Este é, para muitos, o melhor romance de José Saramago. O próprio Saramago admite que tem um carinho muito especial por ele e é um dos que mais trabalho lhe deu a nível da pesquisa histórica.
Para mim e embora seja um romance excepcional, não está ao nível do "Memorial do Convento", do "Evangelho Segundo Jesus Cristo" ou do "Ensaio sobre a Cegueira" e simplesmente porque em "O Ano da Morte de Ricardo Reis", Saramago não atinge o brilhantismo da ironia ou da hilaridade que atingiu em o "Evangelho", não atinge a genialidade do épico "Memorial" e também não atinge a corrosiva crítica social que consegue em "O Ensaio sobre a Cegueira".
Porém e sendo ou podendo ser considerado um romance histórico, Saramago conta-nos uma estória passada em Lisboa no ano de 1936 e em que o principal personagem é Ricardo Reis, um dos heterónimos de Fernado Pessoa.
Regressado do Brasil onde se havia refugiado por motivos políticos, Ricardo Reis desembarca em Lisboa em Dezembro de 1935. Instala-se então no famoso Hotel Bragança, alugando posteriormente um apartamento. Penso que ainda seja no Hotel (já li o livro à uns 3 anos) que e numa noite fria e chuvosa, dá de caras com o fantasma de Fernando Pessoa, fantasma que lhe irá fazer visitas regulares até à sua derradeira hora de vida.
Em "O Ano da Morte de Ricardo Reis", Saramago utiliza vários elementos da atmosfera do "Livro do Desassossego", misturando-os com informações concretas e reais: As ruas, os restaurantes ou as casas de pasto, o café Royal que ficava ao pé do Hotel Bragança e que hoje, salvo erro, é um Banco.
No entanto e embora acompanhemos todo o percurso de Ricardo Reis, o verdadeiro protagonista da estória é o próprio ano de 1936. Um ano onde ocorrem importantes acontecimentos: A guerra civil espanhola, a ascensão do nazismo, a consolidação do fascismo em Portugal, a vitória da Frente Popular em França, o desenlace da guerra na Etiópia. Todos esses acontecimentos dividem Ricardo Reis e até aí Saramago mostra-se atento, pois sabe-se que Fernando Pessoa era anticomunista e percebe-se que Ricardo Reis também o é.
Em suma: através de uma já conhecida capacidade de efabulação, Saramago transporta-nos a uma Lisboa sombria, prendendo-nos à personagem e levando-nos a assistir a espantosas e curiosas conversas entre Fernando Pessoa e Ricardo Reis ou, se quiserem, entre Fernando Pessoa e ele próprio.
Um livro onde se nota, uma vez mais, uma clara intenção de Saramago em, através de metáforas, falar da nossa sociedade e dos problemas a ela inerentes.
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