por muitos como sendo uma obra menor.
Terrível ilusão!
Em plena época vitoriana, note-se que o livro foi escrito em 1895, um cientista constrói uma máquina do tempo e desloca-se para o ano 802.701, oitocentos mil anos, onde descobre um planeta muito mudado e, mais importante, uma humanidade completamente estranha aos seus olhos. Apenas por esse facto, a leitura já se torna interessante, ainda mais porque esse cientista inicia uma série de descobertas e aventuras que nos vai mostrar o quanto o planeta mudou e as relações entre as pessoas…
E é aí que Wells se pretendeu focalizar com esta metáfora.
O cientista constata na existência de duas classes de seres humanos. Os Eloi e os Morlock. Uns são o gado e os outros os donos que se alimentam desse gado. Embora possa parecer algo macabro, em 1895, Wells quis construir uma metáfora que demonstrasse a diferença de classes entre a burguesia (os Eloi) e a classe operária (os Morlock), no entanto Wells, de uma forma irónica, indicia que o papel de tais classes só inverteriam os papéis 800.000 anos depois… por outro lado. Wells foi ainda mais longe expressando a dependência dos Eloi, que têm uma vida despreocupada e que colhiam os frutos da terra produzidos pelos Morlock. Ou seja, a dependência dos Eloi, que necessitam dos Marlocks para sobreviverem.
A Máquina do Tempo não é um mero conto de viagem do tempo como já tenho lido em várias opiniões. É muito mais do que isso, para além de o autor se centrar numa dupla metáfora, é possível notar também, mesmo sendo a obra tão curta, outras questões que o autor desenvolve. A evolução/progresso científico que não é acompanhada por uma evolução/progresso humana, os conflitos sociais e outras correntes de pensamentos em voga no final do século XIX.