quinta-feira, 28 de junho de 2012

Aventuras Extraordinárias do sr. Pickwick – Charles Dickens


Publicado mensalmente em folhetins a partir de 1836, as aventuras extraordinárias do sr. Pickwick (Pickwick Papers) tornaram-se num evento extremamente popular em Inglaterra, chegando ao ponto do jornal se esgotar poucas horas depois de ter saído.

Os contos, quase todos eles autónomos entre si, narram as aventuras e desventuras de quatro membros do clube Pickwick que é criado com a intensão de investigar e observar o quotidiano da Inglaterra do séc. XIX, resultando numa série de contos onde a comédia, a par da sátira, se sente na forma como essas aventuras, e desventuras, vão sucedendo.

Esses quatro membro, o sr. Pickwick (o presidente), o sr. Tupman, o sr. Snograss e o sr. Winkle, vagueiam assim por uma Inglaterra bem diferente daquela que habitualmente vêmos representada na Londres vitoriana. Viajam pelo interior do país, observando os seus costumes e a forma como as pessoas se comportam, e é aí que está o grande interesse desta primeira obra de Charles Dickens.

Iniciada a sua escrita quando Dickens tinha 24 anos, esta obra, escrita sob o pseudónimo de Boz, supostamente narra as aventuras reais de quatro homens que pertencem ao clube Pickwick. Foi assim que a obra foi lançada e foi assim que os seus fãs a viam, pois julgava-se que eram de facto histórias reais retiradas de um suposto diário pertencente ao sr. Pickwick. Por si só foi uma genial jogada de marketing de Dickens que, dessa forma, ganhou nome e se lançou numa carreira de sucesso.

Nestes contos, podemos já constar das várias características que traçaram o estilo de Dickens. A análise ao comportamento do ser humano é aquela que mais se evidencia, pois, para mim, é a grande marca de Dickens. Porém, a sátira declarada, uma espécie de critica social que mais tarde e noutras obras seria mais evidente, também lá estão. A religião, a classe política, a magistradura, os burgueses (um dos alvos de sempre de Dickens), o sistema de justiça que apenas protegia os poderosos, enfim, são aqui satirizados de uma forma humorística, colocando a nú e evidenciando as falhas do sistema da época. É compreensível que os fãs de Pickwick fossem maioritariamente da classe média, pois viam nesses contos uma espécie de revolta aos poderes instituídos e à sua impotência para mudar esse mesmo sistema (tão actual que ainda é). Mas há mais críticas e, nas aventuras desse grupo de quatro, não podemos de rir de várias situações verdadeiramente hilariantes e absurdas, face também ao espírito da época.

No entanto não posso dizer que apreciei tanto o livro ao ponto de o considerar uma grande obra. É um clássico, sem dúvida, e é a primeira grande obra de Dickens. Pessoalmente, e já li a maior parte da sua obra, este é o menos conseguido. Sim, claro que Dickens pode expressar a sua sociedade, pode representar uma Inglaterra há muito desaparecida e tão diferente da Inglaterra de Londres, mas, e embora os primeiros capítulos os tenha lido com muito agrado, sensivelmente a partir do meio do livro foi-me algo penoso continuar, pois as situações arrastam-se, são algo repetitivas e torna-se monótono o humor e a sátira. 

Quer-me parecer que Dickens quando se apercebeu do sucesso da obra, e como era publicada periodicamente e por capítulos, quis espremer até dar, o que resultou numa obra extensa e que,  partir de determinada altura, pouco traz de novo e pouco prazer dá a ler. Mas isso são suposições, pois não tenho dados concretos para defender essa tese.

Em todo o caso é um livro que se lê muito bem e onde constamos do nascimento desse peso pesado da literatura mundial que dá pelo nome de Charles Dickens.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

6 Anos de Blogosfera


Fez ontem precisamente 6 anos que iniciei este blog. Sem grandes pretensões nem planos, a minha ideia era ter um local onde pudesse explanar publicamente as várias opiniões que já tinha escrito e editado em vários sites e até em algumas publicações. Um pouco no seguimento do que já fazia num célebre site de opiniões, onde, inclusive, tínhamos uma espécie de fórum onde se opinava sobre tudo.

Na altura a blogosfera era algo ainda muito indefinida. Blogues literários não existiam na quantidade que se verifica hoje em dia e a maioria dos bloggers eram apenas uns meros curiosos que viam os blogues como uma espécie de passatempo, longe de imaginar o quão trabalhoso dá ter e manter um blogue.

Essa foi a principal razão do rápido desaparecimento desses blogues, alguns continham meia dúzia de posts e acabavam por esmorecer até ao seu desaparecimento. Em todo o caso, fui mantendo o NLivros, editando mais de 400 posts ao longo destes 6 anos, 284 opiniões de livros, postando de forma regular e mantendo-me fiel ao meu propósito inicial: transmitir as minhas percepções das obras que vou lendo.

Hoje em dia sou dos bloggers mais “antigos”. Não me vanglorio por isso, mas é curioso verificar o quanto a blogosfera evoluiu e ganhou importância e respeito junto das editoras, e o quanto, hoje em dia, é expectável evoluir, quiçá para um nível profissional. A ver vamos.

Um bem-haja a todos os que seguem e visitam o NLivros.

sábado, 23 de junho de 2012

D. Maria II, Tudo por Um Reino – Isabel Stilwell


Maria da Glória Joana Carlota Leopoldina da Cruz Francisca Xavier de Paula Isidora Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança, nasceu no Rio de Janeiro no dia 04 de Abril de 1819. Filha primogénita do Imperador D. Pedro I (D. Pedro IV de Portugal) e da Arquiduquesa D. Leopoldina da Áustria, Maria nasceu para ocupar um trono: Rainha de Portugal.

Cognominada de “A Educadora” ou “A Boa Mãe”, Maria foi uma criança meiga cuja educação fugiu ao padrões convencionais (entre a realeza) da altura. Sendo educada no Brasil, Maria cresceu em liberdade e com uma mentalidade que a tornou uma rainha diferente daquela que a tradição exigia. Em todo o caso, são as suas infantis observações da conturbada relação dos seus pais, que irão criar a sua forte personalidade. Rainha de Portugal aos 7 anos, Maria desde muito cedo  compreende do papel que lhe está destinado por Deus. Com a ajuda da sua amada mãe, que vem a falecer muito precocemente, e com aqueles que estão nomeadas para a educar, ela vai desenvolvendo uma sagacidade muito pouco comum, diria até, extraordinária, face à sua tenra idade. Embarcando para a Europa em 1828, com pouco mais de 9 anos, a rainha, que recorde-se é ainda uma criança, sabe que tem um longo caminho a percorrer até ser reconhecida como Rainha de Portugal.

O país, em 1828, envolve-se numa fratricida guerra civil entre os apoiantes de D. Miguel, tio de Maria que se havia proclamado rei absoluto de Portugal no dia 25 de Junho e os apoiantes de D. Maria, encabeçados pelo próprio imperador do Brasil. Começavam aí as Guerras Liberais entre D. Miguel e D. Pedro, que se prolongariam até 1834, ano em que Maria foi recolocada no trono e o seu tio ser exilado para a Alemanha.

Inicia-se aí o reinado de D. Maria II até ao ano de 1853, quando Maria, com apenas 34 anos, expira após longas treze horas de parto, deixando para trás 19 anos de reinado e 8 filhos, entre os quais o seu primogénito e futuro rei, D. Pedro V e D. Luis, rei após a morte do irmão e pai de D. Carlos.

Obviamente que tracei de uma forma muito simplista e directa, uma vida cheia e preenchida de uma mulher que, confesso, conhecia apenas pelo nome, mas que estava muito longe de conhecer a sua obra e, principalmente a sua personalidade.

E apaixonou-me o relato, uma vez mais, vivo, de  Isabel Stilwell.

Este é o terceiro romance histórico que leio de Stilwell. Li “Filipa de Lencastre” e “D. Amélia”, e , após a leitura deste, só posso desejar que Stilwell continue a sua saga pelas rainhas de Portugal, pois, para além de nos dar a conhecer a vida e obra dessas mulheres que muito contribuíram para a Nossa História, é um prazer ler as suas prosas, pois ela sabe escrever, envolvendo-nos, como por magia, na vida dessas personagens e daquelas que giravam em volta delas.

Obviamente que aqui as principais personagens são femininas. Em D. Maria II é possível percebermos a força mas também a desilusão que foi D. Pedro I do Brasil, D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha, o seu amado marido que erigiu o meu amado Palácio da Pena, e vários outros personagens masculinos que, existiram de facto, e que demonstraram e tiveram uma imensa influencia na conduta da rainha. Em todo o caso, são femininas as personagens que mais sobressaem na personalidade de D. Leopoldina: a amada mamãe, Lurdinhas, Rosa, a sua Florica, mana Xica, Leonor da Câmara, Marquesa de Aguiar e, principalmente, a poderosa rainha do império britânico, a Rainha D. Vitória, prima e amiga de D. Maria, que com ela terá uma imensa e intensa amizade, alicerçada em centenas de cartas entre ambas que são o pilar deste fabuloso romance histórico.


Ou seja, Stilwell faz um trabalho exemplar de pesquisa e investigação ao basear este romance nas cartas trocadas entre as primas. Nelas, vai traçando, não só o quotidiano das famílias britânicas e portuguesas (Maria e Vitória eram primas, assim como Fernando e Alberto primos eram), como também a situação política do país. E é através dessas missivas, que vamos seguindo o estado do país e a forma como Maria reinava.

Um romance extraordinário que nos permite conhecer uma época conturbada em toda a Europa e onde é possível perceber os ventos que já sopravam e que seriam os responsáveis pela queda de várias monarquias, entre elas a Portuguesa que se daria com o regicídio do neto de D. Maria II. Para além disso, e face aos documentos que a autora pesquisou, é possível conhecer a mentalidade da época e uma Lisboa muito diferente daquela que hoje em dia conhecemos, pese embora haja, e ainda bem, vários locais e monumentos que se mantêm, como, por exemplo, o Palácio das Necessidades, onde D. Maria II viveu, teve os seus filhos e faleceu. Local onde passo todos os dias e que tem actualmente outro significado para mim.

Uma leitura altamente aconselhável.


terça-feira, 19 de junho de 2012

Hora da Liberdade (A) – Joana Pontes, Rodrigo de Sousa e Castro, Aniceto Afonso


Emitido pela SIC em 1999, para comemorar os 25 anos da queda da ditadura, “A Hora da Liberdade” é um filme-documentário que retracta os diversos acontecimentos horas antes e após o golpe militar de 25 de Abril de 1974.

Por detrás deste filme, Joana Pontes efectuou dezenas de entrevistas aos envolvidos no golpe militar de forma a puderem recriar os acontecimentos de forma realista. Essas entrevistas foram registadas em fita e a transcrição dessas entrevistas que é composto a presente obra o que, a torna, um documento importante e valioso desse dia que repôs a democracia em Portugal.

E é pela voz dos próprios protagonistas que vemos como nasceu e desenvolveu os eventos que desencadearam na revolução dos cravos. Impressionante perceber o quanto aqueles homens arriscaram. Não apenas por si, como e principalmente pelas suas famílias caso o golpe militar falha-se.

Um documento único que me comoveu, pois passando Portugal presentemente por uma crise sem precedentes, quando se percebe que o país foi “vendido” aos interesses económicos por essa gentalha que se denominam políticos, é comovente perceber que o esforço dos homens que pensaram e agiram para fazer cair a ditadura, veio apenas dar lugar a uma cambada de pulhas que não respeitam a História do país, nem o esforço e memória de quem por ele combateu, desde sempre.

Em todo o caso é um documento que deve ser lido e analisado, pois, quiçá, pode estar aí a raiz da próxima revolução tão necessária.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Carl Sagan Vida e Obra – Keay Davidson


Como qualquer biografia, a presente tem como objectivo traçar a vida pessoal e profissional de um homem que foi um dos maiores cientistas de sempre e alguém que esteve por detrás, um visionário da Era Espacial.

Escrito três anos após a sua prematura morte, esta obra é extensa e analisa muitíssimo bem a vida profissional de Sagan.

Desde o seu nascimento em 1934 até à sua morte em 1996, o autor começa por narrar factos da vida dos pais de Sagan. Desde a sua ida para os Estados Unidos, até ao seu casamento. Sagan, desde muito cedo se interessa pelo espaço e logo com 5 anos questiona a mãe do que eram aquelas luzinhas no céu. É o início de uma mente brilhante, várias vezes controversa, arrogante mas genial, que elevou a Física e a Astronomia a patamares nunca dantes próximos quando os tornou palpáveis ao público com o seu mega sucesso Cosmos.

Pelo facto de eu ser da geração desse brilhante programa, empreendi a leitura atenta desta biografia correndo o risco de me desiludir com um cientista que mais me fascinou e que continua a viver no meu imaginário.

E dificilmente isso sucederia porque o autor foi muito inteligente na forma como construiu esta obra. Teve o cuidado de abordar a vida de Carl Sagan de uma forma muito delicada. Assentando o seu texto em entrevistas com as ex-mulheres, viúva, filhos e amigos, mostrou-nos um homem viciado no trabalho, com a consciência que o seu tempo na Terra seria muito curto para o que queria fazer o que, percebe-se, veio a influenciar negativamente a sua vida pessoal. Porém e isso é um ponto negativo que dou a esta obra, a vida pessoal de Sagan foi pouco aflorada e, depois de terminado o livro, enquanto fiquei com a visão clara da sua importância no campo da exploração espacial, essa visão ficou quase na mesma no aspecto da sua vida pessoal.

Em todo o caso, gostei de perceber da sua fixação em vida no universo que se preocupava em demonstrar a sua probabilidade. Um homem de contradições e paixões que sabia apimentar discussões e que não tinha qualquer problema em exprimir o seu ponto de vista. Muito eloquente e apaixonado desde criança por ficção cientifica, foi também um grande escritor, deixando-nos obras de cariz cientifica e filosófica que pretenderam atingir a consciência dos leitores para o incomensurável universo que nos rodeia.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Arte de Álvaro Costa na Sement'eira


Há dias, deambulando por Alfama no meio da fumarada da sardinha assada, coiratos e bifanas, ouvindo uma explosão musical de estilo brejeira, popular e fado, desviando-me de turistas curiosos e jovens com a sua litrosa na mão, eis que me deparo com uma lojinha que, confesso, desconhecia completamente e apenas um acaso ma fez descobrir.

Situada em pleno bairro de Alfama, a “Sement’eira” é um espaço cultural que passa completamente despercebido, sobretudo num ambiente de festa popular onde o nosso interesse está centrado num polo quase oposto ao da cultura. Em todo o caso, repito, o acaso me fez lá entrar e dei de caras com uma expressão artística que me fascinou e que quero aqui dar conhecimento, ou alertar para que seja visitada, ainda por mais quando o artista em questão é português.

A “Sement’eira” é um espaço aberto a todos os que fazem a sua arte sem pressas, com o seu tempo e sabedoria particular de forma autêntica. Ali, é possível adquirir doces, licores, vinhos, queijos, conservas e pinturas, esculturas, livros, etc. Um espaço onde há exposições de variadíssimas expressões artísticas, onde se pode beber um café e provar um dos licores, enfim, um espaço que me apaixonou.


E foi na “Sement’eira” que vi a exposição de Álvaro Costa. Depois de a apreciar, mais surpreendido fiquei ao constatar que o próprio artista se encontrava presente e dei início a uma conversa que levou o talentoso artífice a contar-me o início da sua arte, como a descobriu, como a efectua, onde já expôs e o tema e o sentido de cada um dos quadros expostos. Simplesmente fabuloso, Álvaro Costa descobriu a sua própria arte, uma nova forma de arte.

Fica aqui o endereço do site de Álvaro Costa: http://www.alcosta.pt.vu/ e aqui podem ler uma breve entrevista: alcosta.web44.net/entrevistas/Criador%20Arte.pdf

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Brisa do Oriente (A) (Vol. 2) – Paloma Sanchez-Garnica

Conforme referi na opinião do primeiro volume, aqui, A Brisa do Oriente” situa-nos em pleno séc. XIII, numa Europa Medieval extremamente violenta e onde os ventos da intolerância religiosa sopravam em todo o seu esplendor e a Inquisição varria quem se atravesse a questionar qualquer crença ou doutrina do catolicismo.
Este Volume 2 é simplesmente a continuação do volume anterior (no original esta obra é composta por um só volume e em formato de bolso), sendo que continuamos a acompanhar Umberto de Quéribus, agora já homem que se compromete com a sua consciência e parte em busca do sentido para a sua vida, à medida que nos vais descrevendo o seu quotidiano e uma época que tem tanto de fascinante como de aterradora.
Nesta segunda parte a autora foca-se mais na questão herética que abalou a Europa e que levou a uma cega e intolerante perseguição aos Cátaros e a todos aqueles que ousavam questionar algumas atitudes menos correctas por parte da igreja católica. E é brutal percebermos quantas injustiças e quão duro e horrendo seria a vida naquela altura, sempre sob o jugo da igreja que tudo podia, que tudo ordenava em prol de uma ideologia, de um fanatismo absurdo que colocou a Europa, durante centenas de anos, nas trevas. E a autora é exímia na reconstrução história da época.
Como era de esperar, assistimos a perseguições de pessoas que nada fizeram, excepto serem vistas como inimigas pelos poderosos que, usando do seu poder e influência, exerciam contra elas toda a violência de forma a eliminá-los. E isso é assustador porque sabemos que isso sucedeu mesmo. Devia ser horrível saber que se não nos vergássemos à vontade dos poderosos, que em nome de deus, abusavam da sua posição de forma a humilhar aqueles que lhes prestavam vassalagem, éramos acusados de heresia e, depois de um julgamento de fantochada, o destino seria a morte pelo fogo numa agonia que tinha espectadores ávidos e divertidos com a visão. Eram esses homens que se proclamavam os juízes de deus, os seus representantes, aqueles que tornaram a igreja católica na poderosa instituição que dominou a Europa durante centenas e centenas de anos.
E é cativante a forma como a autora interliga esses terríveis acontecimentos com a vida de Umberto. Intensa a sua escrita, levando-nos a sentir a época. Os personagens são trabalhados de forma a que nos relacionemos de uma forma, diria, fraternal, ou seja, a maioria dos personagens são-nos apresentados e com eles construímos uma espécie de amizade, mesmo aqueles que são os vilões, não deixamos de nutrir por eles uma amizade que nos permite quase participar na acção e vê-los como seres reais.
Em todo o caso esta obra não é perfeita.
Pese embora a autora consiga construir todo um argumento onde a veracidade Histórica está bem misturada com a ficção, a meu ver, a autora força várias situações, tornando o desfecho algo previsível quando tinha muito espaço, que ela própria construiu, para avançar por outros caminhos. Embora ela esclareça os casos que havia deixado pendentes, há situações também um pouco atabalhoadas que chegam a ser incoerentes e que me levaram a considerar menos esta obra como tinha considerado aquando da leitura do volume 1º.
No entanto essas considerações não chegam para não o avaliar como um excelente romance histórico, cheio de situações verdadeiramente empolgantes e onde a autora nos situa, de uma forma brilhante, numa época negra mas que admiro, envolvendo-nos em todo o trama de uma forma muito intensa.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Viagens de Gulliver (As) – Jonathan Swift


Há clássicos que são tidos como literatura juvenil mas que estão muito longe de o ser, aliás, é-me difícil perceber quem são os iluminados que rotulam certas obras sem considerarem a época e o contexto da sua criação.
As Viagens de Gulliver é mais um destes casos. Considerada como literatura juvenil, é vista por muitos leitores como literatura menor, onde alguém narra as aventuras de um aventureiro que se vai deparando com mundos fantásticos e cheios de impossíveis num século muito longínquo.
Muito longe da verdade está quem assim julga, pois estamos perante uma narrativa que analisa a sociedade inglesa do séc. XVII, sobretudo a vida social e política, de uma forma mordaz e altamente critica.
Publicado em 1726, o livro descreve as supostas verdadeiras e fantásticas viagens de Lemwel Gulliver, o narrador-protagonista, a várias ilhas que o ser humano desconhecia e que tem em Gulliver o seu primeiro visitante. Após um naufrágio tão comum na época, Gulliver alcança uma praia desconhecida. Quando acorda deparara-se com dezenas de criaturas minúsculas. Acaba de chegar a Lilliput onde conhece uma sociedade composta por pessoas que não ultrapassam os 15 cm, em constante conflito por futilidades, nessa ilha ele é um gigante. Depois, aporta em Brobdingnag, onde sucede precisamente o contrário. Ali o povo é composto por gigantes, sendo Gulliver um ser minúsculo. Posteriormente o terceiro cenário torna-se a Ilha flutuante de Laputa onde se depara com habitantes que se entretêm com conspirações enquanto a sua sociedade se dirige alegremente para o abismo e, no último cenário, ele conhece os Houyhnhnms, cavalos falantes que dirigem o seu país, enquanto, no lado oposto há os Yahoos, seres semelhantes aos humanos mas com inteligência de animais… irracionais.
Por aqui se pode ver que é estúpido considerar esta obra como literatura juvenil, pois basta atentar à actividade profissional de Swift (secretário de relações públicas), e à natureza do próprio autor (sabe-se que ele odiava crianças e considerava a estupidez humana como o causador de todos os males sociais),para rapidamente compreendemos que havia mais substância e intenção do que aquela que é tida, pois vejamos:
Nesta obra o protagonista visita quatro sociedades completamente distintas. Nelas, é possível perceber analogias comportamentais dos seres humanos. A sociedade corrupta, fútil, cheia de vícios e más atitudes, é aqui expressa de uma forma satírica mas, diria, directa e clara. Swift consegue criar expectativa no leitor nas viagens que vai imaginando, critica ferozmente a estrutura social e política e os vícios, as hipocrisias e os podres que lhe são inerentes, diria, até aos nossos dias (e no futuro também). Mas vai mais longe, a própria religião é censurada na sua falsa virtude, assim como, e isso é claro, ridiculiza vários personagens conhecidos na época que, actualmente, confesso ser muito difícil identificar. Mas a análise contínua imparável, a exploração dos mais ricos aos pobres, vivendo estes miseravelmente enquanto os ricos se banqueteiam e ostentam sem qualquer tipo de pejo, o abandono dos idosos, toda a irracionalidade da raça humana.
Não sendo uma obra de leitura muito fácil, dada a análise cuidada que é necessário ser efectuada, percebe-se que o objectivo de Swift era claramente o de criticar todas as franjas da sociedade, os vícios da corte e do regime que permitiam tanta desigualdade. O autor expressa o seu desânimo e decepção face à situação social e política e também face à natureza pérfida do ser humano, e isso não passou despercebido na altura, provocando incómodo e alguns debates em torno desta excelente obra.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Pecado e a Honra – Maria João da Câmara

Há livros que nos transportam para outras épocas de tal forma que damos connosco a pensar nas personagens e nos acontecimentos como se fossem algo palpável, real, tal a forma como o livro está escrito e sobretudo como o autor(a) nos consegue situar e tornar a época descrita como se fosse a actual, como se, de facto, a vivêssemos.
Este “Pecado e a Honra”, primeiro romance histórico de Maria João da Câmara, é um livro belíssimo que nos transporta para a época de ouro de Portugal e nos permite viver, sentir, cheirar e tocar uma era em que Portugal foi a maior potência do Mundo, onde a riqueza e a opulência eram comuns, onde Portugal era gerido e pensado, a bem de um povo, de uma nação, de um império.
Pese embora o romance se inicie ainda no reinado de D. João II e se estenda pelos reinados de D. Manuel I, D. João III e D. Sebastião, ou seja, nos melhores dos reis e no seu pior, o que aqui sobressai é a saga familiar que a autora constrói ao longo de 100 anos. Iniciada ainda na juventude do duque de Viseu, futuro rei D. Manuel, a autora oferece-nos um fresco histórico admirável, que nos narra o modo de viver e mentalidade medieval à medida que o país vai crescendo e descobrindo novos territórios.
Não se julgue porém que o romance assenta nessa vertente. De facto temos como pano de fundo a corte e os acontecimentos que vão moldando a História. No entanto o trabalho da autora assenta numa família e no seu quotidiano que, obviamente, se liga aos reis e às intrigas e políticas. Assistimos ao crescimento dessa família, com as suas alegrias e tristezas, mas, acima disso, vamos descobrindo o íntimo de uma nação que se abria ao mundo com as suas virtudes e defeitos.
Para além das imensas particularidades sociais e culturais que a autora nos vai narrando, vamos também percebendo o porquê de certas atitudes que tiveram impacto politico e que ainda hoje são a razão, a raiz de muito do que somos e de como agimos. Por outro lado, quero aqui sublinhar e saudar o estilo narrativo e a própria estrutura do texto. Primeiro, a autora escreve todo um romance utilizando uma linguagem semelhante à falada naquela altura, o que, por si só, dá uma enorme beleza ao texto e ajuda imenso na credibilidade e na localização. Depois, é objectiva, não se perdendo em grandes rodeios e descrições, intervala com capítulos relativamente curtos que não nos deixa perder o fio à meada.
Em suma, uma obra brilhante que me deu enorme prazer ler, em que aprendi imenso e que me transportou para uma época brilhante da nossa História, fazendo-me sentir em casa e entre amigos. O melhor que posso dizer é que, depois de terminado, senti um vazio, um sentimento de perda pelos amigos que deixei naquelas páginas.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Feira do Livro de Lisboa 2012


Mais uma Feira do Livro de Lisboa chega ao fim e, conforme tem sido habitué desde há vários anos, a principal ilacção que tiro é: Mais uma moedinha, mais uma voltinha!
Tenho ido à feira desde sempre que me lembro ser gente. Pelas minhas contas, esta foi a minha 28ª feira do livro e há muitos anos que não a vejo como o sítio para adquirir livros ao melhor preço, mas sim um local onde se pode encontrar algumas oportunidades interessantes, por isso é que são os alfarrabistas o meu local de maior interesse.
Este ano, uma vez mais dois grupos editoriais sobressaíram. Muito show off e pouco sumo resultaram num amontoado de choças com n de colaboradores sorridentes e vigilantes, pese embora as habituais portadas sonoras dos alarmes guardadas por seguranças privados. Esses grupos, serviram-me apenas como ponto de passagem, pois o meu interesse por esse show é nulo e nem os concertos de jazz me fizeram lá estar por muito tempo. É impressionante a forma hostil como esses grupos tratam as restantes editoras. Ali, quais todos poderosos representando a alta burguesia, enquanto a ralé se encontra à parte, parecendo até ser uma feira independente (e é).
No entanto, confesso que este ano bati o recorde de idas no mesmo ano. Fui em cinco ocasiões (a primeira logo no primeiro dia), quatro delas à noite. Muitíssimo mais agradável e sossegado à noite. Está bem que não temos as vedetas autografadoras e sorridentes, mas, em compensação, o clima é mais ameno, anda-se melhor e, mais importante, temos tempo e espaço para folhear os livros e até conversar com alguns colaboradores sobre livros e não só.
Mas foi no espaço alfarrabista que encontrei os livros que acabei por comprar. Antes, um pequeno à parte para a concertação que este ano houve entre eles. À descarada, todos tinham os mesmos livros e, praticamente, ao mesmo preço. Coincidência não foi com certeza. Em todo o caso acabei por adquirir as “Aventuras do senhor Pickwick” de Charles Dickens (edição de 1962), a “Ratazana” de Gunter Grass, “A Ilha Debaixo do Mar” de Isabel Allende e a trilogia “A Árvore do Céu” de Edith Pargeter (neste caso na própria editora e a um preço de facto excepcional).
De resto, andar para cima e para baixo acompanhado por farturas, ginjas de Óbidos e gelados. Enfim, percebo que se trata da festa do livro e eu próprio comungo do entusiamo que esta feira cria em todos aqueles que amam os livros, mas já não me deixo levar pelo show off das editoras nem pelos supostas mega promoções que a Hora H tanto apregoa, pois e este ano vi muitos livros em promoção na Hora H que estavam mais caros que em algumas livrarias e nos alfarrabistas.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A Brisa Oriente (A) – Paloma Sanchez-Garnica

Dividido em dois volumes, o contexto de ”A Brisa do Oriente” situa-nos em 1204 na altura precisa em que a Quarta Cruzada toma e saqueia Constantinopla aos muçulmanos. Nessa cruzada, vai Umberto de Quéribus, jovem monge de Cister que acompanha o seu abade na suposta envangelização dessa cidade infiel.

A descrição dessa invasão é impressionante pela crueldade. A cidade é saqueada durante 3 dias. A matança é perturbadora, assim como as violações que sucedem em qualquer lado e sem qualquer tipo de pejo. Matam e destroem monumentos, estátuas e mosaicos antiquíssimos, enquanto pilham tesouros e relíquias de uma forma insaciável sem qualquer tipo de respeito pela suposta filosofia que antecede o apelo dessa Cruzada em 1198, tornando-se numa vergonha para os cristãos. Nunca mais esta fabulosa cidade da Antiguidade se conseguiu recompor.

Umberto vê-se no meio dessa loucura e fica extremamente desiludido pela acção dos cristãos e, principalmente, pela crueldade e ganância do seu Abade que ele considerava imaculado. Nasce aí uma nova percepção do mundo que o rodeia.

Antes de mais, quero exprimir o meu fascínio pela escrita de Paloma Sanchez-Garnica. Li o seu primeiro, e penso que até agora único livro “A Alma das Pedras” e fiquei encantado pela forma viva como a autora conseguiu construir a época e neste livro repete a dose.

Pese embora esteja a gostar imenso do percurso de Umberto, confesso que é a época que a autora consegue criar que me cativa. Uma época marcada pela violência, ausência de valores éticos e morais, onde as pessoas pertenciam aos seus senhores que tinham sobre elas o poder da vida e da morte e onde o clero subjugava e ameaçava tudo e todos. A autora desenha-nos um quotidiano muito intenso, ao ponto de quase sentirmos os sons e os cheiros. É exímia na descrição dos factos. Sem ser muito minuciosa e descritiva (o suficiente), relaciona os acontecimentos de uma forma diria natural, sem qualquer elemento forçado e isso foi algo que notei uma clara evolução, pois enquanto no seu anterior romance achei a história ou elementos da história um pouco forçados, aqui isso diminui imenso e há apenas alguns casos que carecem de alguma justificação ou, se quiserem, de melhor explicação.

No entanto este é o primeiro volume de dois e aguardo ansiosamente o segundo de forma a saber o que será feito de Umberto e se o mesmo atingirá os seus objectivos

Um livro excelente que me deu imenso prazer ler e que me fez sentir presente numa época que muito admiro, algo que raramente acontece nos muitos romances históricos que li.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

O valor dos Blogues

Isto foi um dos assuntos abordados na tertúlia do passado dia 19 de Abril e que despoletou uma discussão muito interessante com diversos pontos de vista.
Pessoalmente considero que as editoras ainda não se aperceberam do imenso poder dos blogues na promoção e divulgação dos livros. Continuam agarradas a velhos conceitos, entretidas a bajular críticos literários ou entertainments televisivos.
Contudo, a blogosfera pode ser um local muito interessante para os seus interesses, todas elas não possuem indicadores nem se preocupam em medir o impacto dos blogues, satisfazendo-se com as meras e repetitivas divulgações das novidades e passatempos. Basta navegarmos uns momentos pelos muitos blogues que existem, alguns deles nascidos com pretensões claras, para que percebamos não existir critérios em relação às parcerias, pois é facilmente constatável a fraca qualidade da maioria dos blogues literários que se entretêm em serem uns meros veículos de publicidade editorial em troca de livros de borla.
A meu ver, a grande mais valia que os blogues podem oferecer às editoras são as suas opiniões sinceras e despretensiosas, despidas de obrigações facciosas. Mas notem que refiro opiniões e não sinopses melhoradas ou maquilhadas como tanto por aí pulula. Dessa forma a editora poderá medir o possível impacto natural daquela(s) obra(s) e o consequente promoção do(s) autor(s), pois é aí que reside a força e o interesse do blogue a par da interacção dos próprios bloggers.
Ora bem, foi precisamente de encontro a este pensamento que a Paula, do blogue Viajar pela Leitura, me alertou para um post que achei muito interessante e que dou aqui conhecimento de forma a pensarem no valor que têm em mãos.

sábado, 28 de abril de 2012

Resultados do Passatempo “O Circo de Sonhos”

O Blog NLivros e a Civilização Editora agradecessem a todos os participantes do passatempo “O Circo de Sonhos”, que decorreu do dia 13 de Abril até as 23:59 do dia 27 de Abril.

A Vencedora é:
36 – Paula Teixeira - Açores

Parabéns à vencedora e continuação de boas leituras.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Passatempo "O Circo de Sonhos" - Falta 1 dia

Termina amanhã o passatempo "O Circo dos Sonhos" de Erin Morgenstern que promete ser o próximo sucesso no género fantástico.

Não percam a hipótese de participarem e, dessa forma, habilitarem-se a receber o exemplar que o Blog NLivros e a Civilização Editora têm para oferecer.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Homem Corvo (O) – David Soares


Era uma vez uma menina que chorava porque perdera o peixe caprichoso que era o seu melhor amigo. Eis que o Homem Corvo lhe entra pela janela e lhe propõe: “Eu dou-te um peixinho, se tu me deres um coração”. A menina, sabendo que o coração era vermelho vai à cozinha e traz-lhe um objecto vermelho, uma maçã. O corvo, feliz e contente, engana a menina, dando-lhe um peixinho de plástico… Chico esperto!

Uma história muito curta, bem ao estilo de David Soares, sombria e misteriosa que se acentua mais nas páginas negras bem decoradas pelos desenhos fantásticos de Ana Bossa. Aliás, se fôssemos considerar o livro apenas pelo seu aspecto gráfico tridimensional, seria algo que descreveria como arte, pois os cenários criados por Ana Bossa, a luz e a delicadeza das figuras, transportam-nos para um cenário misterioso que reforçam ou, se quiserem, dão mais força à metáfora de David Soares.

Esta história e tão somente uma metáfora sobre a amizade.

Um Homem Corvo, que há por aí aos pontapés,  engana em proveito próprio o ingénuo, o inocente que cai na cantiga do bandido e dá algo em troca de nada. No entanto esse Homem Corvo ainda questiona: “Mas porque é que não gostam de mim?”. Sem sequer reparar que para ter uma amizade verdadeira, há que conquistar.

No final, eis que o feitiço se vira contra o feiticeiro e o Homem Corvo tem o retorno daquilo que semeou.

Conforme referi, este pequeno livro, tipo banda desenhada, é um álbum que encerra uma metáfora sobre a necessidade de se semear as verdadeiras amizades e não fazer favores para ter amigos. Simples e chocante como o Homem Corvo acaba, como podemos acabar qualquer um de nós se nos comportamos como o Homem Corvo que, diga-se, é apenas a imagem actual da nossa sociedade.