domingo, 20 de janeiro de 2008

Eurico, o Presbítero - Alexandre Herculano

Apreciador de romances históricos, não podia deixar de efectuar uma homenagem pessoal ao iniciador do romance histórico em Portugal que, seguindo o modelo de Wlater Scott, fez reviver velhas tradições medievais, reconstruindo toda uma sociedade onde gentis cavaleiros tentavam conquistar imponentes castelos: Alexandre Herculano.
Alexandre Herculano foi um dos mentores do movimento romântico, logo, a sua obra reflecte as tendências do romantismo. Historiador e escritor, Herculano que, diga-se de passagem, foi durante muitos anos responsável pela Torre do Tombo, tendo assim acesso de uma forma privilegiada a documentos históricos, mas Alexandre Herculano estendeu a sua capacidade de escrita por diversos géneros literários: Poesia, Romance e História. Dono de uma visão apurada sobre a realidade do país, nos seus romances procurou sempre relacionar a História com a ficção, no entanto procurou inserir essa ficção dentro da História para que, assim, essa ficção, fundamentalmente ao nível dos diálogos, não destruísse a História. Ou seja, Herculano foi o primeiro a entender o quão importante seria o romance histórico para a divulgação e conhecimento da História.
Mas Alexandre Herculano como historiador foi deveras importante para a sociedade da altura. Penso que para o caso não vale a pena aqui aprofundar a questão. Não só porque nos levaria para campos políticos e filosóficos que influenciaram os seus contemporâneos, como também abordar a sua importância enquanto historiador, seria afastarmo-nos do meu propósito, no entanto e apenas para complementar, Alexandre Herculano teve um papel vital na visão da História em Portugal e foi um dos grandes escritores portugueses de todos os tempos e um homem que teve um contributo decisivo na cultura portuguesa.
"Eurico, o Presbítero" é um romance grandioso, uma verdadeira Odisseia.
Li, algures, que podemos compara "Eurico, o Presbítero", enquanto obra grandiosa, a "Odisseia" de Homero. Pessoalmente concordo. Não tenho mesmo problemas nenhuns em considerar "Eurico" uma obra no mesmo patamar da "Odisseia" ou dos "Lusíadas", enquanto obra de capital importância para a nossa cultura e identidade lusa.
Eurico, nobre mas sem grandes bens, enamora-se por Hermengarda, filha de um importante e influente nobre. No entanto e dada a sua baixa condição social, os apaixonados são impedidos de casar, forçando assim Eurico a escolher uma vida de celibato, tomando os juramentos de monge e fechando-se num mosteiro.
A primeira fase do romance é belíssima. Eurico vagueia triste e pensativo. Os seus pensamentos são em prosa poética e revelam uma visão do mundo que vai de encontro às próprias teses de Herculano. Eurico elabora nesta fase uma profunda reflexão sobre os problemas que afligem o Homem.
Ainda no mosteiro, Eurico vem a saber das invasões árabes e da fuga das hostes cristãs. Nessa desordenada fuga, Hermengarda acaba por ser raptada pelos mouros.
Quando está prestes a ser desonrada pelo comandante dos exércitos mouros, Hermengarda é espectacularmente salva por um cavaleiro negro que, lutando como um louco, consegue desbaratar todo o exército muçulmano. Para espanto de Hermengarda, o cavaleiro negro identifica-se e é com espanto que vê surgir na sua frente o próprio Eurico, seu antigo noivo. Porém mais está para acontecer, os mouros não desistem...
Alexandre Herculano situa a acção na época das primeiras invasões árabes (sec. IX, salvo erro). Portugal ainda não existia, o qeu existia era um povo que ocupava esta nossa faixa de território da Península Ibérica: os Visigodos.
Assim, Herculano descreve uma época problemática e perigosa a vários níveis: a influência da cultura romana era praticamente nula, os visigodos procuravam na crença do deus único um sentido, enquanto que em contraponto, surgia fulgurante, uma outra civilização com outras crenças religiosas. A própria tragédia de Eurico é um sinal desse confronto de crenças, por um lado exige-se o celibato, por outro, os seus pensamentos deixam antever outras ideias. A derrocada do "império" Godo está também presente, quase como a antevisão do surgimento de um outro povo. O tom grandioso da obra deixa antever futuros acontecimentos que irão mudar a face do território e a sua História.
É engraçado que neste romance Herculano dá bastante ênfase ao conflito amoroso. E é neste fase que se dá aqueles pensamentos poéticos que tornam a obra belíssima. Digo engraçado porque o próprio Herculano afirmava ser essa a fase aquela com que ele maiss e identificava, sendo aí que ele expôs o fulcro do seu pensamento. Ora bem, sabe-se que na juventude Herculano também havia sacrificado uma paixão à sua vocação de escritor. Logo, Eurico ao preferir o celibato ao amor, personifica a sublimação de um ideal, o sacrifício do amor a esse ideal. É interessante!
Em suma, uma obra cuja opinião é muito difícil, sobretudo porque tenho a percepção que toda a obra deve ser analisada (não é por acaso que existe os "Apontamentos" da Europa-América), pois toda ela tem uma série de técnicas literárias, intenções políticas, estruturas díspares, críticas sociais e morais, pensamentos que advêm de várias correntes filosóficas e inclusivamente pretensões de inquirir o papel da religião.
Quanto a mim é uma obra muito profunda que, e a custo (custou-me também constatar que ainda ninguém havia opinado sobre a obra) elaborei esta opinião, mas reconheço que está muito incompleta. No entanto e por muito que goste de efectuar análises aos livros que leio, neste caso não consigo melhor e mesmo assim, só à custa de vários apontamentos que fui escrevendo ao longo de várias semanas.
Uma obra portentosa, importantíssima para a nossa cultura.

1 comentário:

Dulce disse...

Olá
Reprovei numa oral de português por causa deste livro.
Passado 30 anos ainda não o consegui ler. Nas férias passadas acompanhou-me mas não li, quem sabe este ano.
Bjs