Até há bem pouco tempo, gostava
de ler apenas livros cuja quantidade de páginas fosse considerável. Ou seja,
quanto mais extenso fosse o livro, mais eu o apreciava, pois adorava aquela
sensação da “douração da pílula” e passar longas temporadas na companhia “daquela”
obra.
Aos poucos isso foi mudando
porque mudando foi também a minha paciência para ler histórias extensas, até
porque comecei a aperceber-me que havia muita “palha”, situações desnecessárias
com a intenção de prolongar o livro e que, bem espremido, não lhe acrescentavam
nada.
E vai daí, comecei a descobrir
pequenas obras que se revelaram Grandes e que se liam em poucas horas.
Escolho então 10 obras que se leem
em poucas horas, perfeitamente possível num dia.
Cântico de Natal – Charles Dickens
(184 Págs)
“Disparate! Feliz Natal? Que razões
tens para te sentires feliz? És pobre!...".
Já muito se disse e escreveu sobre esta tocante e portentosa obra
literária do mestre Dickens.
A obra nasceu na mente de Dickens com a intenção de valorizar a época
natalícia que Dickens adorava. Tinha 5 filhos e era profundamente dedicada à
família e a época, considera Dickens, era sinónimo de família, paz e
fraternidade.
Assim, decidiu escrever este conto e publicá-lo a expensas próprias,
vendendo-o posteriormente nas ruas a um preço simbólico.
O sucesso foi tão grande, que é a partir daí que a tradição do Natal se
volta a impor, primeiro em Inglaterra, alastrando-se depois por toda a Europa e
mundo ocidental.
É um livro que se lê em meia dúzia de horas. É um conto extraordinário
que nos encanta e demonstra o verdadeiro espírito do natal.
A Morte de Ivan Ilitch – Léon Tolstoi
(84 Págs)
Tolstoi é um dos maiores
escritores de todos os tempos. Conhecido essencialmente pela sua fenomenal obra
“Guerra e Paz”, Tolstoi foi um escritor com uma obra extensa, cujos títulos
são, hoje em dia, motivo de exaustivos estudos.
Uma dessas obras é a Morte de
Ivan Ilitch que aborda o tema da morte e o sentido da vida.
Percebendo que a morte se
aproxima, Ivan Ilitch efectua uma retrospectiva da sua vida e principalmente
questiona e reflecte sobre a vida e seu desígnio. Nasce assim um vasto
exercício sobre o porquê da vida e qual o seu sentido.
É daqueles livros que aconselho
quando me questionam de qual a melhor obra para se iniciar nos clássicos
russos. Lê-se em poucas horas e o impacto é enorme.
A Metamorfose – Franz Kafka (96
Págs)
Mais um clássico da literatura.
O que dizer desta portentosa de
Kafka?
Kafka cria uma metáfora sobre a
escravatura do ser humano face ao trabalho, a sua alienação em prol de um mundo
cada vez mais capitalista e egoísta, onde as relações humanas estão assentes em
interesses mútuos, fazendo com que as relações humanas sejam cada vez mais supérfluas
e vazias. Nessa metáfora, Kafka analisa e critica igualmente as relações
familiares deixando antever a enorme injustiça que é não termos qualquer culpa da
família no qual nascemos.
Como protagonista, Kafka cria
Gregor Samsa que, um dia de manhã, ao acordar, constata que se tinha metamorfoseado
em Barata, um ser que para os humanos, representa a imundice, o nojo, a
impureza, o lixo.
Impressionante como em tão poucas
páginas se constrói algo tão grandioso. É a tal questão essencial: O pouco é
mais.
Mesmo sendo uma leitura que se
deva fazer devagar, umas 3, 4 horas chegam para ler e entender esta pérola da
literatura universal.
As Dez Figuras Negras - Agatha Christie (192 págs)
Pese embora
não seja um grande fã de policiais, li muitos livros de Agatha Christie e
aquele que mais me entusiasmou foi, sem dúvida, As Dez Figuras Negras.
E porquê?
Primeiro
porque é um dos poucos livros de Christie em que não há um daqueles detectives
que, embora perspicazes, tornam as histórias um pouco semelhantes. E depois,
porque existe muitos laivos de terror.
Dez desconhecidos
são convidados para passar uns dias numa mansão numa ilha. O convite parte do
proprietário da mansão e os convidados, aparentemente, não têm qualquer
relacionamento entre si. Aos poucos, todos eles se vão apercebendo que há um
facto comum a todos: Ninguém conhece pessoalmente o proprietário que,
curiosamente, não se encontra presente.
Durante o
jantar, ouve-se a voz do anfitrião que acusa todos eles de esconderem um acto
criminoso…
É um excelente
livro que se lê de rajada, face também ao clima de tensão crescente e à forma clara
a concisa como Agatha Christie escrevia.
As Rosas de Atacama - Luis
Sepúlveda (144 Págs)
O título deste pequeno/grande
livro, nasce da visita de Sepúlveda ao campo de concentração de Bergen Belsen
(Alemanha), quando se deparou com a inscrição numa pedra: “Eu estive aqui e
ninguém contará a minha história”.
Essa frase trouxe-lhe à memória
muitas pessoas que havia conhecido que mereciam que a sua história fosse
conhecida. Dessa forma, nasce um livro com histórias isoladas, onde a defesa da
dignidade humana tem um papel fortíssimo.
É um livro encantador que se lê
em poucas horas.
Memória das Minhas Putas Tristes
- Gabriel García Márquez (107 Págs)
Garcia Marquez é,
reconhecidamente, um dos maiores génios da literatura.
Conhecido principalmente pelo seu
romance “Cem Anos de Solidão”, é autor de uma vasta obra, desde romances,
contos, peças de teatro, crónicas, etc.
Uma das suas últimas obras, é
este “Memória das Minhas Putas Tristes”, pequeno livro onde se pode desfrutar
de todo o génio de Marquez.
Essencialmente o livro representa
uma reflexão sobre a velhice e sente-se que é também uma espécie de autobiografia
de Garcia Marquez.
É um livro que se lê facilmente
num par de horas.
O Rapaz do Pijama às Riscas – John Boyne (192 Págs)
Este foi um dos livros que mais me tocou.
Explora, de uma forma magistral, a inocência infantil face à estupidez
dos adultos.
Todo o livro é narrado do ponto de vista de uma criança que não
compreende porquê que se tem de mudar da sua confortável mansão para uma casa localizada
em nenhures. Mais estranho é o facto de ali não existirem crianças com quem ele
possa brincar, excepto um menino que ele conhece que vive do outro lado da
vedação de arame farpado. Estranhamente, esse menino, bem como todas as outras
pessoas que vivem desse lado da vedação, usam um pijama às riscas.
É uma história comovente e tocante que tem um epílogo desconcertante que
nos demonstra o quão terrível, cruel e absurdo foram os campos de concentração nazis.
Um livro que li numa manhã, pois é de leitura compulsiva.
O Rei de Havana – Pedro Juan Gutiérrez (200 Págs)
Um dos meus autores preferidos é o cubano Pedro Juan Gutiérrez. Dono de
uma narrativa crua e extremamente visual, Pedro Juan não se coíbe em descrever a
realidade de Cuba e principalmente a “sua” Havana durante a ditadura de Fidel
Castro
Dessa forma escreveu um conjunto de romances que, na minha opinião, têm o
auge da Qualidade através do livro “Trilogia Suja de Havana”.
Neste “O Rei de Havana”, que é uma espécie de continuação da “Trilogia”,
o autor apresenta-nos páginas cruas, por vezes violentas, do quotidiano dos
cubanos, onde a fome a miséria andam de mãos dadas. Pedro Juan narra o
dia-a-dia de Reynaldo, que depois de assistir à morte da família, é encerrado
numa instituição onde aprende a desenrascar-se, algo que para os cubanos, é um desporto
nacional.
É um livro delicioso que se lê perfeitamente num dia, pois é escrito numa
linguagem simples e directa e os episódios narrados têm o condão de agarrar o
leitor.
A Noite dos Mortos-Vivos – John Russo (136 Págs)
Decidi colocar este livro
nesta lista pela razão de ter sido um dos primeiros livros de terror que li e
porque o mesmo está na origem dessa moda do género "apocalipse zumbie" que há décadas
invadiram o mundo ocidental.
Este pequeno livro, intenso, terrorífico
e cheio de sangue, é o livro que posteriormente é adaptado ao cinema por George
Romero em 1968 e que hoje é considerado um clássico do género. No entanto por
detrás do filme, está a obra de John Russo que, sabe-se, foi escrita precisamente
já a pensar no filme, longe estando eles de pensar que estariam a criar um
clássico da literatura e do cinema.
Intenso e assustador, é um livro
que se lê em poucas horas, pese embora seja um livro cheio de situações fortes,
absurdas e altamente sangrentas.
A Herança de Eszter – Sandor Marai
A minha primeira experiência na
literatura de Sandor Marai foi este “A Herança de Eszter” e confesso que adorei
o livro que li em poucas horas.
A estrutura do livro é simples e
muito objectiva.
Eszter viveu durante anos uma
existência pacífica e monótona. Até que um dia recebe um telegrama de Lajos, o
seu grande amor, que a informa que dentro de dias chegará a sua casa para a
visitar.
A partir daí desenrola-se uma série
de acontecimentos que irão evidenciar a personalidade manipuladora e canalha de
Lajos, simultaneamente que são narrados factos do passado.
É um livro inquietante e perturbador que se lê em duas, três
horas sem qualquer esforço.
1 comentário:
Mais uma boa lista!
Este Verão gostava de aproveitar os muitos pequenos clássicos que tenho cá em casa, mas o meu entusiasmo fez-me começar "O Romance de Genji" (que são dois calhamaços de 900 páginas).
Há de facto "grandes pequenos" livros por aí, mas quando se fala de poucas páginas prefiro livros juvenis/infantis que me conseguem encantar com a sua imaginação. "O Principezinho", "A Loja dos Suicídios", "O Polegar de Deus" foram alguns deles.
De livros mais "adultos", destaco "Sem Sangue " de Alessandro Baricco e "Paixão em Florença" de Maugham (que se bem me lembro também li num dia), este último um dos meus preferidos.
"Memórias de Minhas Putas Tristes" é para mim um livro incrivelmente subvalorizado de Gabo. Acho soberba a reflexão sobre o amor, a sexualidade e sobretudo o Tempo, o envelhecimento. Que obra!
Agatha Christie tenho mesmo de me obrigar a ler. Eu não gosto muito de policiais e nunca li nada desta "rainha", mas "As Dez Figuras Negras" é um dos livros mais aclamados por todos.
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