terça-feira, 25 de março de 2008

Amante de Lady Chatterley (O) - D. H. Lawrence

Quero desde já adiantar que esta opinião irá abordar esta obra numa vertente que visa essencialmente a análise entre a obra, a época em que foi escrita e, sobretudo, as reais intenções do autor. Logo, uma opinião nua e crua, a mesma forma que Lawrence utilizou para descrever as relações sexuais entre Connie Chatterley e Oliver Mellors.

David Herbet Lawrence, nasceu em Eastwood, Inglaterra, no ano de 1885.

Sabe-se que o seu amor pelo erotismo se revelou bem cedo, vindo então a escrever pequenos textos onde o amor e o sexo eram descritos como uma força da natureza, uma expressão natural do sentimento humano. Para Lawrence, as mulheres eram a força motriz da natureza, as mães e esposas de todos os homens e os seres que carregavam no ventre o vaso da semente masculina. A sua importância para os homens vai para além do que a sociedade de Lawrence defendia, ele achava que a existência da mulher era decisiva para a sobrevivência dos homens, eram o bálsamo que alimentavam a existência dos homens. Em suma, Lawrence amava as mulheres.

Mas toda esta obsessão que, a julgar pela sua vida, deverá ter tido início pela profunda adoração que Lawrence sentia pela mãe, iria finalmente explodir em 1914, curiosamente um ano depois da morte de sua mãe, quando, e depois de romper com a sua noiva, foge para a Prússia com uma mulher casada e mãe de 3 crianças. Frieda era um mulherão, de seios fartos que levou Lawrence a afirmar: "Os seus seios são o meu lar".

É a partir desse relacionamento, que posteriormente vem a dar em casamento, que ele começa a desenvolver para romances algumas das suas ideias. Encontra assim um porto de abrigo onde, e segundo as suas próprias palavras, conhece os verdadeiros prazeres sexuais com a mulher, não olhando a falsos pudores nem vergonhas, entregando-se totalmente ao prazer.

Em 1915 é publicado o seu primeiro romance e que vem a ser classificado de obsceno e imundo: O Arco-Irís. É apreendido por ordem do tribunal, havendo mesmo um pedido de desculpas por parte do editor. Lawrence jamais irá esquecer este acontecimento.

Lawrence julgava o sexo como uma manifestação física natural e normal. Ao pensar dessa forma, ele começou a criar uma série de anticorpos na sociedade inglesa, tão agarrada a valores vitorianos e que via o sexo como algo puramente animal, só sendo digno para o efeito de reprodução.

Lawrence declara então uma espécie de guerra a essa sociedade. Nunca fazendo claramente essa declaração, a intenção do autor não será o de chocar o público, mas sim mostrar o génese da sociedade humana, fazer ver que a excitação sexual é algo de normal, que é necessário "matar" a vergonha que aprisionam as pessoas e a sua mente.

Em 1926, e já a viver na Toscana com a sua musa inspiradora, Lawrence escreve aquele que é, ainda hoje, considerado a sua obra máxima e, saliento, considerada como um dos melhores cem livros do séc. XX: "O Amante de Lady Chatterlley".

Esta é a história de Constance Reid (Connie), uma jovem e atraente mulher, que casa com um rico e oficial inglês, Clifford Chatterlley. Após a lua de mel, ele é enviado de volta para as trincheiras da Primeira Grande Guerra, onde, pouco depois, sofre um grave ferimento que o deixa paralisado da cintura para baixo.

De volta a Inglaterra, o jovem casal vai viver para a mansão de Clifford, começando então uma existência fútil, triste e vazia. Eram ambos jovens, no entanto Clifford estava morto da cintura para baixo, enquanto Connie sentia-se arder por dentro, o desejo subia-lhe pelo corpo em vagas sucessivas e via na sua vida futura algo sem nada.

É então que Lawrence faz o primeiro arremesso.

Vendo a situação da sua esposa, Clifford dá-lhe autorização para que ela arranje um amante e, inclusive, tenha um filho deste, desde que ninguém saiba, que o amante seja alguém de boa posição e que a criança seja considerada dele.

Ao princípio periclitante, ela acaba então por se envolver, não com um homem de boa posição, mas com o caseiro da propriedade, Oliver Mellors, um homem feio e rude, mas que incorpora toda o vigor masculino, vigor esse que encanta e enche de prazer Lady Chatterlley.

A partir daí... meus amigos, Lawrence oferece-nos descrições verdadeiramente excitantes dos encontros sexuais entre Connie e Oliver. Uma verdadeira loucura erótica onde as palavras são colocadas de uma forma nua e crua, mas e ao mesmo tempo, de uma forma terna, acabando em climaxes esplendorosamente apoteóticos.

Obviamente que o romance não se resume apenas a esses encontros sexuais. A história continua e sempre com Lawrence a atirar pedras aos conceitos britânicos e cristãos, pois recordo-me que chega mesmo a colocar em causa a existência de Deus.

Neste romance, e por muito que se façam análises sobre outras intenções do autor, nomeadamente intenções de ferir ou de chocar a sociedade, o que é verdade e isso é claro, penso, contudo, que a grande força e beleza deste romance está essencialmente assente em três factores:

- Na forma como Lawrence constrói o romance. O desencadear das situações faz com que tudo o que acontece seja coerente e, isso é importante, com que nós próprios julguemos os personagens, acabando por nos inquirimos: não fazíamos nós o mesmo, dadas as situações?

- Na forma como Lawrence glorifica a virtude do sexo e os movimentos dos corpos, as descrições dele são divinais.

E algo que detectei pelas descrições, mediante o que sei do autor:

- Este é um romance que homenageia a sua mulher: Frieda. Até digo mais, tenho poucas dúvidas que parte das descrições de Lawrence, são dele próprio com a mulher.

Mas porquê dar uma conotação tão erótica a um livro, cujas descrições ostensivamente sexuais, ocupam apenas 15% do seu todo?

Simplesmente porque essas cenas de sexo transmitem toda a força do sexo. Nessas descrições, homem e mulher entregam-se um ao outro de uma forma muito quente, sem qualquer tipo de pudores. A linguagem que usam é vernácula, todo o ambiente criado é excitante. No entanto todo esse erotismo não acaba quando acaba os movimentos corporais, esse erotismo continua no resto da narrativa, no amor que sentem um pelo outro, nos seus pensamentos e nos carinhos. Um erotismo que nos leva a encarar o sexo como fazendo parte do lado efectivo e não do lado animal como era defendido pelos moralistas. E isso não foi compreendido na época, tanto é que o livro foi apreendido, impedida a sua venda durante alguns anos e Lawrence acusado de atentado ao pudor.

Depois há todo um conflito moral que nos é lançado e cuja resolução depende um pouco de nós próprios. Depende da forma como encaramos aquele quadro, depende da nossa forma de ver o sexo e o amor entre um homem e uma mulher.

Um romance brilhante, perfeito, cheio de mensagens num jogo de sentimentos soberbo, longe portanto de ser um simples romance erótico, muito longe mesmo.

Um romance obrigatório para entendermos o pensamento e moral da sociedade britânica e europeia da primeira metade do século XX e para que possamos entender um pouco do lado efectivo do ser humano.

4 comentários:

Pedro disse...

Fiquei interessado no livro.
A tua opinião mostra um livro profundo, um livro que dá um retrato da sociedade extremamente bem desenhado, uma mistura de diferentes "cores".
Parece-me interessante, talvez pense duas vezes...

NLivros disse...

Sem dúvida.

Este é um dos tais livros que, quanto a mim, necessitam de um conhecimento prévio da época e até da forma de estar e pensar do autor.

Lawrence quis e conseguiu chocar a sociedade que vivia de aparências na sua pureza imaculada. Conseguiu expressar a essência do ser humano, aproximando-o de meros animais que se entregam à luxúria e ao prazer.

Pessoalmente considero este "Amante de Lady Chatterley" um dos livros que expressa melhor a mentalidade da sociedade britância pós I Grande Guerra, sociedade essa ainda muito agarrada a tradições vitorianas.

Cump.

Noite Bela disse...

Aí que delícia, história inglesa, sexo e amor... interessante.
Lerei e depois te envio um cometário.

Anónimo disse...

Gosto da cabeça de D. H. Lawrence, antes mesmo de ler qualquer livro dele havia me interessado por ele de forma particular. Quando li o livro me solidarizei com a Connie de Lawrence e imaginei como deveria ter sido para ele construir está jovem mulher em uma sociedade tão hipócrita e intolerante como a do século 20, ainda mais entre os ingleses que até hoje sustentam aquele ar conservador como parte de suas tradições mais nobres. O ponto principal, para mim é a biologia gritante em Connie (“sentia-se arder por dentro”), se até hoje a sociedade (mundo de forma geral) acreditam na ideia disseminada á séculos de que sexo é pra homem e que as mulheres não tem a “necessidade” de sexo (estou mentindo?) faço ideia naquela época, afinal fomos todos educados de forma indireta de que mulher não deve ‘gostar’ de sexo, prazer é uma busca quase que absolutamente masculina. Mas aos poucos estas barreiras estão caindo, a passos lentos, mas aos poucos caindo...
Todo autor coloca muito de si próprio em sua obra (criação, crenças, valores etc) e Lawrence não foge a regra. Eu gosto da escrita erótica de Lawrence e diferente de alguns escritores que tenho como costume ler (Javier Moro, por exemplo), ele se mostra bem resolvido nesta área(sexual), outra coisa que admiro no autor é a quase sensibilidade, ele aprecia o ser feminino como poucos homens conseguem.
Bem rsrs, deixa eu parar por aqui, mas uma vez parabéns, você não só nos instiga a querer ler algo que resenha como também nos impulsiona a ler outra vez a mesma obra e prestar atenção em detalhes que na 1º leitura passaram despercebidas.
Tudo de bom suas resenhas.