domingo, 20 de janeiro de 2008

Amor em Tempos de Cólera - Gabriel Garcia Marquez

Florentino Ariza apaixona-se pela jovem Fermina Daza de uma forma tão intensa e pura que, segundo ele, é mesmo amor o que sente. Começa então a escrever-lhe bilhetes, utilizando a velha tia de Fermina como intermediária do jovem casal.
Declaram então um amor eterno, no entanto o pai de Fermina não vê com bons olhos esse relacionamento, pois Florentino não tem estatuto social e ele pretende que a jovem se case com alguém de “boas famílias” e não com um pé rapado sem futuro.
Fermina é então obrigada a partir com o pai numa longa viagem, no entanto, em vez de o amor desaparecer, apenas se torna mais intenso e, num belo dia após o regresso de Fermina, sem ela própria saber porquê, Fermina sente que esse amor desapareceu, assim, simplesmente desapareceu.
No entanto Florentino não se rende...
Das várias opiniões que li sobre esta obra, em todas ela se referia que esta história é uma bela história de amor.
Em parte concordo, pois realmente é uma bela e terna história de amor, porém, penso que é uma forma muito simplista de classificar e resumir esta obra.
Gabriel Garcia Marquez é indubitavelmente um dos grandes escritores de sempre. Ao contrário do que dizia José Luis Borges ”Marquez não trouxe nada de novo à literatura”, tenho a certeza que efectivamente Marquez trouxe muito de novo à literatura.
Marquez inventa, ou se quisermos, é um dos percursores e o seu mais fiel escritor do género “realismo fantástico”, género esse que não é o meu estilo mas que e depois de ter lido o “Viver para contá-la”, aprendi a respeitar e a apreciar.
Depois Garcia Marquez tem a excepcional capacidade de misturar as realidades com sonhos, crenças e rituais, tornando assim os seus romances em histórias onde a realidade e a ficção se misturam de uma forma onde nós não sabemos onde começa uma e acaba a outra, tal o universo cheio de fábulas, mitos e magia, completamente um universo onírico.
Pura e simplesmente o que Marquez faz é o de dar ao leitor um mundo, um universo que numa primeira análise é em tudo semelhante ao nosso para, e aos poucos, ir inserindo histórias fantásticas, mitos e fábulas do folclore colombiano, histórias estranhas da sua própria família, dos seus amigos e metáforas, principalmente metáforas políticas.
Dizia Garcia Marquez em “Viver para contá-la” :”estranho era não acontecer nada de estranho no local da minha infância”, por isso e de acordo com a própria vivência do escritor, imaginem o que salta para os seus romances.
Em “Amor em tempos de cólera”, Marquez não foge ao universo acima descrito.
A história tem um espaço temporal de cerca de 60 anos. Inicia-se algumas décadas antes do fim do séc. XIX e finda nas primeiras décadas do séc. XX.
Aqui Marquez não aborda questões políticas. Em toda a obra é apenas referido, e muito superficialmente, as guerras que devastaram a região das Caraíbas no período descrito.
Descreve também um surto de cólera que efectivamente existiu, mas ele usa esse surto para jogar com as personagens, criando cenários fantásticos numa grande metáfora sobre a vida humana.
Neste romance ele personifica a paixão, o amor humano em toda a sua pureza. Mas não só. N
este romance Marquez efectua uma homenagem à mulher, ser que guarda em si a eternidade da vida e a alegria, paz e harmonia do homem. Fermina Daza representa esse ideal. Uma mulher que é amada toda a vida, que é vista e tida como uma Deusa, como uma esplendorosa luz que ilumina a alma de Florentino, que lhe dá alento.
Florentino nunca deixa de amar aquela mulher. Um amor que extravasa o físico, a matéria.
No decurso da sua vida, Florentino entrega-se a várias mulheres (até o episódio da forma como Florentino perde a virgindade, e acreditem que no caso perde mesmo, é extremamente simbólico), relações sem futuro porque o seu coração estava entregue, aprisionado. As suas entregas são uma forma de prostituição, pois e consoante ele defendia: ”Pode-se estar apaixonado por várias pessoas ao mesmo tempo, e por todas com a mesma dor, sem atraiçoar nenhuma”.
A estrutura do romance não segue uma cronologia linear.
Marquez joga com as memórias dos personagens. Flash-back’s constantes compõem a obra, sempre num ritmo pausado, calmo, como deve ser vivido o amor. Um romance cheio de imagens mentais.
Gostei muito do romance fundamentalmente por causa da escrita de Marquez. Ele encanta. A forma como escreve é musical, poética e inimitável. Dá realmente um enorme prazer ler este livro, pois as palavras fluem compondo um texto narrativo a roçar o poético.
A simbologia que emprega é muito forte, agarrando-nos e dando-nos quase a possibilidade de vivermos aquelas vidas, pois ficamos com a sensação que todo aquele amor, é, ao fim e ao cabo, um pouco da nossa pretensão, do nosso próprio ideal romântico.
Um livro vivo e que nos faz viver um amor eterno.

11 comentários:

azuki disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
azuki disse...

Gabriel Garcia Marquez será o representante maior do (não pacificamente) denominado "realismo mágico" e “Amor em Tempos de Cólera” é, das suas obras, a minha preferida.

A literatura latino-americana é muito dura, muito sofrida mas, ao mesmo tempo, muito bela. Há um colorido e uma leveza especiais na forma como estes escritores falam da crueza da realidade de uma América Latina onde se entrelaçam a vida moderna com a antiguidade, as tradições, as crenças, os sonhos e os rituais. Aos nossos olhos de ocidentais, essa extraordinária fusão entre o racional e o irracional, o sofisticado e o primitivo, o urbano e o rural, só poderá pertencer ao domínio do fantástico. O real impregnado de magia, “the way my grandmother used to tell stories”, revela-nos Garcia Marquez...

NLivros disse...

Viva Azuki.

Sim, concordo com essa observação.

No entanto não posso dizer que Garcia Marquez faça parte do "meu" lote de escritores preferidos, sobretudo, e admito, porque não sou um grande apreciador do "realismo mágico" ou "fantástico".

Concordo também com o teu segundo parágrafo e aqui deixa-me referir dois escritores que admiro imenso: Luis Sepulveda e o cubano Pedro Juan Gutiérrez. Para além de serem exímios na arte da escrita, são duros, directos e Pedro Juan chega a ser brutal e monstruoso como nos "pinta" a verdadeira realidade cubana.

Cump.
Nuno

azuki disse...

olá, Nuno

eu gosto imenso do "realismo mágico" (admito até que o meu género -feminino- tenha alguma responsabilidade nessa predilecção), mas concordo que a literatura latino-americana é infinitamente mais do que Garcia Marquez e seus congéneres

nunca li nada de nenhum... como sou apaixonada por Cuba, vou escrever o nome do segundo na minha lista de compras ;)

NLivros disse...

Desafio-te a leres Pedro Juan.

A pura realidade cubana. Nua e crua como um cubano a vê.

Basta ver que os livros dele são proibidos em Cuba.

Alexandre Kovacs disse...

Recomendo os excelentes autores latino-americanos: Jorge Luis Borges (Argentina), Ernesto Sabato (Argentina), Juan Carlos Onetti (Uruguai), Rubem Fonseca (Brasil).

Nem todos os autores latino-americanos se limitam ao universo do "realismo mágico", muitos conseguiram encontrar novos conceitos e formas de expressão.

azuki disse...

Permito-me acrescentar um nome à lista (afinal, haveria tantos a assinalar…), mais um argentino, conterrâneo de Borges, Cortázar, Sábato, Juan José Saer,….: Federico Andahazi, mestre da chamada literatura gótica. Um escritor polémico, para ler sem preconceitos, que utiliza os factos históricos como ponto de partida para a ficção, deformando-os e encarnando-os em personagens tortuosas. Nas suas obras, o presente é visto através do passado, mas numa perspectiva intemporal, que discorre sobre as condições em que se processa a vida na actualidade. Uma ficção ousada, diferente, sensual, obscura, provocadora, sombria. Leiam e deixem-se surpreender. Escandalizem-se. Vão ver que vale a pena.

"Mateo Colon —es hora de decirlo— descubrió aquello con lo que, alguna vez, todo hombre soñó: la mágica llave que abre el corazón de las mujeres, el secreto que gobierna la misteriosa voluntad del amor femenino. Aquello que, desde el comienzo de la Historia buscaron brujos y hechiceras, chamanes y alquimistas —mediante la infusión de toda clase de hierbas o el favor de dioses o demonios— , en fin, aquello que siempre anheló todo hombre enamorado, herido por el desamor del objeto de sus desvelos y su desdicha. Y, por cierto, aquello con lo que soñaron monarcas y gobernantes, por la sola ambición de omnipotencia: el instrumento que sojuzgara la volátil voluntad femenina. Mateo Colón buscó, peregrinó y, finalmente, halló su "dulce tierra" anhelada: "el órgano que gobierna el amor en las mujeres".(…) Lo que sigue es la historia de un descubrimiento. Lo que sigue es la crónica de una tragedia." (“O Anatomista”, Federico Andahazi)

NLivros disse...

Eu aprecio imenso a literatura latino-americana. Dos escritores que tenho lido acaba sempre por transpirar um clima quente, doce, com ritmo.

Federico Andahazi não conhecia e, após uma breve análise na net, quer-me parecer que é dono de um estilo que está "dentro" daqueles que mais admiro (até porque admiro imenso os autores polémicos). Fica marcado para uma próxima leitura.

Alexandre Kovacs disse...

Amigos, tenho que confessar que até participar deste debate não tinha conhecimento do autor Federico Andahazi. Obrigado pela informação!

azuki disse...

:)

NLivros disse...

Penso que é a principal mais valia neste tipo de debates ou foruns.
Para além da troca de experiências e sensações, há sempre a descoberta de outros autores. Eu já descobri uns tantos desta forma.
;D