Fiodor Dostoievski é considerado, e justamente, como um dos grandes escritores russos e um dos maiores escritores universais de todos os tempos. Nascido em Moscovo em 1821, Dostoievski teve uma infância algo triste, caracterizada pela profunda austeridade do seu pai, austeridade essa que se estendia igualmente ao seu irmão mais velho e à sua mãe, que viria a falecer quando ele contava apenas 10 anos.
Na juventude, frequentou a Escola de Engenharia Militar de São Petersburgo. De onde saí em 1843, vindo pouco tempo depois a abandonar a carreira militar para ingressar no mundo das letras. Crê-se que esse entusiasmo pela letras deriva de uma visita de Balzac a São Petersburgo, visita essa que o leva a traduzir “Eugenia Grandet” do célebre escritor francês.
Já como escritor, envolve-se num movimento de líricos, de artistas, que nas suas reuniões são conhecidos por terem opiniões contra o sistema político e em 1849, é preso e acusado de conspiração contra o czar, sendo então condenado a ser fuzilado. Porém, no dia marcado para o fuzilamento e quando já estava perfilado diante do pelotão, veio a informação que o czar havia comutado a pena de fuzilamento para 4 anos de trabalhos forçados na Sibéria. Tal episódeo tem um papel fulcral na via de Dostoievski e repercute-se em toda a sua obra, 4 anos em contacto com outros criminosos foram essenciais para a escrita de “Crime e Castigo”.
Vida difícil, marcada pelo sofrimento moral e físico (tinha constante ataques epilépticos) e pelas dívidas ao jogo que o deixa frequentemente na penúria, publica em 1866 a obra “Crime e Castigo”, livro esse que depois desta pequena mas importante introdução, me proponho a opinar.
É assim que marcado por um estado de angústia e amargura, Dostoievski tem todo um clima ideal para escrever o romance que o levaria à galeria dos imortais, aquele livro onde Dostoievski demonstra que atingiu o total amadurecimento.
Como já referi, os 4 anos passados na Sibéria na companhia de tantos criminosos, familiarizaram-no com o sentimento de culpa, pois ali foi possível conviver com homens que lhe mostraram o crime nas suas diversas facetas. Homens tidos na sociedade como monstros, mas que são capazes de revelar sentimentos humanos. Homens que se transformaram em criminosos devido à injustiça social, mas capazes de mostrarem remorsos que lhes dilaceram a alma, homens que devido à vicissitudes da vida acabam por se considerarem inocentes. Esses factos perturbou Dostoievski.
Assim e em “Crime e Castigo”, Dostoievski apresenta-nos a personagem principal Raskolnikov, que é apenas um estudante com um futuro brilhante. No entanto, a sua difícil situação financeira, assim como a situação da sua mãe e irmã, faz com que Raskolnikov se vá isolando do mundo, deixando logo antever grandes fragilidades psicológicas misturadas com um crescente estado nervoso.
Resolve então penhorar alguns objectos junto de uma velha que, aproveitando-se da precária situação de Raskolnikov, oferece-lhe sempre menos dinheiro do que aquele que era justo. Face a essa injustiça, Raskolnikov vê nascer um ódio pela velha agiota, planeando então assassiná-la. De notar que Raskolnikov vê na velha a face da injustiça social que assalta a Rússia. Dostoievski é brilhante na forma como descreve toda a situação do assassinato. Desde o momento que sai de casa, as dúvidas, as hesitações, a angústia de Raskolnikov, os seus pensamentos que acompanhamos quase como sendo uma segunda consciência de Raskolnikov: “como tudo é repugnante”, “isto é uma loucura, um absurdo”, “serei eu capaz de tamanha infâmia?”, “isto é ignóbil, nojento!”... no entanto, assassina-a de um modo grotesco, sádico e cruel, rouba nervosamente alguns valores e, sem que Raskolnikov o prevê-se , nessa altura entra em casa a irmã da velha que, ao ver a usurária morta, fica em estado de choque, completamente petrificada de terror. Raskolnikov não pensa e mata-a, sem piedade e de uma forma macabra. Duas mortes atrozes que vão agora atormentar o nosso personagem.
Depois de quase ser apanhado em flagrante (Dostoievski faz essa descrição de um modo excitante), consegue fugir sem ser visto e voltar ao seu quarto onde se inicia a sua luta consigo próprio, uma luta psicológica que o irá levar a um estado latente de loucura.
Nesta obra, Dostoievski realiza algumas análises á sociedade do seu tempo. A miséria humana da família Marmaledov (a forma como o pai dessa família sucumbe é atroz, mas aconteciam inúmeros casos na altura) caracteriza a injustiça social. Injustiça essa também explorada na personagem de Svidrigailov, homem sem escrúpulos, chantagista. Dúnia que está pronta a sacrificar a sua vida para o bem estar da família. No entanto, a sua maior análise vai inteirinha para a luta psicológica de um homem que mata mas que não sente remorsos pelo que faz, sente sim a dúvida moral do seu acto, o seu desespero em encontrar um subterfúgio que lhe atenue essa dúvida que lhe dilacera a alma, que o tortura, que o castiga.
Dostoievski descreve todo um processo psíquico do sentimento de culpa. Raskolnikov pensa que a velha é um mal no mundo, que esse mundo apenas tem a ganhar com a sua morte. Como tal, ele tem o direito de impor a sua própria moral, no entanto ele é consumido pela tortura interior. A sua tortura constitui um esforço desesperado para, através do raciocínio lógico, encontrar uma explicação para os crimes, uma explicação que amaine a sua consciência. Será que matar a velha foi um erro? Se ele não se arrepende, então não pode ser culpado por algo que foi merecido. Ele agiu como devia, logo, o seu suplício não tem razão de existir... Mas será que ele tem realmente esse direito, será ele um Deus?... é neste conflito interior que o tortura, que a figura de uma jovem prostituta, marcada igualmente pelo sofrimento, lhe vai falar à sua consciência. Sublime ironia de Dostoievski, numa autêntica batalha entre o bem e o mal.
Uma obra genial!
"chamam-me psicólogo, mas não é verdade. Sou apenas um realista no mais alto sentido, ou seja, retracto todas as profundezas da alma humana.” - Fiodor Dostoievski
"chamam-me psicólogo, mas não é verdade. Sou apenas um realista no mais alto sentido, ou seja, retracto todas as profundezas da alma humana.” - Fiodor Dostoievski
10 comentários:
Ainda não li nada dele, mas acho que vou gostar...
CSD
Viva Cláudia.
Ler Dostoievski não é um exercício fácil, requerendo não só alguma preparação psicológica como também consciência que qualquer livro dele demora a ser lido a fim de ser absorvido o seu conteúdo.
É um escritor imprescindível.
Bjks
Nuno
"Ler Dostoievski não é um exercício fácil, requerendo não só alguma preparação psicológica como também consciência que qualquer livro dele demora a ser lido a fim de ser absorvido o seu conteúdo." Iceman
Pois, deve ser por isso que qualquer dia tenho de tentar pela 3ª vez ler este livro. Terei de me mentalizar e arranjar uma altura em que tenha algum tempo disponível, para lê-lo de seguida.. vamos a ver! A verdade é que já ouvi muito boa gente a dizer bem do livro.
Sim, ler Dostoievski não é fácil e requer preparação e estado de espírito, principalmente, considero, requer o nosso desejo de ler Dostoievski.
Ou seja, não se pode pegar num livro dele de uma forma leviana como, por vezes, pegamos num qualquer outro livro.
Ler Dostoievki não é para nos entretermos. As suas obras explanam a essência humana e são profundas ao nível psicológico e histórico. Costumo dizer que é cansativo ler Dostoievski, aliás, aconselho a leitura de um livro dele por ano, pois ler um livro dele é entrar numa batalha dos sentidos.
Aconselho as suas obras mas de uma forma cuidada. Digo mais, aconselho a leitura diárias de umas 30 páginas (média). De uma forma vagarosa, analisando o que se lê em virtude das constantes mensagens e pormenores das suas hostórias.
Um dos melhores escritores de sempre.
Cump.
Miguel
Olá,
este é um dos meus livros preferidos. Recomendaram-me a sua leitura e eu adorei. Seguidamente li outros 2 livros seus: Cadernos da Casa Morta...e o outro não me recordo...sei que tinha poucas páginas!
Já foi há alguns anos, mas não me recordo da sua leitura ter sido difícil.
Olá Mar.
"Cadernos da Casa Morta" ainda não li. O Livro que deves ter lido deve ter sido o "Jogador", não?
É mais um estupendo livro.
Não, não foi "O Jogador", foi " O Eterno Marido", mas sinceramente já não me recordo muito bem dele.
"Crime e Castigo" permanece na estante há 3 anos para ler :(
Tenho de pegar nele...
Olá Paula.
"Crime e Castigo", para além de ser um dos livros da minha vida é, inquestionavelmente, um dos grandes clássicos da literatura universal.
Porém não é um livro fácil e o conselho que te dou é que só o leias quando te sentires preparada (apetecer) e que, antes, faças uma pequena pesquisa acerca do autor, da obra e da acção temporal.
Mas é um livro soberbo!
Tenho de o reler :)
É um grande livro!
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